quinta-feira, 21 de maio de 2015

O jogo do assassinato e da solidão

O medo do goleiro diante do pênalti (1971)
Muitos anos antes de se tornar o cronista estrangeiro das neuroses internas que corroem a sociedade norte-americana atual, vitimada pela paranóia do terrorismo, o alemão Win Wenders concebeu um interessante estudo sobre os efeitos do medo no ser humano, ao levar para as telas o romance homônimo de Peter Handke, O medo do goleiro diante do pênalti, publicado no Brasil pela Brasiliense em edição conjunta com a novela Bem-aventurada infelicidade. Descartando as implicações políticas de suas produções mais recentes, o diretor conseguiu ser universal sem precisar se afastar de sua aldeia.

Joseph Bloch é goleiro de um pequeno time da segunda divisão. Durante uma partida, ele discute com o árbitro por conta de uma falta mal marcada e é substituído pelo treinador. Suspenso pela diretoria do clube, resolve passar seus dias perambulando pela cidade. Vai ao cinema (assistir Faixa vermelha 7000, de Howard Hawks) e acaba se envolvendo com a bilheteira, Glória. Mesmo não sendo convidado, passa a noite na casa dela. Na manhã seguinte, sem motivo aparente, ele a estrangula, mas o fato parece não significar muita coisa para o goleiro, que continua vivendo como se nada tivesse acontecido. Acompanhando a repercussão do crime pelos jornais, ele se muda para a pensão de uma amiga e fica apenas à espera de ser encontrado pela polícia. Cada vez mais consciente de seu destino, deixa aflorar seu sentimento de culpa por meio de tiques e uma hiperatividade latente que, no entanto, não o leva a lugar algum. Seu nervosismo é fruto da certeza de que seus dias de liberdade estão contados: ser descoberto é apenas uma questão de tempo.

Goleiro pensa que é artilheiro e banca o matador.
O filme parece muito simples na forma, mas deve ser visto com atenção pelo espectador, pois todo o seu sentido está implícito, subliminar. Wenders constrói quase uma fábula sobre o desconcerto de um homem comum acossado pela culpa e a certeza de uma falta cometida. A metáfora do goleiro como ser isolado, solitário, funciona de maneira óbvia. Ele simboliza uma espécie de flaneur fatalista, agindo como um fantasma urbano, evocando O estrangeiro, de Albert Camus. O tema da solidão humana já aparecia com força na obra do diretor, e seria ainda mais intenso em seus trabalhos posteriores, como Paris, Texas (1984), Asas do desejo (1987) e mesmo o recente Estrela solitária (2004). Bloch não tenta fugir em momento algum: sabe que não tem para onde ir, e que todas as fugas possíveis são inúteis. Está inexoravelmente preso à sua existência medíocre – o filme é todo centrado em cima de personagens os quais se convencionou chamar de losers (perdedores) do sonho americano. Este aspecto do filme pode desagradar muitos espectadores, bem como a lentidão da narrativa, evidenciando a imobilidade da situação e antecipando o destino do protagonista. Esse clima de desesperança é realçado pela trilha sonora, uma batida monocórdia, repetitiva, transmitindo a idéia de que nada sai do lugar.

O Estádio dos Assassinos. Mas aqui não tem 7x1.
Outro aspecto que pode causar estranheza é o nonsense de alguns diálogos, que, mesmo assim, conseguem ser brilhantes em alguns momentos, especialmente quando criticam a falta de comunicabilidade entre as pessoas – outro assunto recorrente na filmografia do diretor. Ninguém está interessado em entender ou ser entendido: as pessoas apenas vivem, vez por outra esbarrando em problemas externos, sem que, contudo, se sintam atingidas por eles.

Visto hoje, o filme ganha uma dimensão ainda maior se lembrarmos do caso do goleiro Bruno, ex-Flamengo, que permenece encarcerado em Minas Gerais suspeito do assassinato de sua amante, a modelo Eliza Samúdio, em 2010. Em um rasgo de humor negro e politicamente incorretíssimo, seria de se imaginar que ela tenha assistido a este filme algum tempo antes do crime e, tal qual Bloch, se convencido de que poderia escapar da lei. Talvez não tenha visto até o final.

É um dos bons trabalhos de Win Wenders que merece ser conhecido. Infelizmente, foi ignorado pela distribuidora Europa, quando do lançamento de vários títulos do diretor em DVD, e permanece só podendo ser visto em VHS ou garimpado na rede. 

quinta-feira, 14 de maio de 2015

O som da minha voz

Obediência (2012)
Tinha lido alguns elogios a este filme de nome bem simples (mas para o qual inventaram uma tradução inadequada para o original, "Compliance", algo como submissão, complacência ou em observação) e fui assisti-lo com grande expectativa. Embora o resultado final seja até certo ponto satisfatório, teve um detalhe básico que me incomodou muito e que me atrapalhou um tanto na apreciação da história e, sobretudo, na forma como se desenvolve.

Tudo indica que vai ser mais um dia comum no ChickenWich, uma lanchonete genérica do KFC, especializada em frango: os funcionários vão chegando aos poucos, a gerente Sandra confere as mercadorias e descobre que não terão picles nem bacon porque houve um erro de pedido, a adolescente espevitada Rebecca se gaba dos três namorados que têm ao mesmo tempo enquanto se arruma. Tudo na santa paz. Um telefonema no meio da tarde, contudo, põe fim a essa normalidade. Alguém que se identifica como policial diz que foi feita queixa contra uma das funcionárias, acusada de roubar dinheiro da bolsa de uma cliente que acabou de sair do local. Rebecca (Becky) é então detida nos fundos do depósito e passa  a ser confrontada pela sua chefe, inflamada pelas acusações feitas pelo suposto policial. Ela é obrigada a se despir, ficar sob a vigilância de outros funcionários homens, tudo comandado pelo telefone durante horas e sem perspectiva de solução, sem contar com qualquer simpatia ou compreensão de mais ninguém. Até que a situação vai se tornando mais tensa, e o que parecia uma queixa formal se transforma em crime de assédio e estupro.

Não sei se vale a pena resguardar o truque do roteiro, porque lá pelo meio ele se revela (mas não vou contá-lo aqui, fiel ao meu princípio de evitar spoilers), mas não é difícil o espectador perceber que alguma coisa ali está muito mal-contada, algo não encaixa na história. A partir dessa percepção, é possível imaginar miríades de opções que expliquem aquela situação, todas válidas, mas, infelizmente, nenhuma se enquadra no caso em questão.

Na lanchonete de frango, fazem galinhagem com a funcionária.
O grande problema do filme, para mim, porém, está logo no início, um equívoco de comportamento que chega a irritar: ninguém parece perceber o absurdo da situação! Uma garota é acusada de roubo, mesmo a distância, sem ninguém para reconhecê-la, é interrogada, encarcerada, revistada (sic), tudo sem nem sombra de qualquer presença policial, a não ser uma voz, e ninguém questiona, ninguém procura averiguar a veracidade da coisa, tá falado e pronto! É o pânico absoluto que move os personagens a se comportarem como autômatos? A simples menção do nome "polícia", mesmo que não haja evidência alguma de confirmação, é suficiente para causar transtornos e fazê-los agirem feito imbecis. Respeito à autoridade é uma coisa, mas lavagem cerebral é outra. Sinceramente, para mim, é difícil comprar essa história, quando um mínimo de descortino e lucidez resolveria o caso. É o que faz um dos personagens, o único que parece pensar direito e que aparece pouco na trama, para desespero da lourinha, que não sabe o que fazer nem com quem contar para se safar daquela situação. 

O roteiro do também diretor Craig Zobel é baseado em uma dezena de casos semelhantes, ocorridos em diversas lanchonetes nos Estados Unidos. Não deixa de ser assustador pensar que a situação se repetiu com freqüência sem que nada fosse feito ou ninguém tomasse ciência do que acontecia de fato. Ann Dowd (da série The leftovers), que faz Sandra, ganhou prêmio de atuação do National Board of Review, mas o melhor desempenho é mesmo o de Dreama Walker como a assustada Becky. 

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Festival do Rio 2015 define suas datas

Os cinéfilos do Rio e do país já podem reservar em suas agendas. O Festival do Rio de 2015 ocorrerá entre 1º e 14 de outubro. O anúncio foi feito na tarde da última quarta-feira (6/5) pelos organizadores. Normalmente iniciado no final de setembro, o evento teve seu período alterado em virtude do Rock in Rio, cujas datas se chocavam com o calendário original. O último final de semana de shows coincidiria com o primeiro do Festival do Rio e, como acontece desde 2011, optou-se pelo adiamento em uma semana da maratona de filmes.

Freqüento o Festival há mais de dez anos e, que me recorde, é a primeira vez que a data é anunciada com tanta antecedência, com praticamente quatro meses. Isso nos dá a esperança de que tudo seja mais e melhor organizado este ano, principalmente em relação à venda antecipada, e que os detentores dos passaportes tenham alguma preferência para garantir suas entradas. Espera-se, também, que não se observem os velhos problemas de todos os anos, quando o sistema sempre acusa alguma falha de comunicação com os cinemas que, mesmo fazendo parte do circuito, nunca aparecem no mapa na hora da troca de ingressos.

Imagina-se também um evento especial, porque o Grupo Estação, organizador principal e fomentador do Festival, está completando 30 anos em 2015 e acabou de se recuperar financeiramente de uma grave crise que o pôs à beira da falência. É a hora de comemorar. E nada melhor do que presentear a nós, cinéfilos e freqüentadores das salas do Grupo, com um Festival caprichado, tanto na programação quanto nos serviços oferecidos. Esperemos.