sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Confissões de um seriemaníaco - V


AMERICAN HORROR STORY – ASYLUM

Onde e quando: Fox, terça, 23h15; domingo, 00h50.
Elenco: Jessica Lange, James Cromwell, Joseph Fiennes, Evan Peters, Zachary Quinto, Chloe Sevigny, Sarah Paulson.
Sinopse: Nos anos 60, uma instituição para doentes mentais é assombrada pela presença de fantasmas e seres demoníacos.


Comentários: Embora a primeira temporada tenha sido bastante elogiada, não a achei tão boa assim, basicamente por dois motivos: a excessiva lentidão da narrativa e a fotografia muito escura, que por vezes chegava a tornar impossível identificar o que estava acontecendo em cena. Parece que os produtores também perceberam isso e trataram de corrigir essas falhas. A montagem ganhou mais dinamismo, acelerando o ritmo das ações (até demais), e houve ajustes nas imagens, mantendo o tom soturno que convém à série, mas sem exageros, na medida exata. Esqueça tudo o que você viu na primeira temporada, que transcorria em uma casa que, no passado, havia sido palco de diversos e violentos crimes. A história mudou de endereço e agora se passa em Briarcliff, espécie de clínica/asilo para doentes mentais comandado com mão de ferro pela irmã Jude, auxiliada pelo doutor Arden e o psiquiatra Thredson. A idéia inicial dos criadores da série era essa mesma, ambientar cada temporada em um lugar diferente (uma terceira leva de episódios já está em produção). Naturalmente os personagens são outros, mesmo o de Jessica Lange, que agora faz a freira superiora, sem relação com a vizinha intrometida que interpretou no primeiro ano, e que lhe rendeu um Globo de Ouro de Atriz Coadjuvante em Série Dramática. Mas continua dando um show de composição. A abertura é ainda mais assustadora que a anterior, combinando novamente a música monocórdica e inquietante com imagens perturbadoras, sem dúvida uma das melhores de todos os tempos. Curiosamente, faz pouco uso de efeitos especiais de última geração, optando por um horror calcado mais no clima, no jogo de luz e sombras e na maquiagem. Nesse sentido, outro mérito do roteiro é evitar cenas de sangueira explícita. Também faz um inteligente aproveitamento da clássica canção religiosa francesa “Dominique”, entoada pela voz da própria autora, a belga Jeanine Deckers, ou Irmã Sorriso, estrondoso sucesso daquela época (e que ganhou uma versão brasileira famosa na voz da cantora Giane), que é tocada em todos os episódios, servindo sempre como contraponto sonoro a algum momento perturbador que se vê em cena ou antecipando alguma revelação de impacto.


Por que ver: O gênero é pouco explorado pela televisão, quase sempre relacionado ao universo da fantasia. Aqui é horror sério e cru, na melhor tradição do cinema norte-americano de outrora. Os roteiros são criativos e aproveitam ao máximo as possibilidades oferecidas pelo ambiente. E dá medo. Mesmo.
Por que não ver: Pela natureza do projeto, é uma série voltada para um público específico, aquele que é fã do gênero. Quem não gosta, vai passar longe.


quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Os tons do erotismo

A trilogia: prazer de ler.

Lançado há pouco menos de um mês, o livro Cinqüenta tons de liberdade não demorou nada para chegar ao topo da lista dos mais vendidos da revista Época, sendo seguido pelos outros dois volumes da série, Cinqüenta tons de cinza e Cinqüenta tons mais escuros (oficialmente não há o trema dos títulos, mas já expliquei que me recuso a seguir esse acordinho imposto, a não ser por motivos profissionais). É claro que o sucesso da trilogia já motiva uma nova onda de literatura erótica, gênero que historicamente sempre foi meio relegado por editoras e público em geral, mas que agora, diante do apelo comercial obtido, pode enfim ter a visibilidade que merece. O que o dinheiro não faz, não é verdade? Deixa-se a falsa moral de lado em nome da arrecadação.

Ainda não li nenhum dos livros, coisa que pretendo fazer em breve. Então, não tenho como avaliar a qualidade literária do material, que não deve ser das melhores, a julgar por algumas críticas que já li na mídia, de gente gabaritada, profissionais da escrita. A essa altura todo mundo sabe do que se trata a série. A jovem virgem Anastásia Steele desperta o interesse do bon vivant Christian Grey, que a leva a uma intensa jornada repleta de sexo sadomasoquista. Dizem que o livro tem despertado o lado mais secreto das fantasias femininas e, em casos extremos, até salvado muitos casamentos. Será verdade ou exagero da mídia? O fato é que a história caiu no gosto popular, vemos pessoas empunhando os livros nos ônibus, nos metrôs e em espaços públicos, sempre mulheres, ao que parece, o público-alvo da trilogia, sem medo nem vergonha. Também baseado no que já li em reportagens e entrevistas publicadas na imprensa, parece que o andamento da história é considerado lento para o público masculino, com muita falação, muito tempo gasto até se chegar ao que realmente interessa. Ou seja, mais próximo de fato do erotismo feminino, que gosta desse jogo de conquista, da sedução que vai surgindo aos poucos, ao passo que nós somos mais diretos, não temos paciência para esse envolvimento todo.

A autora E. L. James.
A autora Erika Leonard James (que adotou o pseudônimo E. L. James, não sei se por sugestão do seu editor ou se para aproveitar o uso cabalístico de suas iniciais, como os bem-sucedidos J. K. Rowling ou George R. R. Martin) já declarou que pretendeu reproduzir no livro algumas fantasias que povoavam sua cabecinha. Ela não é uma meninota. Beirando os 50 anos (aparentando menos), essa ex-executiva da televisão inglesa é casada e tem dois filhos. Ela abandonou o emprego para se dedicar à literatura. Fã confessa da série Crepúsculo, diz ter lido os quatro livros da “saga” em apenas cinco dias, o que lhe serviu de combustível para sua história. Ela diz que queria escrever uma espécie de versão alternativa para os personagens, mas inserindo sexo, elemento praticamente ausente do universo imaginado por Stephanie Meyer.

Primeira edição de Jake e Mimi (2002)
O maior mérito da trilogia, no entanto, está fora das “quatro páginas”. De uma hora para outra, a literatura erótica entrou na pauta do dia e passou a ser vendida e consumida pelo público, sobretudo pelas mulheres, que, historicamente, sempre foram as leitoras mais assíduas desse gênero – já escrevi e repito, homem não tem muita paciência com descrições e detalhes, prefere ler pornografia de baixa qualidade nas revistas afins. Há uma mudança de comportamento em curso, com o erotismo sendo enfim debatido e entendido como um ramo natural da humanidade e não como assunto tabu. E vejo com ainda muito otimismo essa suposta popularização do universo BDSM, já que as pessoas têm a oportunidade de conhecer mais e entender que é um estilo de vida, uma preferência sexual como qualquer outra, e que seus praticantes são pessoas comuns, nossos amigos e vizinhos. Podem não se sentir atraídas, o que é normal, mas ao menos tomarão conhecimento e talvez nem olhem torto para o colega de trabalho se ele se declarar fã de amarrações e dominações. A maior herança que a série vai deixar é a redenção dos bondagistas, e a autora corrobora essa posição: “(...) Isso não quer dizer que quem pratica BDSM tem um passado tortuoso, de maneira alguma. Eu acho que, se há uma relação segura e consensual, ótimo. O que acontece na cama, pela casa ou em qualquer lugar, é da conta de cada um, não tenho nada com isso. Esse comportamento de Christian funciona para essa história. Eu não tinha idéia de aonde eu iria chegar quando comecei a escrever. Apenas que o BDSM seria o pano de fundo.” E completa com sua opinião sobre a prática: “É incrivelmente sexy”. (As declarações entre aspas foram retiradas de entrevistas concedidas por E. L. James à imprensa e disponíveis na internet.)

É claro que os direitos já foram vendidos para o cinema e o primeiro filme deve ser lançado em breve. Fala-se em Kristen Stewart como protagonista, certamente para aproveitar o gancho de a autora dos livros ser fã da saga vampiresca, e também capitalizando em cima do sucesso da atriz, que ainda precisa provar que pode sobreviver fora da pele de Bella Swan. Espera-se que não tenha o mesmo destino de outro livro que usava o BDSM como pano de fundo, aliás, muito mal, o policial Jake e Mimi, de Frank Baldwin, publicado em 2002, cujos direitos chegaram a ser negociados e falava-se em Angelina Jolie, mas o projeto implodiu e nunca saiu do papel. Por falar nele, o livro acabou de ser relançado com outra capa e outro título, Algemas de seda, obviamente para surfar na mesma onda da recente trilogia.

Os Cinqüenta tons são erotismo soft para as massas. Quem quiser, pode se arriscar em clássicos do gênero, como A história de O, As onze mil varas, Justine ou Os sofrimentos da virtude ou qualquer título da coleção recém-lançada pela Hedra. Deixe seus preconceitos de lado e vá à livraria mais próxima. Afinal, ler sempre foi um grande prazer.




quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Pânico interminável

Pânico na floresta 5 (2012)

Nem sempre o que vem depois é um progresso. A máxima popular cabe muito bem no cinema, sobretudo quando o alvo são as incontáveis e por vezes eternas franquias de horror. Uma das menos badaladas delas acaba de chegar ao quinto episódio e, como era de se esperar, nada acrescenta aos demais títulos da série, servindo apenas como mais um exercício de sadismo narrativo – tanto para o elenco, que morre das formas mais horríveis, quanto para o espectador que se dispõe a assisti-lo.

A franquia em questão é Pânico na floresta, cujo primeiro filme, de 2003, chegou a colher elogios por reaproveitar um tema clássico do gênero que foi muito popular nos anos 70, o horror rural. Na fórmula, consagrada em O massacre da serra elétrica, um grupo de jovens urbanos se embrenhava no mato e acabava sendo perseguido, e conseqüentemente assassinado, por bestas deformadas. Uma irônica oposição campo x cidade, na qual o lócus consagrado como o idílio por excelência, ainda intocado pela ação humana, revela-se mais assustador e perigoso do que o cotidiano concretado das selvas urbanas. Único da franquia lançado nos cinemas, o filme foi favorecido por uma direção inventiva de Rob Schmidt e teve ainda o mérito de enfileirar no elenco algumas jovens estrelas ainda em formação: Eliza Dushku, Emanuelle Chriqui, Jeremy Sisto, Kevin Zegers e Desmond Harrington. Todos, de certa forma, seguiram fazendo alguma coisa importante depois. Coisa que as "vítimas" atuais dificilmente conseguirão.

É claro que os produtores farejaram uma vida longa para a série e, ao contrário do que reservam para seus  personagens, resolveram dar vida a outras versões, que no fundo, eram sempre a mesma coisa. Jovens estudantes motorizados que, por algum motivo (ou às vezes por idiotice mesmo), acabam errando uma curva (é preciso justificar o título original, Wrong turn), entram onde não devem e, no meio do mato, longe da civilização e das facilidades tecnológicas cotidianas, se defrontam com assassinos sedentos de sangue. Repetir a fórmula duas vezes ainda dá para aceitar, mas depois disso é forçar muito a barra. E é assim, aos trancos e barrancos, que chegamos ao quinto volume da franquia, que tanto aqui quanto lá fora só foi lançado em DVD, o que é sempre um mau sinal.

Maynard (Doug Bradley): o mal tem um rosto.
Aqui o erro já começa na ambientação, pois não há nem floresta nem exatamente uma curva errada. Toda a ação se passa em uma pequena cidade da Virginia Ocidental, na noite de Halloween. Na data, festeja-se a tradicional Noite do Homem da Montanha, que celebra um histórico massacre local, ocorrido em 1817 - fazer festa a partir de uma matança já é algo igualmente imbecil. Dirigindo-se para a cidade, um grupo de jovens causa um acidente involuntário, ao se desviar de um estranho parado no meio da pista. Ele tenta atacá-los, a polícia chega na hora e todos vão em cana, os jovens sobretudo por levarem uma farmácia no carro. O estranho, Maynard (Doug Bradley, veterano de fitas do gênero), é, na verdade, o líder de um bando de aberrações deformadas, descendentes dos sobreviventes do massacre original (na verdade, os mesmos dementes do primeiro filme, os anos passam e eles continuam firmes e fortes), e ameaça a todos na pequena delegacia com a chegada de seus “meninos”. Até que os monstros invadam o local, muito sangue vai rolar.

Os cinco jovens: por enquanto, é só diversão.
Se há criatividade nesse tipo de filme, e isso não se pode negar, é nas formas de matar. Os roteiristas do gênero parecem disputar uma competição pessoal para ver quem consegue criar a cena mais repulsiva ou cruel de assassinato. Uma lourinha é esfaqueada e tem as tripas enfiadas na boca; um dos rapazes é enterrado até a cabeça e depois decapitado por uma ceifadeira conduzida por um demente risonho; um bêbado que vira ajudante da delegada local (sic) é incinerado vivo; e por aí vai. Lógica e bom senso também passam longe dos personagens, que sabem os riscos que correm e mesmo assim insistem em bancar os heróis. Vai ver é a mensagem implícita do roteiro: "Quem usa drogas fica idiota que nem os jovens deste filme". Nesse sentido, a mais pateta do grupo é Lita (Roxanne McKee, que esteve em Game of thrones), uma das estudantes de fora. Ela até começa bem, reagindo ao ataque de um dos monstros, mas depois sucumbe à imbecilidade geral, ajudando Maynard (achando que ele é bonzinho para salvá-la, oh, a pureza da juventude!). Termina com os olhos furados, sozinha na escuridão, seqüestrada pelos algozes. Mas o mais aterrorizante do final é a possibilidade de uma seqüência.

Quando do lançamento de O albergue, em 2004, escrevi que já não tinha mais estômago para ver tanta crueldade, tanta violência despropositada. O nível do que ainda é chamado “cinema de horror” (na verdade é cinema de tortura, sem clima nem susto) caiu ainda mais desde então. Não sei quem consegue se divertir vendo gente sendo trucidada como se fosse um passatempo rotineiro. Talvez isso explique muito do mundo em que vivemos hoje. Mas há gosto para tudo.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Os jogos de Truman

13 desafios (2006)

Não é um filme exatamente novo (foi rodado em 2006) e já recebeu inúmeras críticas e resenhas em diversos sites e blogues espalhados pelo ciberespaço. Mas só fui descobri-lo agora (eu sempre tenho a impressão de que sou o último a saber de certas coisas) e o efeito me foi tão devastador que achei justo dividi-lo com os eventuais leitores deste espaço, que também já devem conhecê-lo. O fato é que este 13 desafios, mais do que uma gratíssima surpresa, foi também outra prova de vitalidade do cinema tailandês, que raramente dá as caras por aqui, mas é um dos mais intensos do mundo hoje.

O que você faria para ganhar uma alta quantia em dinheiro? Com este princípio mais do que surrado, o roteiro desenvolve uma espiral de acontecimentos de tirar o fôlego, garantindo o suspense até a última cena. Puchit é um jovem que atravessa uma fase conturbada em sua vida. Acabou de ser demitido, terminou o namoro com uma cantora e ainda sofre pressão financeira da família. Sem perspectivas, vê sua vida mudar quando atende despreocupadamente a um telefonema. Do outro lado da linha, um interlocutor misterioso avisa que ele foi escolhido para participar de um game show e que se realizar 13 tarefas, cada uma com grau de dificuldade mais elevado que a anterior, ao final, receberá em sua conta o montante de cem milhões em dinheiro (o depósito dos prêmios é confirmado pelo visor do celular). Puchit pode desistir do jogo a qualquer momento... Mas ele segue em frente, mesmo diante dos absurdos que vai encontrando pelo caminho. Começa de forma inocente, quando lhe é pedido que mate uma mosca. Depois, a coisa vai piorando, envolvendo bizarrices (como, literalmente, comer merda em um restaurante chique) e assassinatos.

Quando a gente se depara com um bom filme realizado em outro país, sempre imagina que vai haver e fica esperando a refilmagem norte-americana. Neste caso, porém, parece que a idéia original já foi feita antes, e justamente em Hollywood. A primeira referência que vem à cabeça é Vidas em jogo (1998), de David Fincher, em que Michael Douglas participa meio sem querer de uma competição mortal comandada por um ensandecido Sean Penn. Mas no caso de 13 desafios a coisa vai ainda mais além, mesclando de forma radical os limites entre realidade e ficção. Ficamos nos perguntando o tempo todo se o que estamos vendo é mesmo só um jogo ou se o protagonista enveredou por algum tipo de loucura auditiva, transformando sua própria vida em uma competição sem garantia alguma.

Puchit topa tudo por dinheiro. Até matar.
A engenhosidade do roteiro também me fez estabelecer outras equivalências. Pela natureza narrativa e a forma como a história se desenvolve, é como se houvesse uma combinação dos elementos centrais de O show de Truman com o sadismo do primeiro Jogos mortais (vale lembrar que o filme inicial da série foi saudado como renovador do gênero, pleno de criatividade e tensão, depois é que a fórmula se esgotou). Puchit é alertado o tempo todo de que está participando de um jogo, um reality game, com direito à platéia. Ou seja, tem sua vida constantemente monitorada e, em tese, transmitida para uma audiência ávida pelo seu próximo passo. Ao mesmo tempo, ele precisa superar etapas que se revelam exercícios de sadismo e violência, jogando também com a vida de outras pessoas. Há ainda pinceladas de Oldboy, na medida em que acontecimentos do passado influem e justificam certas escolhas do personagem.

A montagem dinâmica garante a fluência da narrativa, que é valorizada pela trilha sonora climática e a fotografia contrastante, que opõe os ambientes claros e limpos da “vida real” (no escritório, na rua) com outros escurecidos e sujos do “jogo” (casos da seqüência na casa e da estrada, à noite). O roteiro só derrapa um pouquinho quase no final, com a revelação da estrutura do jogo, mas isso não empana o brilho de 13 desafios. No fundo, a mensagem é clara e aterradora. Somos, todos nós, jogadores involuntários, que alimentamos a violência e a crueldade do mundo, de uma forma ou de outra. Um filmaço para fazer pensar. 

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Billy The Kid encontra o Pernalonga


Talvez por estar intimamente ligado à idéia de construção da identidade nacional norte-americana, o filme de faroeste seja normalmente associado a um tipo de narrativa mais sóbria, solene, com espaço para a construção psicológica de seus personagens e humor quase inexistente. Mas é claro que há exceções. Faroestes cômicos podem ser tão interessantes quanto os mais sérios. Este Cactus Jack, o vilão se apropria do universo do tradicional bangue-bangue para contar uma comédia alucinante. Acaba sendo mais próximo às narrativas amalucadas de Chuck Jones do que à poesia contemplativa de Sérgio Leone.

A primeira aproximação entre estes dois universos já começa pelo enredo, que nada tem de original e, de tão surrado, já foi até mesmo parodiado em desenhos do Pica-Pau passados no velho oeste. Um jovem recebe do prefeito a missão de levar uma donzela até outra cidade. Ela é filha de um mineiro que tem negócios com o alcaide e, se não conseguirem chegar ao destino, é ele quem vai herdar a grana que está na diligência. Para impedir que o casal cumpra sua jornada, o prefeito contrata os serviços de um mercenário atrapalhado, o tal Cactus Jack. De armadilha em armadilha, todos os planos do bandido para surpreender o casal acabam frustrados. Até que chega um dos finais mais doidos e caricatos já vistos em um faroeste. É diversão garantida, mas para isso o espectador deve aceitar que está vendo uma comédia ambientada nas paisagens desérticas e poeirentas das pradarias ianques, e não um representante legítimo da escola de faroestes do cinema norte-americano.

A abertura até faz pensar que se trata mesmo de um filme sério. Começa de forma clássica, com belas imagens aéreas das paisagens tradicionais do velho oeste, sustentadas por uma trilha sonora semelhante a que se ouve em produções do gênero. Mesmo as cenas iniciais, mostrando as ações fracassadas do vilão Cactus Jack, seguem a cartilha do faroeste. Depois de 20 minutos, porém, a coisa muda e o estilo passa a ser o dos desenhos animados. A citação ao Pica-Pau ali em cima não é gratuita. Repare na caracterização do vilão, que em tudo lembra o Zeca Urubu: o figurino, todo preto dos pés à cabeça, a risadinha de canto de boca, o jeitão atrapalhado. Mas são as piadas visuais que mais aproximam o filme de um divertido cartoon. Há sacadas que já vimos nas aventuras do Pica-Pau e aqui são encenadas “ao vivo”: a pedra gigante que rola e esmaga o vilão; o falso túnel pintado na rocha que engole a diligência dos heróis, mas não permite a passagem do bandido; a camada de cola lançada na ponte para que o casal fique preso, com as previsíveis e naturais conseqüências; os preparativos para explodir o galpão; e a figura do cavalo de Cactus Jack, quase um Pé-de-Pano (a montaria do Pica-Pau) da vida real. É um dos melhores “atores animais” já vistos em cena. A cena final com as acrobacias ao som da música original do Looney Tunes não deixa dúvida sobre a grande brincadeira que o competente diretor Hal Needham quis fazer.

E ele foi bem-sucedido, não só pelo resultado final, mas também por contar com um elenco que entendeu o espírito da coisa e parece se divertir ao longo do filme. No papel principal, Kirk Douglas atua com indisfarçável gaiatice compondo um personagem que, de certa forma, é uma paródia a tantos outros que ele já interpretou em faroestes de verdade, como Duelo de titãs e A um passo da morte. Um ainda muito jovem Arnold Schwarzenegger faz Handsome Stranger, um sujeito inocente e de bom coração que recebe a missão de conduzir a insinuante filha do mineiro, vivida com contida sensualidade por Ann Margret, que passa o filme inteiro tentando seduzir o grandalhão. Consagrado nos anos 80 por seus papéis em fitas de ação, Schwarzenegger começou a carreira fazendo comédias involuntárias (estreou em Hércules em Nova York, 1970) e aqui repete o tipo de poucas palavras, um simplório apatetado. Só em ver o futuro ex-governador da Califórnia no desabrochar de seu estrelato já é uma curtição.

Embora nunca tenha sido lançado em VHS, o filme se tornou conhecido no Brasil graças a suas reprises regulares na TV aberta, entre meados dos anos 80 e dos 90. Virou cult e depois sumiu. Agora, acaba de ser redescoberto em DVD pela Paragon, um dos selos do grupo Continental.