quinta-feira, 30 de abril de 2015

Dez tons de BDSM nas telas

Talvez impulsionado pelo sucesso mundial da adaptação para as telas de Cinqüenta tons de cinza, o jornal britânico The Guardian publicou em seu site, há algumas semanas, uma curiosa lista dos dez melhores filmes que têm o BDSM como tema. Já natualmente restritiva, a relação preferiu destacar os títulos mais comerciais e conhecidos do grande público, excluindo outros mais alternativos que tratam do mesmo assunto. Ficaram de fora, por exemplo, Bettie Page (2005) e A imagem (1975), bem como qualquer filme japonês estrelado pela Christina Lindberg nos anos 70. Embora interessante, portanto, a lista privilegiou o aspecto menos escandaloso e mais popular do tema.

Eis a relação dos dez mais, em ordem cronológica.

A BELA DA TARDE (1967) - Talvez o único da lista que mereça ser considerado um clássico de fato, freqüentemente citado como um dos grandes filmes de todos os tempos e apontado por muitos como a melhor obra de Luís Buñuel. De tão conhecida, a história já virou até letra de música do Alceu Valença. Uma esposa reprimida no casamento se liberta sexualmente ao começar a freqüentar um prostíbulo, toda tarde. Catherine Deneuve, no auge da beleza, já abre o filme em uma cena de bondage.

O PORTEIRO DA NOITE (1974) - Em 1957, uma sobrevivente do regime nazista se hospeda em um hotel de Berlim e descobre que seu antigo torturador agora trabalha como porteiro do local. Tem início uma relação profundamente perturbada, pontilhada de ressentimentos e pequenas vinganças pessoais. O filme mais famoso da diretora Liliana Cavani se desenvolve em clima pesado e soturno para contar uma história de amor torto e doentio. Intensos desempenhos de Dirk Bogarde e Charlotte Rampling.

MAITRESSE (1975) - Acabou de sair em DVD este drama erótico dirigido na França pelo iraniano Barbet Schroeder. Um ladrãozinho barato (Gérard Depardieu) invade a casa de uma dominatrix (a suíça Bulle Ogier), se apaixona por ela e tenta tirá-la dessa vida. Ela reluta... será que o amor é mais forte que uma chicotada? Roteiro sério trata o fetiche com respeito, mostrando que uma domme pode ter uma vida tão comum quanto qualquer dona de casa. Atenção: há uma aflitiva cena de tortura genital que pode causar desmaios no mais macho dos espectadores.

NOVE E MEIA SEMANAS DE AMOR (1986) - O filme que fez de Kim Basinger o maior símbolo sexual dos anos 80, que a lançou à fama, embora pelos motivos tortos; ela teve de esperar 12 anos para ser reconhecida pelos seus dotes interpretativos ao ganhar o Oscar de Atriz Coadjuvante por Los Angeles Cidade proibida. Foi também a confirmação do talento visual do diretor Adrian Lyne, que manteve uma sobrevida no cinema até 2002, quando assinou Infidelidade e depois se retirou, desgostoso com tantas críticas negativas que vinha recebendo. Basinger e Mickey Rourke formam um casal de muita química na tela, e protagonizam uma cena que se tornou antológica, com os ingredientes da geladeira.

CRASH  ESTRANHOS PRAZERES (1996) - Polêmico à época de seu lançamento, foi uma das últimas excentricidades dirigidas por David Cronemberg antes de trilhar um caminho diferente na carreira que, mesmo assim, lhe renderia mais um título na lista (veja adiante). Adaptação literal do romance de J. G. Ballard sobre pessoas que se excitam sexualmente com acidentes de trânsito e suas conseqüências físicas.

CLUBE DO FETICHE (1997) - Provavelmente o menos conhecido da lista, até por nunca ter saído em DVD por aqui, esta comédia erótica mostra os dramas pessoais e cotidianos de uma dominatrix profissional, tendo como pano de fundo os bastidores de um clube erótico freqüentado por fetichistas de diversas naturezas. Guinevere Turner, que faz a protagonista, é até hoje uma figura bastante conhecida do universo BDSM de Londres.

A PROFESSORA DE PIANO (2001) - Outra provocação do sempre inquieto Michael Haneke, adaptando romance de Elfriede Jelinek (ganhadora do Nobel de Literatura em 2004), publicado aqui pela Tordesilhas como A pianista. Mais uma grande atuação de Isabelle Huppert, que vive a perturbada instrutora do título, uma mulher fatiada entre seus desejos e obsessões e que descarrega em seus inocentes alunos toda sua angústia sexual.

SECRETÁRIA (2002) - Antes de Christian Grey arrancar suspiros das platéias femininas mundo afora, já houve um homônimo que alcançava o mesmo resultado, e de forma bem mais eficaz. Uma jovem consegue emprego de secretária de um bem-sucedido advogado, Mr. Grey, e, ao descobrir que ele tem uma natureza dominadora, se deixa seduzir pelo novo mundo, tornando-se sua escrava. Mais romance e menos sensacionalismo sadomasoquista espalhado em um roteiro que trata o fetiche de forma séria e adulta. Visto hoje, o filme acabou ganhando uma piada inevitável para os fãs da série The blacklist por conta de presença de James Spader: o passado de Raymond Reddington, quem diria, guarda um segredo sexual obscuro! Será que a inocente Lee Holloway (Maggie Gyllenhaal) foi a "procurada nº 1"?

UM MÉTODO PERIGOSO (2012) - A trama acompanha a complexa relação entre os pais da psicanálise Sigmund Freud e Carl Jung e uma das primeiras mulheres psicanalistas da história, Sabina Spielrain. Um triângulo amoroso com direito a desejos pervertidos conduzido com sobriedade e frieza por David Cronemberg, aqui já liberto da fama de diretor maluquinho e maldito.

A PELE DE VÊNUS (2014) - Ainda inédito no Brasil, o último filme de Roman Polanski é uma competente adaptação de um clássico da literatura erótica, A vênus das peles. Trancados em um teatro após uma sessão de ensaio, diretor e atriz principal de uma peça discutem sobre diversos assuntos, invertendo os papéis sociais e sexuais que lhes são normalmente conferidos. Um duelo de interpretações entre Mathieu Amalric e Emanuelle Seigner.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Minha noiva é um horror!

A noiva do Re-animator (1989)
Há muito tempo escrevi sobre um filme, Meu namorado é de morte. Resumindo: quando o vi pela primeira vez, achei engraçadíssimo, original, inventivo, a ponto de incluí-lo na minha lista de dez melhores surpresas de todos os tempos. Depois que o revi, muitos anos depois (inclusive com outro título, Namorado gelado, coração quente!), não resistiu e o encanto se perdeu. Achei-o bobinho, até um pouco grosseiro, com poucas boas idéias originais e uma trama fraquinha. Parece que, com exceção mesmo dos clássicos inquestionáveis, nenhum filme suporta uma revisão mais criteriosa, especialmente se amadurecemos nossas experiências cinéfilas e aprendemos a diferenciar o joio do trigo.

Este A noiva do re-animator foi descoberto, inicialmente, nas páginas do Guia Abril Vídeo 1992. A crítica não era lá muito simpática, conferindo-lhe apenas duas estrelas, ou seja, algo na linha "veja se não tiver nada melhor para fazer", afastando-o de um interesse ao menos mediano que justificasse uma locação. Mas fiquei muito atraído pelo comentário, que realçava certas qualidades discutíveis da obra: "Um dos espetáculos mais sangrentos e horríveis que se pode ver"; "um verdadeiro açougue humano"; "prato cheio para fãs do gênero"; "repelente para quem não gosta". Passei um bom tempo esperando para conferi-lo, já que a locadora não dispunha do título e repito, isso foi no começo da década de 90, quando não havia internet, Youtube e muito menos compartilhamento de arquivos pela rede. Fui salvo pelo SBT, que o programou para uma noite de quarta-feira. Como na época também não era comum o futebol-corujão nesse dia da semana, postei-me diante da televisão e saboreei cada minuto de mais uma missão cinéfila alcançada.

Criatura e criador: amor irracional.
Lembro que na ocasião, discordei da crítica. Gostei bastante, achei um filme assustador, com cenas chocantes e tensão crescente. O citado "espetáculo sangrento" se justificava pelos momentos mais perturbadores, também destacados naquele breve comentário. Acabou ingressando em outra relação minha, a de cult movies particulares. Pois bem, fui revê-lo no último final de semana, quando, ironicamente, não tinha nada melhor para fazer (ou ver) e fui novamente atingido pelos cruéis efeitos da passagem do tempo. Não o excluo da lista na qual já estava inscrito, mas o que me pareceu aterrador da primeira vez, hoje, me levou às gargalhadas. Mau sinal, aliás, péssimo. Ao mesmo tempo em que denota a fragilidade de uma obra, serve como prova cabal de como nos tornamos ácidos com o tempo, como nada sobrevive à inocência da primeira vez.

O filme é uma continuação de A hora dos mortos-vivos (1985, Reanimator no original), e começa onde o primeiro terminou. Após um violento massacre ocorrido em uma missão humanitária no Peru, os médicos e cientistas Dan Cain (Bruce Abbott, que tem mesmo cara de maluco) e Herbert West (Jeffrey Combs, um pouco mais humano) retornam à sua rotina no Miskatonic Hospital, enquanto, secretamente, roubam cadáveres para prosseguirem em suas tentativas de criar vida artificial. O projeto agora é reviver a falecida esposa de West, Meg, o que embute uma homenagem ao clássico A noiva de Frankenstein (1935), de James Whale repare no penteado e no gestual da criatura, Gloria, interpretada por Kathleen Kinmont. Logicamente, até que o resultado final seja alcançado, coisas horríveis ou risíveis, dependendo de quem assiste acontecerão.

Você acha que seu filho gostaria de brincar com isso?
As "atrações" citadas pelo Guia mais divertem do que assustam, com exceção dos três loucos, que mantiveram sua aura agonizante. Os "cinco dedos que andam pela casa com um olho em cima" mais parecem uma aranha saída de um desenho de Chuck Jones; eles aparecem quando os doutores recebem a visita do investigador e as tentativas dos dois para que o policial não perceba sua existência são hilárias, além de ter um desfecho condizente com o clima. A cabeça falante que depois ganha asas de morcego nas orelhas podia ser uma criativa fantasia de carnaval.

Hoje me aborreço com o ritmo algo lento da narrativa, mas o clima permanece lúgubre, o que salva o filme de ser um trash total. É verdade que A noiva do re-animator perdeu o viço com o passar dos anos, deixando de ser a história apavorante que se pretendia na época de seu lançamento (se é que houve tal intenção), mas, em contrapartida, conseguiu se firmar como uma descompromissada sessão de terror a ser vista entre amigos, com sustos e gargalhadas na medida certa. O tempo não poupa ninguém.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Beleza italiana

As maravilhas (2014)
Aguardado com grande expectativa no último Festival do Rio, As maravilhas acabou tendo sua exibição cancelada e restrita à Mostra de SP, para garantir o ineditismo de seu lançamento em terras brasileiras, uma disputa ridícula criada pelo falecido organizador do evento paulista, Leon Cakoff, e perpetuado pela viúva Renata Almeida, na qual quem sai perdendo são os cinéfilos. O tamanho da frustração foi proporcional à ansiedade do público, que, no entanto, já pode conferir a obra nos cinemas, onde entrou em cartaz nesta quinta-feira. Não é um filme fácil. Contudo, o espectador que se dispuser a embarcar no jogo de simbolismos proposto pela diretora Alice Rohrwacher (também roteirista e irmã mais nova da atriz Alba Rohrwacher) será plenamente recompensado.

A história se passa na zona rural da Itália, que mais se assemelha a um vilarejo fantasma, tal o isolamento em que vive aquela que parece ser a única família que ainda habita o local, formada pelo apicultor Wolfgang, sua esposa reprimida Angelica  e as quatro filhas, das quais a mais velha, Gelsomina, guarda para si a responsabilidade de cuidar das irmãs menores e dos afazeres domésticos mais pesados. O pai comanda o núcleo familiar com mão de ferro, sempre rígido em suas determinações, pouco afeito a qualquer tipo de carinho (não há um único momento de ternura entre ele e qualquer uma das mulheres que orbitam em seu universo). É um provedor no sentido mais tradicional e anacrônico da palavra. Evidentemente, o mundo conhecido e habitado pela família não é simpático e caminha rumo à demência, condenado ao desaparecimento inapelável, pela absoluta ausência de forças externas que injetem um mínimo de vida, mas é salvo da extinção graças ao acaso.

Gelsomina terá uma longa estrada da vida pela frente.
Um dia, em um dos raros momentos de lazer, à beira de um rio, uma das filhas descobre que está sendo gravado um programa de televisão ali perto, chamado "O país das maravilhas", espécie de reality show calcado nas antigas civilizações italianas que distribuirá prêmios em dinheiro para o vencedor. É a chance de escaparem da modorra e furarem a bolha em que estão encerradas. Paralelamente, a chegada de um menino alemão, que integra um programa social de reabilitação, promoverá ainda mais mudanças na estrutura engessada daquela família.

Visto com olhos desatentos, As maravilhas pode ser entendido apenas como uma coleção de cenas justapostas, interligando uma sucessão de acontecimentos aparentemente desinteressantes e carentes de um sentido maior que lhe confira unidade. No entanto, por baixo dessa superfície, há uma poderosa camada crítica, que discute temas complicados e condena de forma contundente certo imobilismo na construção de uma sociedade enclausurada pelo arcaísmo de suas tradições caducas.

O ritual da extração do mel, por exemplo, se transforma na glorificação de um patriarcalismo ancestral e ultrapassado: o produto das abelhas não é só o sustento da casa, mas, literalmente, é a seiva da vida, o próprio sêmen masculino, sem o qual toda a estrutura familiar desabaria. Conscientes ou não, as meninas têm noção de sua importância, e o desespero que se estampa na expressão de cada uma diante de uma cena de grande desperdício, amplificado pela palpável ameaça física – "Papai vai nos matar!" – denota o papel ocupado pelas mulheres naquele cenário. Neste sentido, o filme apresenta um discurso feminista muito poderoso, valendo-se da inteligência e da sutileza para dar o seu recado, coisa que as patetas integrantes do grupo Femen até hoje não entenderam.

O mundo real vem aí! Salvem o mundo real!
É um mundo de isolamento, estratificado pela permanência de uma situação estabelecida – a subserviência de uma "raça" sobre a outra – mas que anseia por mudanças, mesmo que seus gritos sejam pálidos, insistentemente repetidos, ameaças que não se concretizam ("Vou me divorciar! Vou me separar de você!"), não porque falte vontade, mas pela fragilidade que sustenta as personagens individualmente. Um mundo à parte do mundo real, que segue suas próprias regras mas entra em conflito quando se entrechoca com outras formas de vida. Assim, o menino alemão que é atirado no meio daquela família psicologicamente disfuncional assume, mesmo a contragosto, mesmo sem consciência, a função de uma válvula de escape: é o desabrochar sexual, que virá primeiro de maneira leve, delicada, por fim irrompendo em uma cena de forte impacto visual e simbólica na trama. Nele estão os novos dias. Nele está o novo tempo.

Também essa ambiência do estranhamento se sublinha no "espetáculo" apresentado pela pequena Caterina, que expele abelhas da boca com a naturalidade de um aceno, ignorando os olhares de espanto lançados pela platéia. Um momento de choque para a "vida real" que segue seu curso, mas perfeitamente normal para a família, que não percebe seu deslocamento e sua inadequação do estar-no-mundo.

As maravilhas é um filme tão intenso e tão repleto de metáforas e interpretações que fica difícil resumi-lo simplesmente de uma assentada. Precisa e merece ser visto mais de uma vez. Porém, justifica plenamente seu título, tanto do ponto de vista estético quanto pelo conteúdo, por vezes perturbador. Foi ovacionado durante 10 minutos no Festival de Cannes em 2014, do qual saiu com o Grande Prêmio do Júri. Arrebatador e, desde já, um dos melhores filmes do ano.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Pela pátria

Segurança nacional (2010)
Em uma das entrevistas apresentadas nos extras do DVD, o protagonista Thiago Lacerda assim define o filme: "Segurança nacional é um filme de ação feito de brasileiros para brasileiros". Mesmo verdadeira e autêntica, a frase acaba funcionando como uma piada pronta, porque algum gaiato pode dizer: "É por isso que não presta!". Mas a verdade é que essa produção precisa ser vista com certo afastamento crítico para ser melhor aproveitada.

Quando foi lançado nos cinemas, em 2010, Segurança nacional foi inapelavelmente demolido pela crítica especializada, que lhe apontou os mais variados defeitos, desde o roteiro absurdo e inverossímil até as cenas de ação fracas e constrangedoras. Deixei para ver o filme agora, e se não estamos diante de uma obra-prima do cinema nacional, tampouco ele pode ser classificado como um desastre completo. Há coisas muito mais canhestras no cinema tupiniquim do que essa tentativa de se fazer uma fita de gênero no país, algo raro, complicado (até pela dificuldade de distribuição e aceitação junto ao público) e, por outro lado, de uma iniciativa extremamente bem-vinda para renovação e oxigenação do nosso cinema.

Hoje é praticamente impossível competir com as comédias em termos de popularidade e possibilidade de renda, o que gera quase um abismo que só vem aumentando nos últimos anos, tanto que raramente um filme de outro gênero (geralmente um drama ou uma biografia musical) consegue furar o bloqueio e entrar no seletíssimo grupo dos campeões de bilheteria, e nem estou falando da casa dos milhões, porque isso restringiria ainda mais o panorama. Tão popular quanto as comédias na preferência cinéfila dos brasileiros, contudo, o cinema de aventura, ou de ação, como preferem alguns, já teve por aqui um porto seguro, rendendo oceanos de dinheiro com produções estreladas por astros que se tornaram quase íntimos do espectador médio. Falo de Bruce Willis, Stallone, Van Damme, Arnoldão antes da política etc. Ou seja, um cenário que se anunciava bastante promissor para quem quisesse se arriscar a pensar fora da moviola e fazer algo diferente. Afinal, com poucas variações culturais ou cenográficas, filmes de ação costumam ser iguais em qualquer lugar do mundo, desde que, é claro, não se exija a excelência técnica à qual Hollywood nos acostumou e que não tem como ser reproduzida em outas paragens. Pensamento análogo: os fãs desse tipo de filme não se importam com sua origem, então, por que não fazermos aqui também? A bilheteria é garantida!

Tenente Marcos Rocha: um herói de seu povo.
Foi talvez seguindo esse raciocínio que o jovem diretor Roberto Carminati, então apenas um estudante de cinema, fã confesso desse tipo de filme, resolveu se arriscar em sua segunda experiência na Sétima Arte – estreou com o desconhecido A fronteira (2003), rodado nos Estados Unidos. Ele mesmo escreveu o roteiro, garimpou o elenco e ousou imaginar uma trama por vezes rocambolesca. Após a aprovação da Lei do Abate, em 2004, que permite ao governo brasileiro derrubar aeronaves estrangeiras que invadam o espaço aéreo nacional sem autorização, Hector Gasca, o mais temido narcotraficante colombiano, irritado por não conseguir mais lucrar com o movimento de suas atividades por aqui, resolve se vingar promovendo atos terroristas em diversas capitais. Para combatê-lo, é convocado o agente Marcos Rocha, treinado por um órgão federal que quase ninguém sabe que existe, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que presta apoio a operações militares.

Sem referências anteriores em que se apoiar, Carminati bebe na fonte dos similares norte-americanos, tanto na ambientação das cenas de luta e perseguição, quanto na construção do universo habitado pelo herói. É como se estivéssemos assistindo a uma produção B rodada em Hollywood, só que falada na nossa língua e estrelada por gente nossa. Claro que há clichês, alguns inevitáveis, como o namoro do agente com a filha de sua supervisora (Ângela Leal), praticamente mantido em sigilo das duas e que só vem à tona muito tempo depois. A garota é interpretada por Viviane Victorette, em sua estréia no cinema, mais como elemento romântico, com pouco a fazer e com direito a uma rápida ceninha de bondage (mas, curiosamente, ela tem bastante espaço nos extras, com a segunda entrevista mais longa). Milton Gonçalves é o presidente negro prenunciado por Monteiro Lobato e Gracindo Júnior, como um deputado corrupto, vive um momento que, hoje, causaria urros da platéia nas salas, quando seu personagem é seqüestrado e ameaçado de morte pelo traficante!

A má recepção do filme por público em geral e crítica em particular deve ter abortado os projetos seguintes de Carminati, que se mostra entusiasmado nos extras, mas sem dúvida esbarrou na dificuldade de se fazer cinema por aqui, adiando ou enterrando os sonhos de uma juventude universitária idealista. Mas, visto hoje e com um olhar mais compreensivo, Segurança nacional nada fica a dever a outras bobagens acéfalas produzidas pelos ianques. Desligue o senso crítico e divirta-se.