quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Uma estrela que se recusa a brilhar


Peço desculpas aos eventuais leitores desse espaço, mas hoje não vou escrever nem sobre cinema, nem sobre literatura. Vou abordar uma das tais outras delícias viciantes que definem o conteúdo do blog. Apesar de que, na essência, o assunto se assemelha a um filme de horror.

No último dia 22, o Botafogo venceu o Palmeiras por 3x1 no jogo de volta da fase classificatória da Copa Sul-Americana, mas foi eliminado por causa do critério utilizado na competição, semelhante ao da Copa do Brasil. Como perdeu a primeira partida por 0x2 em Barueri, 15 dias antes, o Alvinegro precisava marcar três gols e não sofrer nenhum para seguir adiante. Como o Palmeiras marcou um gol na casa do adversário, isso pesou no somatório das duas partidas, que terminaram em 3x3. O “alviverde imponente” se manteve na disputa e o Glorioso ficou no começo do caminho (nem chegou ao meio). O time saiu de campo aplaudido por seu espírito de luta, garra e vontade demonstrados ao longo dos 90 minutos. Essa entrega na busca por um resultado satisfatório era o mínimo que se podia esperar. Mas houve outro aspecto que chamou atenção naquela partida.

Ser eliminado de uma competição mesmo com uma vitória é raro, mas acontece em competições dessa natureza, de tiro curto. No entanto, causou muita estranheza à imprensa em geral o público minúsculo que acompanhou o jogo no Estádio Engenhão. Apenas 2.434 almas, a maioria botafoguense, pagaram ingresso para ver um jogo decisivo para o clube do Rio. Afinal, era tudo ou nada, e a missão, embora reconhecidamente complicada, não era impossível para o Botafogo. Considerando que a capacidade do Engenhão é de 45 mil lugares, estava praticamente vazio, um fenômeno que não chega a ser raro, sobretudo em jogos do próprio Botafogo, que administra o local desde sua inauguração, em 2007, o que já levou adversários a apelidarem o estádio de “Vazião” ou “Enchenão”. No dia seguinte, um jornalista da ESPN questionou se houvesse um apoio maior da torcida, coisa de 30 mil pagantes, se a sorte do Botafogo teria sido melhor, se o time, contando com o incentivo de mais torcedores, não teria chegado ao (àquela altura) quarto gol, que lhe daria a vaga na fase seguinte. Mas quem definiu de forma clara e simples a situação foi o comentarista Eraldo Leite, da Rádio Globo, que vaticinou: “O pouco público é um reflexo imediato da falta de confiança que o time do Botafogo passa a sua torcida”.

E o maior problema é que essa desconfiança foi sendo germinada ao longo dos últimos anos. Várias vezes nesse período o Botafogo teve a chance de figurar entre os grandes, que é seu lugar, afinal de contas, sustentando a ponta de uma tabela, conquistando títulos, superando adversários reconhecidamente inferiores. Nada acontecia, porém, e a cada vez que a torcida enchia o estádio, o time fraquejava e brindava seus simpatizantes com uma amarga dose de incompetência e frustração. De tanto repetir-se a fórmula, chegou-se à descrença absoluta. Hoje, o Botafogo joga para pouco mais de três mil pagantes, em média. Talvez porque, no fundo, os abnegados que compareçam ao estádio sabem que o time não irá longe, não ganhará nada. Só fará figuração.

De minha parte, já desisti de acreditar nesse time. Continuo Botafogo e o serei até o fim, mas fica difícil levar fé em uma equipe que se recusa a provar sua grandeza, que consegue ficar invicta durante um campeonato inteiro – um feito, sem dúvida – e perde justamente os dois jogos finais! Ou seja, ainda “iludiu” a torcida com a expectativa de um título histórico para desfazer o sonho em apenas uma partida. Uma equipe que se mantém entre os quatro primeiros do campeonato nacional por quase todas as rodadas, mas na derradeira, na hora de definir os classificados a uma vaga na principal competição continental, fraqueja e deixa a última vaga escorrer pelos dedos, por pura incompetência, perdendo seis jogos em sete disputados, marca tão vexatória que nem os times que terminaram rebaixados conseguiram atingir. Só vou citar esses dois exemplos (há inúmeros outros), que bastam para demonstrar o quanto essa estrela vem perdendo o brilho.

Para aumentar a desconfiança da torcida, o time agora sofre com a falta de um centroavante. A diretoria teve a inteligência de vender os dois titulares do ataque e ídolos da torcida – Herrera e Loco Abreu – sem contratar ninguém para ocupar as posições, tanto no campo quanto no coração dos torcedores. Assim, com Elkeson improvisado e torto no comando do ataque, o time perde ainda mais seu poder de fogo, que já não era mesmo grande coisa. Depois ninguém entende porque o Engenhão fica vazio. É a estrela que vai se ofuscando cada vez mais.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Conflitos internos


Tenho uma regra: só aceito rever um filme depois de passado pelo menos um ano. No caso de filmes aos quais classifiquei com quatro ou cinco estrelas, o intervalo se amplia para de cinco a dez anos. É para dar tempo de a história “assentar”, deixar que descanse em algum canto da memória. Isso serve para que as qualidades de tal filme, que me levaram a qualificá-lo como uma obra-prima, se fortaleçam. Muitas vezes é quase como se fosse um filme inédito, já que nossa experiência cinéfila (e também de vida) é maior. Descobrimos mais detalhes, concedemos outras interpretações... A primeira vez seria a do impacto; a segunda, a da reflexão, da percepção, da maturação de um filme em sua excelência. Revi Zona de conflito agora, nove anos após tê-lo visto pela primeira vez. E todas as qualidades que vi nele na época se realçaram.

Dramas familiares existem aos montes, mas poucos conseguem ser tão dilacerantes quanto este, de 1998, que marcou a estréia na direção do ator Tim Roth. Apesar do ótimo resultado e da repercussão positiva – chegou a ser indicado ao prêmio de melhor diretor no Festival de Filmes Britânicos Independentes – , ele nunca mais se aventurou atrás das câmeras. Pena, porque mostra aqui potencial, segurança e refinamento na condução da história.

Ao se mudar com a família de Londres para Devon, o tímido adolescente Tom se torna ainda mais retraído, sem a companhia de seus amigos. Sua mãe está grávida, o pai trata a todos com rigidez, mas também com afeto, e sua irmã mais velha o acolhe nos momentos difíceis. Um dia, voltando das compras, Tom testemunha um fato terrível, que o lançará em um mundo de incertezas. Contém sua revolta, até que chega um dia em que não será mais possível guardar tanta dor. Sua angústia se transforma em ação e explode em uma cena de forte impacto visual.

Com meia hora de filme o grande segredo da trama se apresenta ao espectador. Mesmo assim, prefiro não revelá-lo. A partir daí, assiste-se a um lento e doloroso estudo sobre a culpa. É um rito de passagem dos mais escabrosos, pontuado pela fotografia que valoriza as belíssimas locações externas e por um ritmo contemplativo, lembrando por vezes os dramas existenciais de Bergman.

Roth extrai o máximo de seu elenco. Tilda Swinton dispensa apresentações e muitos anos antes de se mudar para Hollywood já era a atriz de fartos recursos dramáticos que hoje o grande público conhece. Ray Walstone confere amedrontadora veracidade à figura do pai ambíguo. Também construiu carreira sólida nos Estados Unidos (Sexy beast, A proposta, recentemente em A invenção de Hugo Cabret, entre muitos outros). Ironicamente, o casal de filhos, interpretados por dois estreantes no cinema, parece ter sido mesmo vítima de maldição familiar, já que nenhum dos dois fez nada de relevante depois. Freddie Cunliffe, que faz o atormentado adolescente, limitou-se a curtas e telefilmes sem importância, empacando a carreira em 2008. A bela Lara Belmont ainda se arriscou em Hollywood com o fraco terror O jogo dos espíritos, de 2001, mas também não alcançou o estrelato que se esperava. Ainda na ativa, igualmente se limitou a produções menores (séries, curtas). Ambos transmitem, apenas com o olhar e expressões faciais, toda a complexa rede de desespero e dor silenciosa que seus jovens personagens experimentam. São grandes trabalhos de composição. Curiosidade: Colin Farrell, bem novinho, faz uma ponta (nos créditos finais, assina com um "J." entre seus dois nomes).

O título original, “The war zone”, o mesmo do romance de Alexander Stuart, não publicado no Brasil, em que o roteiro se baseia, faz crer que se trata de um drama de guerra. Mas, na verdade, a guerra maior e mais sofrida é travada mesmo dentro de casa. Com feridas incuráveis. Um filme obrigatório, para ser conhecido ou redescoberto. Inclusive pelas distribuidoras, que despejam tanta besteira nas locadoras, mas nunca se tocaram de lançar este aqui em DVD.

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A partir dessa semana, as postagens aqui no CineComFritas serão feitas apenas às quintas-feiras. É para dar mais visibilidade a alguns textos, que antes ficavam "espremidos" no final de semana. Porém, na época do Festival do Rio (28 de setembro a 11 de outubro), as postagens podem voltar a ser diárias, ou quase.

domingo, 19 de agosto de 2012

Marilyn


Marilyn. A simples pronúncia deste nome já evoca um turbilhão de emoções para os cinéfilos. Descobri Marilyn há muitos anos, ao assistir a uma reprise dublada de O pecado mora ao lado, em uma madrugada perdida na TV aberta – sim, antigamente os canais abertos exibiam filmes clássicos e antigos. Até hoje não sei o que mais me encantou: se o roteiro bem estruturado, se a beleza de Marilyn, se a simples oportunidade de tomar contato com um ícone da Sétima Arte, aí incluindo a famosa cena do vestido esvoaçante. O fato é que Marilyn entrou na minha vida para não mais sair.

No último dia 5, o mundo relembrou os 50 anos da morte de Marilyn, um acontecimento ainda hoje envolto em mistério – nunca se descobriu, e provavelmente jamais se descobrirá, se foi suicídio motivado por depressão ou assassinato como queima de arquivo. Nada escrevi aqui porque quis fugir do óbvio, uma vez que praticamente todos os blogs de cinema abordaram o assunto. E eu detesto o óbvio. É claro que não me esqueci da data, e a homenagem que hoje faço é a que considero a mais adequada a um símbolo inconteste do cinema e exemplo de estrela de primeira grandeza do panteão de figuras refulgentes do firmamento hollywoodiano: apenas fotos e imagens de Marilyn. Não precisa mais nada para louvarmos sua memória.












quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Divertido por inteiro


Nem só de caviar vive o homem, como vaticinou J. M. Simmel no título de um de seus mais famosos livros. E tal máxima se aplica também aos cinéfilos. Ao contrário do que muitos podem pensar, não são só clássicos e produções independentes que fazem a nossa cabeça. Eu, pelo menos, adoro um bom trash (desculpem a contradição). Quando feitos sem pretensão alguma que não a diversão, são excelentes para curtir em turma, com pipoca e gritaria. Ou para se ver sozinho com aquele sorrisão na cara. Foi assim, com o cérebro desligado e expectativa zero, que assisti ao horrendo Sharktopus, uma das piores coisas que já vi. E também uma das mais engraçadas no gênero.

O que você espera de um filme chamado Sharktopus? No mínimo, bizarro. A dúvida é saber o que é mais bizarro, se o roteiro, as atuações ou o próprio bicho, que parece ter sido concebido por uma criança de imaginação muito fértil (como eu mesmo fui). Nesse sentido, a fita já recebe, logo de cara, um selo de qualidade. Quem assina a produção é Roger Corman (e poderia ser outro?), o papa do trash, o Midas do cinema B, que já nos legou filminhos tão descartáveis quanto divertidos ao longo da história (A loja dos horrores, Mercenários das galáxias, A mulher vespa). Seu último exercício na direção foi com Frankenstein, o monstro das trevas, de 1990, e dedicou-se desde então a produzir títulos igualmente ridículos, função pela qual já acumula 400 créditos. Aqui ele divide a láurea com sua esposa Julie e ainda faz uma ponta como o velho que pega um medalhão na areia após presenciar o ataque do bicho. O “bom” resultado que vemos na tela é muito fruto do talento do casal, que sabe tudo de cinema barato e caprichou para que a história tivesse um mínimo de competência.

A sinopse é batida. Em um paradisíaco balneário mexicano, surge uma estranhíssima criatura, metade tubarão, metade polvo, que ataca os banhistas e leva o pânico ao lugar. Na verdade, o bicho é uma experiência genética militar que saiu de controle. A filha do cientista responsável pela coisa se junta a um mercenário caçador de recompensas e partem para destruí-la. Uma jornalista intrometida se junta a eles em busca de um furo de reportagem. É claro que o bicho é morto no final e contar isso não estraga em nada o prazer de assistir à fita – desde que, claro, o espectador curta filme trash e não se importe de dar boas risadas sem culpa.

O que assusta mesmo no filme é ver onde foi parar a carreira de Eric Roberts, o irmão menos talentoso e bonito de Julia. Ele nunca foi grande coisa e jamais deu indícios de que se tornaria astro, mas poderia ao menos envelhecer com dignidade, fazendo fitinhas mais decentes. O mais bacana é ver as atrizes interessantes que costumam ser uma atração à parte no universo trash. A protagonista é uma tailandesa bem bonita, Sara Malakul Lane, 29 anos (parece menos), que estreou em Resgate sem limites, com Steven Seagal. Ela é coadjuvada pela repórter, interpretada por Liv Boughn, que faz questão de improvisar um figurino provocante logo na primeira cena e assim permanece o tempo todo. E há ainda Shandi Finnessey, uma lourinha que trabalha como assistente de uma rádio que funciona em um barco no meio do mar (sic), usando apenas um biquíni (sic) (sic). Tudo sem o menor sentido, como também a personagem, que some da história, mas volta no que parece uma espécie de continuação, Piranhaconda (isso mesmo!), igualmente produzida por Corman e com outro astro decadente no elenco, Michael Madsen.

Houve um tempo, lá por meados dos anos 2000, em que as locadoras foram bombardeadas regularmente com uma leva de produções supostamente de terror, todas com títulos e capas parecidos: Sharkman, Larvaman, Mosquitoman e outros “thingman” que os produtores conseguissem imaginar. Nunca me animei a ver nenhum, tinha horror só de olhar para a capa, mas imaginava que os adolescentes consumissem vorazmente aquele tipo de coisa. Afinal, se são produzidos, é porque há quem os assista. Parece que a moda voltou, agora trazendo aberrações animais genéticas. É a prova de que cinema é mesmo a maior diversão.

Há vários trailers na rede. Este não é o oficial, mas é mais engraçado.



segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Revisão é a meta


Quando assistimos a um filme, ou a uma peça de teatro, ou simplesmente quando abrimos um livro para ler, não fazemos idéia do trabalho imenso que há por trás dessas manifestações culturais. A nós, público cativo de tais artes, interessa apenas a fruição do momento, o prazer de vivenciar uma experiência audiovisual única, que pode ser boa ou frustrante, porém, de qualquer forma, irá se perenizar no nosso tempo particular. A verdade é que, para que possamos estar ali, nos divertindo e instruindo, muito trabalho houve até que o produto final nos fosse entregue sem problemas.

Fiquemos apenas no campo da literatura, nosso elemento. Responda sinceramente: quantas vezes você, lendo um romance de seu autor preferido, teve a atenção desviada para um erro de grafia, ou uma vírgula fora de lugar, duas palavras empasteladas, enfim, qualquer pequeno erro que tenha interrompido o prazer da leitura? É provável que, neste momento, você tenha pensado: “O revisor deixou passar isso aqui”. E que tenha ido até mais além: “Como ele deixou passar isso? É um erro tão grosseiro! Impossível não ter visto isso.” E é somente então que você, leitor, terá a noção exata de como é espinhosa a nossa função. Somos seres das sombras, sem caninos, sem garras, sem parede nua para nos encostar. O autor é sempre reconhecido; o tradutor constrói uma reputação sólida à medida que consegue driblar as naturais dificuldades idiomáticas da adaptação linguística; o capista pode até ser agraciado com o Jabuti; já o revisor só aparece quando há um erro evidente. O revisor seria uma espécie de goleiro do processo editorial: tão ingrato é seu ofício que em sua área nem grama nasce; no caso, nasceria bem rasteirinha, quase imperceptível, a menos que dela se soltasse um morrinho artilheiro e atrapalhasse o centroavante...

Ao contrário do goleiro, que participa ativamente da partida, o revisor permanece invisível, a não ser que, efetivamente, deixe passar um frango. Ingrata é sua (nossa) tarefa: garantir a qualidade do texto sabendo que não receberemos aplausos. Nunca seremos indicados ao Oscar. Nunca teremos uma avenida com o nome de algum de nossos representantes. Mas, se uma vírgula vadia nos escapa, se um ponto final nos ludibria e foge a nosso controle, então, eis a fama que nos sorri! Mas, amarga e indesejada!

O mercado editorial brasileiro está em expansão em diversos aspectos. Isto é ótimo em todos os sentidos. Com a gradual adoção de novas mídias eletrônicas, passa a haver um acúmulo de novos revisores, jovens recém-formados nas melhores faculdades (e outras nem tanto), ávidos por não só mostrarem serviço na profissão, mas também dispostos a conseguirem o primeiro emprego. Como lhes faltam qualificações e experiência, a opção é começar pelo que seria o degrau mais baixo na escala industrial. No entanto, poucas pessoas querem, ou pretendem, ser revisores a vida toda: esta é a porta de entrada para voos mais altos, talvez um cargo público, ou coisa mais importante a fazer até que se comece a viver. Sinceramente, não consigo entender o ofício da revisão como simples passatempo, ambição menor, “ficada”, enfim, uma atividade a que se cumpre com gélida indiferença, visando apenas a alguns trocados, sem comprometimento, sem paixão, sem alma. Nada há que se possa fazer na vida sem alma, sem sentimento. Menos ainda a revisão.

Quem milita no meio literário deve inflar-se de paixão pelo que faz. É preciso amar a literatura, da mesma forma que é preciso amar a revisão. Não se concebe uma revisão feita de qualquer jeito, sem que, entre o profissional que executa sua tarefa e o texto avaliado, haja uma espécie de ligação, ainda que temporária. Se o autor é legalmente o pai de um texto, o revisor seria uma espécie de tutor, aquele encarregado de “instruir” o texto, corrigi-lo, “mostrar o caminho”, sem evidentemente querer para si a paternidade do infólio. Tal qual a mãe que amamenta seu rebento, o revisor também sorve de vida o material que tem em mãos, fazendo-o crescer, aprimorando-o, com a diferença crucial de que, uma vez adulto, já não o pertencerá mais, será da vida, do mundo, de quem o ler – cabe o frio consolo de que mesmo o autor do texto perderá sobre ele todos os poderes que um dia julgou ter!

Não se trata apenas de realizar um trabalho, cumprir uma obrigação a qual será remunerada posteriormente – e quem o fizer tendo apenas esta finalidade por objetivo certamente estará se iludindo em termos financeiros. Digamos logo: revisão não dá dinheiro. Notoriedade, como dito antes, menos ainda, a não ser quando os erros passam e saltam aos olhos – mas não creio que haja alguém envolvido com o universo da revisão que espere alcançar fama por este sentido.

Evidentemente, qualquer pessoa pode revisar um texto, desde que tenha o conhecimento mínimo necessário que o gabarite para tanto. Mas será que basta saber Português? Já inflacionado pelos formandos dos cursos de Letras, o mercado profissional ainda sofre com a concorrência de representantes de outros setores e a própria desvalorização do revisor autêntico. Vivenciei, certa vez, uma situação à beira do surreal. No local onde trabalhava, estranhava que de determinado setor nunca me viessem textos para correção. Foi quando ouvi um funcionário do tal setor comentar, sem saber que eu escutava:  “... não é preciso mandar para o revisor, nós mesmos podemos fazer isto, todo mundo aqui pode, falamos e sabemos português tão bem quanto ele!”. Ou seja, fui relegado a um constrangedor terceiro plano (segundo seria pouco) e ainda constatei a pouca importância que nos é concedida. Afinal, para que pagar alguém para desempenhar uma tarefa que “qualquer um” pode cumprir? Não se trata de uma operação, nem de um tratamento de canal, mesmo de um encanamento: é só revisão de texto, essa bobagem sem importância.

As pessoas justificam tal pensamento com um argumento tão pueril quanto revoltante e insustentávei: pode-se escrever de qualquer maneira que todos entendem do mesmo jeito! Assim, não faria diferença grafar “vendi-si ekipamentos” ou “vendem-se equipamentos”; a mensagem é plenamente compreendida por qualquer um que saiba ler. E assim, perpetua-se a ignorância e cultiva-se a burrice. À luz da lingüística, a explicação é aceitável – afinal, não importa como se diz, mas o que se diz, desde que a mensagem seja compreendida. Porém, se existe uma regra oficial para conter os excessos e arroubos da língua, ela deve ser respeitada. Fico imaginando se os franceses, os italianos, os russos, os japoneses, enfim, qualquer povo ciente da importância de sua língua, também aceitam como normais tais atentados gráficos contra seus respectivos idiomas.

Não se trata de ser chato. Mas todo grande time começa por um grande goleiro.

(Texto publicado originalmente na revista Caderno Zero, de setembro de 2011.)

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Jogos Oh-oh-límpicos de 2016?


No minuto seguinte ao encerramento dos Jogos Olímpicos de Londres, no próximo domingo, os olhos da comunidade esportiva internacional se voltarão imediatamente para o Brasil, mais exatamente para o Rio de Janeiro, palco da próxima edição do evento, em 2016 (isso, claro, se os maias tiverem errado suas previsões e o mundo continuar existindo após o dia 21 de dezembro). Começará então uma autêntica corrida contra o tempo para que nossas autoridades se encarreguem de cumprir todos os prazos e obrigações que assumiram quando o Comitê Olímpico Internacional (COI) escolheu a cidade como sede dos Jogos vindouros. Posso parecer chato e negativista, até antipatriótico, mas a verdade é que o Brasil corre o risco sério de passar um vexame histórico. Em todos os sentidos.

Desde o começo fui contra a realização da Olimpíada em nosso país, mais ainda em nossa cidade. Organizar um evento de tal magnitude é uma responsabilidade gigantesca, mas nossos governantes, na ânsia de quererem provar uma grandeza que estamos longe de efetivamente possuir, devem ter achado que seria financeiramente interessante, quem sabe, sobretudo, para os próprios bolsos, promover o Rio e, por extensão, o país sediando uma edição dos Jogos. A verdade é que o Rio de Janeiro não tem condição sequer de receber um campeonato mundial de cuspe à distância. Tudo nos falta: um sistema de transporte eficiente, rede hoteleira que absorva as hordas de turistas que invadirão a cidade, um esquema eficiente de segurança. Falta-nos, sobretudo, educação, e quanto a isso deixo a cargo de cada um os exemplos possíveis. Lembro-me que, por ocasião dos Jogos de Pequim, em 2008, o governo daquele país se empenhou em campanhas educativas para que o povo evitasse cuspir nas vias públicas, um hábito local que espanta os visitantes. Não sei se teve sucesso na empreitada, mas é de imaginar que o povo chinês, esmagado por décadas de repressão ditatorial, portanto naturalmente submisso, e cônscio de deveres e obrigações a cumprir, tenha acatado o pedido. Alguém imagina o povo brasileiro seguindo regras de conduta social pregadas em campanhas brincalhonas (como são todas) criadas pelo governo?

Como carioca, nascido e criado aqui, sinto-me à vontade para criticar sem correr o risco de expor certo ranço negativista. Temos graves problemas estruturais, além dos já citados. Há anos a população cobra a ampliação do sistema metroviário sem que as autoridades se importem com isso. Agora, de uma hora para outra, resolveram criar a Linha 4, o famoso metrô até a Barra, desejo antigo dos cariocas! Foi preciso que as Olimpíadas aportassem por aqui para que uma solicitação do povo pudesse ser atendida. Ou seja, para quem aqui reside, faz-se ouvidos de mercador, mas quando se trata de enfeitar a cidade para receber os estrangeiros, arruma-se a casa, para mostrar que ela é bonita? Mas nem assim o problema será resolvido a contento porque os gênios dos planos de transporte do Rio acham que melhorar a malha metroviária é a mesma coisa que encavalar estações em série, uma após outra, quando qualquer pessoa razoavelmente inteligente sabe que a solução é criar alternativas de rota. De que adianta estender a linha da Pavuna à Barra da Tijuca em linha reta sem estações arteriais, que sirvam para desafogar o contingente de passageiros? O metrô assim se consolidará como mero cabide de usuários, ou seja, mais desconforto e serviços mal prestados a um preço extorsivo. Bastaria pegar a ponte aérea e observar como é o funcionamento do metrô de São Paulo. Ali há uma série de baldeações que facilitam a vida dos passageiros. Será que é tão difícil copiar boas idéias?

À parte os aspectos estruturais urbanos, os quais esperamos que sejam providencialmente tratados pelas autoridades, há outra questão, esta mais preocupante. Como se comportarão os atletas brasileiros diante de sua torcida em uma competição como as Olimpíadas? Se à distância eles já sentem a pressão que jogamos em seus ombros por um bom resultado (quer dizer, o ouro, já que prata é lixo e bronze é fracasso absoluto), como reagirão aqui, diante de nossos narizes? Longe de parecer pessimista, mas a chance de entrarmos negativamente para a história olímpica é grande e real. Historicamente, atletas de países que sediam a competição costumam se sair bem, veja os exemplos da Grã-Bretanha, que cumpre sua melhor campanha, arrebatando medalhas de ouro em profusão. Sabemos da realidade de nossos atletas. A maioria treina depois de um exaustivo dia de trabalho, longe de suas condições físicas ideais, sem equipamentos de qualidade, sem incentivos financeiros. Ou seja, o simples fato de se classificarem para as Olimpíadas já é lucro (ao menos não haverá esse risco em 2016, já que, como país sede, o Brasil pode inscrever atletas em todas as modalidades de disputa, o que inclui o badminton e o pólo aquático). Não vale dizer que nos saímos bem no Pan-Americano de 2007 porque o nível de competitividade é infinitamente menor, os índices são mais baixos e muitos vencedores dessas provas sequer se classificam para as Olimpíadas. Os Estados Unidos não mandam seus atletas principais. Se não houver um forte trabalho psicológico com nossos competidores, é de se imaginar que eles “amarelem” ainda mais. Mais importante: é preciso que haja um trabalho muito sério e profissional na parte técnica para que possamos, ao menos, disputar as competições em igualdade de condições, e não apenas participar delas simpaticamente.

Aguardemos para ver quantas medalhas de ouro, prata e bronze arrebataremos em 2016. Todas, e na quantidade que for, serão bem-vindas. Mas precisamos cuidar com muita seriedade para que não amarguemos nenhuma medalha de lata.

domingo, 5 de agosto de 2012

Shane do asfalto


Dizem que alguns grandes filmes nunca são bem recebidos na época de seu lançamento e apenas anos depois, quando posteriormente reavaliados, é que têm seu valor artístico reconhecido. Isso aconteceu com O touro indomável, por exemplo. Talvez seja este o destino de Drive, que rachou opiniões desde seu lançamento em circuito no país. Longe da unanimidade, foi aclamado como obra-prima por uns e desprezado por outros. A essa altura, muita gente já o viu, seja no cinema, seja em DVD, seja baixado na rede. Somente agora consegui vê-lo e assim, de cabeça fria, sem o frenesi da estréia, pude observá-lo com atenção.

A primeira surpresa veio antes de eu assisti-lo. O filme ganhou prêmio de direção no Festival de Cannes, o que por si só já seria um bom chamariz. Afinal, quantos filmes de ação arrancam láureas em festivais importantes? Mas, depois de conferi-lo, entendi o motivo da premiação. Embora não seja equivocado classificá-lo neste gênero, Drive oferece, em sua essência, muito mais do que uma simples fitinha de aventura põe à disposição de seus apreciadores.

Como o filme de ação que se vende, Drive é quase nulo. Falta-lhe a dinâmica acelerada que caracteriza as produções do gênero. Há poucas cenas tradicionais desse tipo de fita, como perseguições (a rigor, só uma, mas muito bem realizada), socos, pontapés (não é desse estilo), tiroteios, explosões. Não seria equivocado classificá-lo como suspense, já que a preparação dos fatos tem mais importância e ocupa mais tempo do que as ações em si. Diante disso, sem medo de cair no ridículo, eu me arriscaria a chamá-lo de filme de ação psicológica, ou seja, o foco não é tanto o que acontece ou o que os personagens fazem, mas a maneira como acontece e o que eles pensam. Também não é exagero classificá-lo como um faroeste urbano contemporâneo, estabelecendo paralelos entre o caubói imortalizado por John Wayne, sobretudo em Os brutos também amam e também nos filmes de John Ford, e a figura do Piloto sem nome, que não tem origem, chega a determinado lugar, cumpre a missão que lhe é designada ou que ele mesmo se encarrega de assumir, e vai embora seguindo em rumo incerto, tão anônimo quanto na chegada. Na ausência das pradarias, há as estradas povoadas por “cavalos-vapor”.

Como cinema simplesmente, é muito bom, equilibrando de maneira certeira diversos aspectos técnicos, com destaque para a montagem competente (que substitui a esquizofrenia das fitas de aventura por um ritmo mais pausado e, ao mesmo tempo, ágil), a fotografia que valoriza as cenas noturnas e a edição de som, categoria pela qual concorreu ao Oscar. Como roteiro adaptado, é ainda melhor, tornando mais clara a narrativa elíptica do romance original homônimo de James Sallis que lhe serviu de base, lançado no Brasil pela Leya, cuja capa copia o cartaz do filme, a velha mania oportunista do mercado editorial, de tentar capitalizar em cima do sucesso da adaptação, sendo que Drive nem foi tão bem de público por aqui.

No caso, o Piloto trabalha como dublê de filmes de ação B de Hollywood e, nas horas vagas, serve como motorista de fuga para assaltos, desde que os bandidos aceitem suas exigências. Vive solitário em Los Angeles até o dia em que conhece a nova vizinha, Irene, uma jovem mãe solteira, por quem se sentirá atraído. Quando o marido dela sai da prisão e se recusa a aplicar um último golpe para pagar uma dívida, o Piloto assume o caso para si. É quando a história se encaminha para o final explosivo e em que se apresentam algumas das cenas mais bonitas visualmente do filme.

É mais uma interpretação convincente de Ryan Gosling, um dos astros da vez em Hollywood que vem emplacando um filme depois do outro (Jogo de poder, Amor a toda prova, Entre segredos e mentiras), rumo a uma breve indicação ao Oscar. Carey Mulligan, de Educação, faz a mãe solteira, também se firmando no estrelato. Completam o elenco o comediante Albert Brooks em raro papel sério (foi esquecido pelo Oscar, havia quem apostasse nele como um dos finalistas a coadjuvante), o bom Bryan Cranston (da série Breaking bad), Ron Perlman e Christina Hendricks (a ruiva de Mad men, lindíssima, com poucas cenas e menos ainda falas).

Já falei do roteiro, que foi escrito por um iraniano, Hossein Amini, cujo recente Branca de Neve e o caçador, também de sua autoria, pode depor contra, mas tem coisas boas no currículo, como o belíssimo Paixão proibida (1996), com Kate Winslet, Asas do amor (1997), Killshot – Tiro certo (2008), entre outros. Além de tornar a história mais palatável, ainda modificou pequenos detalhes que somam ao resultado final. Por exemplo, no livro, o marido de Irene (Irina, no original) é violento com ela e a agride regularmente, mas no filme este aspecto foi eliminado. Também a origem dos personagens, explicada em longos trechos em flashbacks, desapareceram na adaptação, o que poderia resultar aborrecido e artificial. Mas não poupa o espectador de cenas violentas, que a mim particularmente chegaram a incomodar.

O diretor, o dinamarquês Nicolas Winding Refn, tem mão certeira para filmes de ação, e contava com a experiência de ter assinado outros três títulos de destaque antes deste aqui, todos em certo nível mais descontrolados e nervosos: Pusher (1996), o mais conhecido, é o único deles disponível em DVD; Bronson (também roteirista, 2008), com Tom Hardy, sobre um detento que se acha com a personalidade de Charles Bronson; e O guerreiro silencioso, sobre um guerreiro de um tempo mítico (passa de vez em quando na TV a cabo).

No fim das contas, não é difícil imaginar porque Drive não fez sucesso junto ao público. Quem foi assisti-lo esperando encontrar altas doses de adrenalina, certamente saiu frustrado. É porque sua ação se dá em nível existencial, com algumas cenas mais vibrantes para temperar. Tem forte potencial cult. É um filme de ação para cinéfilos.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Fritas no cardápio - 3 a 9 de agosto


VOU RIFAR MEU CORAÇÃO – Geralmente desprezada pela crítica especializada, a música brega é o motor que impulsiona este documentário dirigido por Ana Rieper, que atravessou os cinco mil quilômetros da BR-101 coletando histórias de pessoas cujas dores de amor encontram conforto e tradução em letras repletas de traições e desilusões. Também há depoimentos de grandes nomes do gênero, como Agnaldo Timóteo, Odair José, Amado Batista e Wando, entre outros. Recomendo que o espectador interessado assista também a Viajo porque preciso, volto porque te amo, de Marcelo Gomes e Karim Ainouz, um ensaio poético que trata de tema semelhante e serve de complemento a este aqui.



31 MINUTOS, O FILME – Rara animação nacional a ocupar as telas. A julgar pelos nomes dos personagens (Tio Careca, Cachirula, Juanin) não deve ser grande coisa, mas é uma boa oportunidade de formar público para as produções brasileiras, já que é voltado para as crianças. Pena que as férias escolares já acabaram.

BEL AMI, O SEDUTOR – Na França do final do século XIX, um jovem se diverte conquistando e abandonando belas mulheres, até que sua vida passa a correr risco por conta de suas estripulias afetivas. Pode ser bom ou ruim, mas se tem Christina Ricci no elenco, vale ver de qualquer jeito. Uma Thurman também ajuda a embelezar o filme. Já as meninas vão querer ver Robert Pattinson tentando provar que pode ser um ator versátil. Outra opção é ler o romance homônimo de Guy de Maupassant.



O QUE ESPERAR QUANDO VOCÊ ESTÁ ESPERANDO – Comédia em que Jennifer Lopez e Rodrigo Santoro interpretam um casal que se descobre “grávido” e vive a expectativa do primeiro rebento. Adaptação do famoso guia homônimo de autoajuda para mamães de primeira viagem. Pode ser divertido, mas o melhor é ver um grande nome do nosso cinema se firmando como astro de sucesso em Hollywood. No mercado americano, já rendeu mais que o dobro de seu custo de produção.

SEGREDO SAGRADO – O diretor André Luiz Oliveira gravou a encenação da Via Sacra, em Planaltina (DF), em 1999. Depois, vendo as imagens, teve a idéia de fazer uma ficção. Esta é a origem deste filme, de tons autobiográficos, sobre um diretor que busca um novo caminho espiritual após presenciar o evento.

ATO DE CORAGEM – Embora o trailer seja até atraente, não dá para negar que se trata de mais uma patriotada triunfalista da qual os americanos tanto gostam. A história mostra o resgate de um membro do Corpo de Fuzileiros Navais, os Navy-Seals, por seus companheiros, o tal ato de coragem do título. Além de inspirado em fatos reais, é também interpretado por oito militares verdadeiros, que se misturam ao elenco e cujos nomes não aparecem nos créditos, diz a lenda, a pedido deles mesmos. Só não se sabe se por receio de alguma punição da alta corte ou se por vergonha do resultado.



KATY PERRY – PART OF ME – Os adolescentes (e muitos adultos também) vão invadir as salas para conferir o registro da turnê mundial da cantora Katy Perry, “Part on me”. É o Na cama com Madonna do século XXI. Para fãs.