(Continuação da postagem anterior) Tudo bem que Nine não chega aos pés de Chicago, o trabalho anterior de Rob Marshall que, em 2003, lhe rendeu seis Oscars, incluindo filme e direção. Mas também não é este desastre cataclísmico que a crítica especializada está deixando entrever. É verdade que tem muitos problemas, alguns bastante evidentes, o que talvez explique seu fracasso comercial aqui e lá fora. O maior deles, sem dúvida, é a escalação de Daniel Day-Lewis no papel de um italiano. Day-Lewis é um excelente ator, como já demonstrou em diversas ocasiões, inclusive quando arrebatou seu segundo Oscar, em 2008, por Sangue negro, mas é um tipo muito britânico, que não convence como um diretor italiano de sangue quente. Nem o sotaque ele consegue fazer direito! Assim, já fica difícil desde o começo identificarmos ali o que poderia ser a supressão momentânea da realidade, que rege o código do cinema: vemos um ator interpretando um personagem, e nada além disso. Outra provável explicação é a rejeição que grande parte do público de hoje tem por musicais, um gênero que respira por aparelhos há décadas e somente de vez em quando consegue inovar, reciclar-se, sem perder suas origens – foi assim com Moulin Rouge, o próprio Chicago, o espanhol 20 centímetros etc. O título não ajuda, porque não passa a idéia do que é o filme. Também a história já é conhecida: um grande mestre do cinema italiano, em crise pessoal, profissional e afetiva, tenta concluir seu novo projeto, o nono de sua carreira, enquanto repassa sua vida em meio a lembranças das várias mulheres com quem conviveu. Se a sinopse parece familiar, é mesmo: todos viram isso em Oito e meio de Fellini (o diretor interpretado por Day-Lewis se chama Guido Contini!). Na verdade, a base da história foi uma peça da Broadway, que adaptava para os palcos os anseios celebrados por Fellini nos anos 60. Ou seja, como definiu um crítico do jornal O Globo, "Nine é Fellini passado duas vezes no coador"! E todos sabemos os riscos que se corre ao se refazer um clássico do cinema.
Mas Nine é um bom filme, um pouco arrastado no começo, que vai ganhando em interesse do meio para o final, e mesmo quem gosta ou não conhece o original, desde que goste de musicais, poderá até se envolver e se deixar levar ao ritmo das canções. Há pelo menos três bem poderosas e que grudam na memória. Pela ordem de aparição na tela, "Be italian", cantada pela Fergie (ela mesma, do Black Eyed Peas), que faz a prostituta das lembranças infantis de Contini; "Cinema italiano", o mais frenético número do filme, defendido com energia contagiante por Kate Hudson (a canção foi indicada ao Globo de Ouro); e "Take it all" (esta indicada ao Oscar), quase ao final, em que Marion Cotillard dá mais um show de interpretação cantando (e mostrando também uma excelente forma física). Entre as outras figuras femininas do filme, todas com algum momento de canto, estão a sempre respeitável Judi Dench, Nicole Kidman (que aparece muito pouco e mal tem falas como a estrela temperamental) e Penélope Cruz, como a amante do diretor. Ela também foi nomeada ao Oscar, a meu ver injustamente, talvez porque esteja ainda na crista da onda em Hollywood, ainda por conta de seu prêmio por Vicky Cristina Barcelona (aliás, já repararam que agora ela só faz papel de amante?). A Academia esqueceu Marion Cotillard, perfeita como a esposa traída que sofre em silêncio até explodir em seu número de canto e dança (claro que é uma visão subjetiva, pois, como em Chicago, todas as coreografias só acontecem na mente do protagonista). É dela a grande atuação feminina em Nine. Há ainda rápidas aparições da mãe de Contini, vivida por Sophia Loren, no que são as imagens mais chocantes do filme. É triste ver aquela que já foi uma das mais lindas atrizes de todos os tempos bastante envelhecida, com maquiagem deficiente que nada esconde da passagem dos anos. Praticamente um desrespeito.
Além das duas indicações detalhadas acima, Nine concorre ainda em Direção de Arte e Figurinos. Ficou fora das categorias de Som e Efeitos Sonoros, tradicionais nichos dos filmes musicais, o que atesta o fracasso do projeto. Pelo visto, seu destino será mesmo restringir-se a um público bastante restrito. Nine não será desses musicais capazes de arrebanhar novos fãs para o gênero. (Continua)
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
Oscar 2010 - III
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
Oscar 2010 - II
(Continuação da postagem anterior) O meu favorito ao Oscar deste ano é Preciosa. Confesso que não levava muita fé neste filme produzido pela Oprah Winfrey, estrelado por negros e, supostamente, endereçado a um público restrito, que poderia se reconhecer e identificar na tela. Não nos esqueçamos que foi a mesma Oprah quem nos legou o discutível Bem-amada, execrado pela crítica. Mas o que vi na tela superou qualquer expectativa. É, disparado, o melhor filme entre os dez finalistas. Conta a história (que não é baseada em fatos reais, ao contrário do que se chegou a divulgar na imprensa) de Precious, uma garota obesa de 16 anos, que está grávida do padrasto, com quem já teve uma outra filha, que tem síndrome de Down, e sofre constantes maus-tratos da mãe, que a chama de “baleia”, “lixo” e outras agressões, somando-se às verbais, também as físicas. Sua vida é um inferno, mas ela prefere trilhar o caminho da esperança ao invés de sucumbir diante das dificuldades que se apresentam. Não por acaso, o filme ganhou o subtítulo brasileiro de “Uma história de esperança”. Não é uma obra feita para divertir, e quem for assisti-la apenas para fazer hora no cinema ou se distrair certamente ficará arrependido ou revoltado. Ao contrário, é um filme de forte impacto, difícil, por vezes quase insuportável de ver, barra-pesadíssima, que pode tender para a depressão, mas inevitavelmente provocará lágrimas. Nada prepara o espectador para o choque que se terá ao assisti-lo. Pode-se acusar o diretor Lee Daniels de manipular seus personagens, visando o efeito fácil, a catarse pública; ele o faz, porém, com extrema segurança. Além de contar com duas interpretações impressionantes. A comediante Mo’Nique, muito conhecida na televisão americana, desperta ódio e pena no espectador como a mãe. Deve faturar o Oscar de coadjuvante, repetindo o feito do Globo de Ouro. Seria um prêmio merecidíssimo. A protagonista é vivida por uma estreante de nome estranho e complicado, Gabourey Sidibe, que ainda encara o desafio de, aos 27 anos de idade, interpretar uma adolescente. Sua atuação é visceral, e deveria ser reconhecida com o Oscar de Atriz, outra das seis que o filme recebeu (mas alguém acredita que uma negra gorda e feia vai ganhar o prêmio? A América de Obama ainda não chegou a esse ponto de igualdade). Quase nos faz acreditar que sua Preciosa é de fato real. Embora sua composição não esteja assim tão longe da realidade. Quantas “Preciosas” existem espalhadas por aí, mesmo no Brasil, perambulando invisíveis suas existências sofridas e silenciosas? É uma realidade que as pessoas não fazem questão de conhecer nem de ver. Mesmo assim, é um raro caso de filme que nos leva a uma profunda reflexão sobre nossa própria condição humana. Obrigatório.
Este meu favoritismo por Preciosa ocupou o espaço que antes era de Amor sem escalas, comédia romântica sobre um executivo que viaja por todo o país demitindo pessoas de empresas em situação falimentar (o cargo não existe de verdade, é apenas uma invenção dramática surgida no romance original em que se baseia, de Walter Kim, publicado no Brasil pela Record). Metódico e extremamente cético quanto ao sucesso dos relacionamentos afetivos, vê sua estrutura ruir depois de conhecer uma executiva, papel de Vera Farmiga, outra indicada como coadjuvante, juntamente com sua colega de elenco Anna Kendrick. A abertura do filme é espetacular, com uma sobreposição de imagens aéreas de várias cidades norte-americanas. Quando lançado nos EUA, Amor sem escalas chegou a ser apontado como obra-prima, coisa que está longe de ser, mas é um filme bem agradável, confirmando o talento do diretor Jason Reitman, o mesmo de Obrigado por fumar e Juno.
Sobre Bastardos inglórios, já escrevi na época do Festival do Rio. Dos outros indicados à categoria principal, Up – altas aventuras é apenas o segundo desenho animado a concorrer ao prêmio máximo (o primeiro foi A bela e a fera, em 1992). Mesmo sendo um primor de realização, evidentemente não tem chances de ganhar, mas é o favorito ao Oscar de Animação. Sua presença na lista é uma espécie de pedido de desculpas da Academia, que não incluiu Wall-E entre os finalistas ao Oscar do ano passado, quando todos davam como certa sua presença, em que pese o fato de ele ter concorrido e vencido em sua categoria específica.
Dos outros quatro indicados, há pouco a dizer. Distrito 9 já pode se considerar vencedor: é o primeiro filme africano a concorrer ao Oscar principal, além de ser uma rara ficção-científica considerada elegível pela Academia. Já se vislumbra um futuro promissor para seu diretor, o sul-africano debutante Neil Blomkamp, bem como para seu protagonista, Sharlto Copley (prestem atenção que logo logo estará em Hollywood), talvez até mesmo estrelando uma provável refilmagem em terras ianques. Educação apenas ocupa a vaga do filme inglês do ano. Um sonho possível e Um homem sério parecem evocar mesmo a época em que ter muitos indicados era uma norma em Hollywood. Cada um recebeu apenas mais uma nomeação – o primeiro deve render à atriz Sandra Bullock seu primeiro Oscar. O segundo reafirma o prestígio dos irmãos Coen junto à Academia; fossem outros que assinassem a direção, o filme provavelmente passaria em branco. Mais uma vez, não entendo como um concorrente ao Oscar recebe menos indicações do que um outro filme, que fica de fora da lista final – no caso, o musical Nine, massacrado pela crítica, esquecido até no Globo de Ouro, e que, mesmo assim, defende quatro indicações. (Continua)
Este meu favoritismo por Preciosa ocupou o espaço que antes era de Amor sem escalas, comédia romântica sobre um executivo que viaja por todo o país demitindo pessoas de empresas em situação falimentar (o cargo não existe de verdade, é apenas uma invenção dramática surgida no romance original em que se baseia, de Walter Kim, publicado no Brasil pela Record). Metódico e extremamente cético quanto ao sucesso dos relacionamentos afetivos, vê sua estrutura ruir depois de conhecer uma executiva, papel de Vera Farmiga, outra indicada como coadjuvante, juntamente com sua colega de elenco Anna Kendrick. A abertura do filme é espetacular, com uma sobreposição de imagens aéreas de várias cidades norte-americanas. Quando lançado nos EUA, Amor sem escalas chegou a ser apontado como obra-prima, coisa que está longe de ser, mas é um filme bem agradável, confirmando o talento do diretor Jason Reitman, o mesmo de Obrigado por fumar e Juno.
Sobre Bastardos inglórios, já escrevi na época do Festival do Rio. Dos outros indicados à categoria principal, Up – altas aventuras é apenas o segundo desenho animado a concorrer ao prêmio máximo (o primeiro foi A bela e a fera, em 1992). Mesmo sendo um primor de realização, evidentemente não tem chances de ganhar, mas é o favorito ao Oscar de Animação. Sua presença na lista é uma espécie de pedido de desculpas da Academia, que não incluiu Wall-E entre os finalistas ao Oscar do ano passado, quando todos davam como certa sua presença, em que pese o fato de ele ter concorrido e vencido em sua categoria específica.
Dos outros quatro indicados, há pouco a dizer. Distrito 9 já pode se considerar vencedor: é o primeiro filme africano a concorrer ao Oscar principal, além de ser uma rara ficção-científica considerada elegível pela Academia. Já se vislumbra um futuro promissor para seu diretor, o sul-africano debutante Neil Blomkamp, bem como para seu protagonista, Sharlto Copley (prestem atenção que logo logo estará em Hollywood), talvez até mesmo estrelando uma provável refilmagem em terras ianques. Educação apenas ocupa a vaga do filme inglês do ano. Um sonho possível e Um homem sério parecem evocar mesmo a época em que ter muitos indicados era uma norma em Hollywood. Cada um recebeu apenas mais uma nomeação – o primeiro deve render à atriz Sandra Bullock seu primeiro Oscar. O segundo reafirma o prestígio dos irmãos Coen junto à Academia; fossem outros que assinassem a direção, o filme provavelmente passaria em branco. Mais uma vez, não entendo como um concorrente ao Oscar recebe menos indicações do que um outro filme, que fica de fora da lista final – no caso, o musical Nine, massacrado pela crítica, esquecido até no Globo de Ouro, e que, mesmo assim, defende quatro indicações. (Continua)
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
Oscar 2010 - I
Depois de quase 70 anos, a Academia dobrou o número de indicados ao Oscar de melhor filme. Na cerimônia de entrega do prêmio, a se realizar em 7 de março, dez produções concorrerão pela láurea máxima do cinema. A justificativa para a inflação de candidatos foi a alta qualidade do cinema produzido hoje em Hollywood. Mas basta uma rápida análise dos nomeados para constatar que não é bem assim. Na verdade, tal decisão parece estar muito mais atrelada às pressões dos grandes estúdios, que assim podem emplacar suas obras e faturar mais com o simples chamariz de “filme indicado ao Oscar”. A diferença entre o que se faz hoje e o que se fazia naquele tempo é tão grande quanto a distância que separa o mundo dos humanos de Pandora.
Entre o final da década de 30 e o começo da de 40, era comum que dez filmes disputassem o prêmio. Porém, naquela época sim, podíamos falar de alto nível das produções. Apenas para ficarmos naquele que é considerado por muitos como o ano mais fértil da história do cinema, veja alguns filmes indicados à categoria principal em 1940: E o vento levou..., O mágico de Oz, No tempo das diligências, Adeus Mr. Chips, Ninotchka... Por uma década, a Academia manteve o número de dez indicados, sempre confrontando obras como As vinhas da ira, Núpcias de escândalo, O grande ditador (1941), Cidadão Kane, Sargento York, Como era verde o meu vale (1943), Casablanca, Consciências mortas, Nosso barco, nossa alma (1944) – a partir de 1945, o número de indicados estabilizou-se em cinco.
A lista de nomeados este ano, contudo, pode ser vista como a mais eclética de todos os tempos. Há espaço para aventuras fantásticas, comédias de costumes, dramas humanistas, animações e até uma ficção científica sul-africana, caso inédito na história do prêmio. Todos os prognósticos apontam para a vitória do monumental Avatar, de James Cameron, o “rei do mundo” desde os tempos de Titanic, que, contudo, não conseguirá repetir os feitos alcançados com seu sucesso anterior, mesmo porque sua superprodução atual recebeu menos indicações – 9 contra 14 daquela. O filme já se consolidou como a maior bilheteria de todos os tempos, rendendo mais de 1,83 bilhão de dólares em todo o mundo, superando a marca anterior, que era de... Titanic. Chega respaldado também pelas inovações tecnológicas introduzidas pelo uso do 3D, que é um sistema antigo de projeção, mas que somente agora, no limiar de um novo século, ganha as ferramentas adequadas para se popularizar, embora o uso daqueles oclinhos seja incômodo pra caramba. O fato é que Avatar está muito longe de ser o grande filme apregoado por vários espectadores, certamente encantados pela ousadia visual, confundindo uma coisa com outra, esquecendo-se do roteiro esquemático, dos personagens rasos e sem sustentação dramática. Mas, além de deu poderio financeiro, o filme já chega como franco favorito também por ter arrebatado o Globo de Ouro, tradicional prévia do Oscar, e que quase sempre serve de termômetro para indicar o grande vencedor da estatueta dourada.
Na cola de Avatar, está Guerra ao terror, curiosamente dirigido por Kathryn Bigelow, ex-esposa de Cameron e apenas a quarta mulher nomeada ao Oscar da categoria. Suas chances de desbancar o ex-marido são grandes; já seu filme, lançado meio na encolha ano passado, colecionou elogios nos últimos tempos e pode surpreender na disputa. No Brasil, teve uma trajetória curiosa: foi lançado primeiro em DVD, porque sua distribuidora, a Imagem, simplesmente não acreditou em seu potencial de mercado. Bastou o burburinho na imprensa norte-americana, e as posteriores 9 indicações ao Oscar, contudo, para que ele ganhasse finalmente as salas exibidoras, nas quais estreou no último dia 5. (Continua)
Entre o final da década de 30 e o começo da de 40, era comum que dez filmes disputassem o prêmio. Porém, naquela época sim, podíamos falar de alto nível das produções. Apenas para ficarmos naquele que é considerado por muitos como o ano mais fértil da história do cinema, veja alguns filmes indicados à categoria principal em 1940: E o vento levou..., O mágico de Oz, No tempo das diligências, Adeus Mr. Chips, Ninotchka... Por uma década, a Academia manteve o número de dez indicados, sempre confrontando obras como As vinhas da ira, Núpcias de escândalo, O grande ditador (1941), Cidadão Kane, Sargento York, Como era verde o meu vale (1943), Casablanca, Consciências mortas, Nosso barco, nossa alma (1944) – a partir de 1945, o número de indicados estabilizou-se em cinco.
A lista de nomeados este ano, contudo, pode ser vista como a mais eclética de todos os tempos. Há espaço para aventuras fantásticas, comédias de costumes, dramas humanistas, animações e até uma ficção científica sul-africana, caso inédito na história do prêmio. Todos os prognósticos apontam para a vitória do monumental Avatar, de James Cameron, o “rei do mundo” desde os tempos de Titanic, que, contudo, não conseguirá repetir os feitos alcançados com seu sucesso anterior, mesmo porque sua superprodução atual recebeu menos indicações – 9 contra 14 daquela. O filme já se consolidou como a maior bilheteria de todos os tempos, rendendo mais de 1,83 bilhão de dólares em todo o mundo, superando a marca anterior, que era de... Titanic. Chega respaldado também pelas inovações tecnológicas introduzidas pelo uso do 3D, que é um sistema antigo de projeção, mas que somente agora, no limiar de um novo século, ganha as ferramentas adequadas para se popularizar, embora o uso daqueles oclinhos seja incômodo pra caramba. O fato é que Avatar está muito longe de ser o grande filme apregoado por vários espectadores, certamente encantados pela ousadia visual, confundindo uma coisa com outra, esquecendo-se do roteiro esquemático, dos personagens rasos e sem sustentação dramática. Mas, além de deu poderio financeiro, o filme já chega como franco favorito também por ter arrebatado o Globo de Ouro, tradicional prévia do Oscar, e que quase sempre serve de termômetro para indicar o grande vencedor da estatueta dourada.
Na cola de Avatar, está Guerra ao terror, curiosamente dirigido por Kathryn Bigelow, ex-esposa de Cameron e apenas a quarta mulher nomeada ao Oscar da categoria. Suas chances de desbancar o ex-marido são grandes; já seu filme, lançado meio na encolha ano passado, colecionou elogios nos últimos tempos e pode surpreender na disputa. No Brasil, teve uma trajetória curiosa: foi lançado primeiro em DVD, porque sua distribuidora, a Imagem, simplesmente não acreditou em seu potencial de mercado. Bastou o burburinho na imprensa norte-americana, e as posteriores 9 indicações ao Oscar, contudo, para que ele ganhasse finalmente as salas exibidoras, nas quais estreou no último dia 5. (Continua)
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
Coisas belas e sujas
Coisas belas e sujas não é uma obra-prima nem um filme que possa mudar sua vida, mas sem dúvida vai gerar muita discussão pela natureza do tema tratado.
O nigeriano Okwe (Chiwetel Ejiofor, bom paca) trabalha como recepcionista em um hotel de Londres. Ele está em situação ilegal no país, assim como sua namorada, a camareira turca Senay (a gracinha Audrey Tautou, de O fabuloso destino de Amelie Poulain). Um dia, Okwe descobre algo terrível em um dos quartos do hotel e percebe que algo de muito estranho está acontecendo por ali. Suas suspeitas indicam para Juan Sneaky (Sergi Lopez, de Uma relação pornográfica), o subgerente do hotel. Junto a Senay, e com a ajuda do porteiro, de uma prostituta e de um amigo que trabalha no necrotério da cidade, Okwe parte para desvendar o mistério e salvar sua vida e a de seus amigos.
Dirigido com segurança pelo inglês Stephen Frears (Ligações perigosas, Os imorais, Minha adorável lavanderia), o filme trata de um tema atual e polêmico: o comércio de órgãos humanos nas grandes cidades, realizado clandestinamente. Aliás, todas as ações dos personagens se dão no mesmo nível. Okwe e seus amigos parecem viver à sombra, agindo nos subterrâneos, fundindo-se à sua irregularidade; é como se habitassem um mundo à parte (suas situações de ilegalidade) dentro de um mundo à parte (o hotel, com sua divisão de classes, patrões e empregados). A realidade comentada pelo roteiro ganha em dramaticidade pelo apelo cruel que envolve a situação.
O roteiro não apela para a sanguinolência, embora haja cenas desagradáveis (como uma logo no começo, que deflagra toda a trama) e equilibra bem o suspense e o drama, com alguns momentos de bom humor para aliviar a tensão (o porteiro e a prostituta, interpretada por Sophie Okonedo, são muito engraçados). Uma grande cena é quando Okwe interpela Sneaky sobre as descobertas que fez e este lhe revela todo o esquema (e quando o título do filme é justificado).
O filme foi indicado ao Oscar de Roteiro Original em 2003 e passou voando pelo circuito carioca. Merece ser descoberto.
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