domingo, 29 de julho de 2012

Faroeste de olhos puxados


O faroeste é considerado o mais norte-americano dos gêneros cinematográficos, o que não o impediu de frutificar também em outras paragens. A Itália nos rendeu o “spaghetti western” e um dos grandes mestres do gênero, Sérgio Leone. No Brasil, o “nordestern” floresceu como a nossa versão das aventuras de mocinhos e bandidos, sem índios – alguns historiadores defendem que o ciclo do cangaço equivaleu ao nosso faroeste. Mesmo no Oriente, de tradições tão diversas do velho oeste americano, houve alguns exemplares do gênero, já que Os sete samurais e Sanjuro, ambos de Kurosawa, são aceitos como legítimos representantes do bom e velho bangue-bangue.

E é exatamente da Ásia que vem um dos mais divertidos filmes de faroeste dos últimos tempos: Os invencíveis, uma delirante e movimentada aventura passada entre desertos e pradarias, dirigida por Kim Jee-Woon. O filme, mesmo tendo sido um dos campeões de público no Festival do Rio de 2008, nunca foi lançado em circuito comercial, mas está disponível em DVD, passa de vez em quando na TV a cabo e merece uma conferida.

Naquele ano, o filme foi exibido com seu título original traduzido: O bom, o mau e o bizarro (“The good, the bad, the weird”), o que já era autoexplicativo. A idéia do diretor foi justamente homenagear os clássicos do faroeste com toneladas de citações, a começar do título, uma óbvia referência a Três homens em conflito (no original, “The good, the bad and the ugly”, ou “o bom, o mau e o feio”, como ficou mais conhecido no Brasil), de Sérgio Leone. A essas alturas, o leitor deve estar se questionando: faroeste sul-coreano? Será que isso dá liga? A resposta é: dá sim. E, se por um lado não pode mesmo ser comparado ao original que lhe serviu de inspiração, por outro, vem reafirmar a força do cinema daquele país, que se reinventa e não perde a mão nem quando realiza uma obra completamente estranha ao contexto histórico-social daquele povo.

A trama é ambientada na Manchúria da década de 30. Três mercenários disputam entre si a posse de um mapa que conduzirá seu detentor a um grande tesouro. Ou seja, a trama não apresenta novidades: é igual a tantas outras já vistas no cinema norte-americano. O que chama a atenção é a inventividade do diretor em reciclar clichês e reaproveitar situações próprias ao tradicional western. Embora a ação reze pela cartilha do gênero, há toques orientais na maneira como a história é conduzida, com personagens que satirizam o faroeste que conhecemos. Há inúmeras referências, incluindo os temas musicais. No fundo, o que confere grande atrativo ao filme é justamente a paródia feita em cima de uma das mais sagradas instituições hollywoodianas. Para se ter uma idéia, há até gângsteres coreanos interessados no tesouro.


É um filme bem movimentado, divertido, que merece ser descoberto. Mas os fãs do bom e velho bangue-bangue podem achar meio estranho. 

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Fritas no cardápio - 27 de julho a 2 de agosto


AQUI É O MEU LUGAR – Esqueça o “batbuster” da semana (que ficará em cartaz por pelo menos seis meses) e corra para ver essa comédia dramática estrelada por um iluminado Sean Penn na pele de uma ex-estrela do rock que busca a redenção e sua própria identidade. Já escrevi uma análise detalhada do filme aqui no blog, procure o texto “Por um lugar no mundo”.



BATMAN – O CAVALEIRO DAS TREVAS RESSURGE – Um dos lançamentos mais esperados do ano. Infelizmente, o filme chega já marcado pela tragédia ocorrida semana passada no Colorado (EUA), quando um maluco invadiu uma pré-estréia atirando a esmo e matando 12 pessoas. Ou seja, não importa quantos anos se passem, a terceira aventura do homem-morcego estará para sempre atrelada a esse fato. Ao que interessa. Este pode ser o fecho de ouro da mais bem-sucedida trilogia de super-herói lançada nos últimos tempos (porque em Hollywood nunca se sabe, vai que ano que vem inventam outra desculpa para mais uma continuação). O sucesso de público e, sobretudo, de crítica dos filmes anteriores incentivou a Warner a criar uma derradeira história, que, ao menos no papel, justifica e finaliza a saga do Batman. Tom Hardy (do recente Guerra é guerra) encarna o vilão da vez, o misterioso Bane, enquanto Anne Hathaway dá vida a uma sedutora Mulher-Gato.





ALÉM DA LIBERDADE – Quem se acostumou a ver Luc Besson dirigindo filmes de ação no melhor estilo pipoca hollywoodiana, pode se surpreender ao ver seu nome nos créditos deste drama humanista baseado na história real de Aung San Suu Kyi, laureada com o Prêmio Nobel da Paz em 1991. Pouca gente deve se lembrar ou conhecer sua história. Suu é a heroína nacional de Mianmar (antiga Birmânia). Casada e com dois filhos, morando na Inglaterra, ela decide retornar a seu país para rever a mãe que está internada. É quando toma consciência da ditadura reinante no local e se insurge contra o sistema. Michelle Yeoh (O tigre e o dragão) mostra que pode ser boa atriz dramática e empresta dignidade à figura de Suu. O trailer de tons épicos, embalado por música triunfalista, pode até esconder um filme frouxo e frio, mas não há dúvida de que convida o espectador a boa olhada.





JUNTOS PARA SEMPRE – Roteirista descobre que sua esposa o trai, mas, de tão empolgado com suas novas idéias, nem liga e simplesmente arranja outra mulher. A partir daí, realidade e ficção se embaralham na mente do corno feliz. Comédia argentina com premissa interessante, que mostra como a arte do cinema pode ser ao mesmo tempo apaixonante e destruidora. Vale a visita.




A ARTE DA CONQUISTA – Freddie Highmore, o garotinho de Em busca da Terra do Nunca, cresceu e, se não apareceu, também não sumiu, e segue fazendo filmes de vez em quando. Aqui, ele interpreta um rapaz que não vê sentido em nada na vida até que conhece uma garota que o levará a rever seus conceitos. Para mim, a sinopse é quase involuntariamente autobiográfica, e, se eu tivesse 20 anos a menos, certamente este seria o filme da minha vida. Emma Roberts é filha de Eric e sobrinha de Julia, de quem se espera que herde ao menos o carisma para atrair público, o que, a julgar por este trabalho, ainda está longe de acontecer. Exibido no Festival do Rio do ano passado, pode virar cult para quem o descobrir nos cinemas.



BEIJE-ME OUTRA VEZ – Gabriele Muccino se tornou conhecido do grande público em 2010, ao rodar À procura da felicidade, com Will Smith, mas os cinéfilos já o conheciam desde 2001, quando apresentou um clássico instantâneo de uma geração, O último beijo, sensível, engraçado e com fácil identificação com o público (e que foi estragado na sua refilmagem americana, Um beijo a mais, também dirigida por ele). Agora, Muccino retorna à sua Itália natal e realizou a continuação de seu filme de estréia, mostrando o que aconteceu com os personagens daquela primeira história. Imperdível para quem viu e gosta do original. Recomendo que os interessados procurem e assistam antes ao primeiro filme nas locadoras, não só para compreender melhor algumas passagens deste aqui, mas também para descobrir uma pequena pérola do novo cinema italiano.

Trailer de Beije-me outra vez.


Trailer de O último beijo.


segunda-feira, 23 de julho de 2012

Nazistas do espaço


O roteiro mais criativo que vi este ano não veio de nenhuma produção norte-americana badalada. É da Finlândia uma das idéias mais insanas, ousadas e inteligentes que já vi nos últimos tempos: Invasão nazista, exibido no último Festival de Berlim, não chegou a ser lançado nos cinemas, mas está disponível na rede – e aqui sem qualquer culpa ou condenação porque parece que a intenção era essa mesma, deixá-lo na plataforma virtual para que alcançasse o maior número possível de espectadores.

À primeira vista, a premissa parece uma daquelas provocações bobas típicas de estudante adolescente querendo fazer graça com assunto sério. Pode até ser, mas é tão bem conduzida e realizada que se torna quase obrigatório tirar o chapéu para a criatividade da idéia. Vejam só: em 1945, percebendo que perderão a Segunda Guerra Mundial, os nazistas reúnem suas lideranças, seus cientistas e seus pensadores e os mandam para a Lua. Depois de 73 anos, em 2018, eles estão prontos para atacar o planeta, desta vez partindo do espaço. Daí por diante, é um alvoroço para tentar conter o clima apocalíptico e a histeria generalizada que se espalha pelo mundo com a possibilidade de invasão em massa de uma horda de zumbis espaciais.

Não sei se os realizadores envolvidos acreditaram no potencial da história e resolveram filmá-la a sério ou se quiseram fazer um dos mais divertidos filmes trash dos últimos anos. O fato é que havia um risco grande de desperdiçar a idéia se o conjunto não fosse bem realizado. Restariam as boas intenções e uma enorme sensação de frustração pelo grande filme que poderia ser e não foi (e isso é muito comum). Mas, para o bem de todos, Invasão nazista funciona muito bem, em todos os sentidos: a produção é cuidadosa, a direção de arte é bastante competente na construção do universo paralelo dos nazistas, os efeitos especiais são ótimos, o roteiro não deixa furos e os intérpretes, que poderiam derrubar o filme com atuações caricatas, seguram as pontas, transmitindo credibilidade aos seus papéis.



Talvez o fato de ser uma produção européia justifique tantas provocações do roteiro, tocando em temas delicados ao cinema norte-americano. Alguns exemplos. No ano em que se passa a história, os EUA têm uma mulher na presidência, cujo nome nunca é pronunciado, mas sabe-se tratar-se de Sarah Palin, até pela semelhança fisionômica entre a candidata e a atriz que a interpreta. O “primeiro-marido” não tem voz ativa nem função política definida e sai para jogar golfe enquanto a esposa se reúne na cúpula da ONU. Lá, há piadas envolvendo o representante da Coréia do Norte, que sempre assume para si a autoria dos ataques terroristas (mesmo que sejam cometidos por naves extraterrestres!). Quando a nave norte-americana chega à Lua, é o astronauta negro quem é designado para explorar a área; ele acaba capturado pelos nazistas que o submetem a um processo de “albinização” e vira branco. Consegue escapar, mas permanece assim por três anos, período durante o qual sobrevive pedindo esmolas pelas ruas de Washington. Há uma grande gozação-homenagem com O grande ditador, de Chaplin (o filme é exibido editado nas escolas nazistas e apresentado como curta-metragem!) e várias referências, as mais óbvias sendo Jornada nas estrelas e Guerra nas estrelas, mas quem prestar atenção vai perceber também brincadeiras com A queda – As últimas horas de Hitler, entre outros.


 É a estréia em longas do jovem diretor Timo Vuorensola, de apenas 32 anos, que antes havia feito apenas um curta e um vídeo. E ele gosta de provocar: seu próximo projeto tem o sugestivo título de Eu matei Adolf Hitler, que bem pode servir como continuação desse delírio visual, uma explosão de criatividade que justifica a cinefilia de qualquer um.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Fritas no cardápio - 20 a 26 de julho

VALENTE – Campeã de público nos cinemas norte-americanos, chega às telas essa primeira aventura da Pixar a ter uma mulher como protagonista. Sinal dos tempos cujo paralelo está no roteiro. 


A jovem princesa Mérida se recusa a seguir as convenções reais tradicionais: não gosta da vida encastelada cheia de regalias e não quer ser treinada para ser apenas a esposa de algum nobre bobão. Seu sonho é ser arqueira e é por ele que a princesinha irá virar o reino de pernas para o ar, ameaçando até a coroa de seu pai, o rei Fergus. Kelly MacDonald (de Boardwalk Empire) empresta voz e sotaque (a história se passa na Escócia, terra natal da atriz) à Mérida, mas, claro, você só a ouvirá quando alugar o DVD (ou assistindo ao trailer abaixo). Já é apontado com favorito ao Oscar de Animação em 2013.




13 ASSASSINOS – Takashi Miike é um diretor que não admite meio termo: ou se ama ou se odeia. E há uma legião de fãs seus que vai querer conferir nos cinemas essa nova empreitada, uma trama de vingança passada no Japão feudal.




Tem a violência habitual dos filmes de Miike, mas com embalagem de luxo (aqui ele teve dinheiro para fazer um filme de primeira em vez daquelas fitinhas aceleradas que lhe deram fama). Mostrando que a praga é global, esta é uma refilmagem de uma fita japonesa homônima de 1963. Como o original nunca passou aqui (mas quer apostar que logo vai sair em DVD?), aproveite.




CHERNOBYL – A distribuidora resolveu excluir o dispensável subtítulo com que esta modesta produção foi exibida nas pré-estréias (“Sinta a radiação”). Fez bem, porque ele já entregava o segredo desse filme, mais suspense do que terror, cuja premissa é até original.







Grupo de jovens americanos resolve fazer turismo pelas ruínas da cidade desativada de Chernobyl, palco do acidente radioativo em 1986. Lá, acabam surpreendidos por estranhas criaturas que... Dá para passar o tempo, há coisas bem piores no gênero. Produzido por Oran Peli, o nome por trás de Atividade paranormal. Sérvia e Hungria se passam por Chernobyl.




ELLES – O francês da semana traz Juliette Binoche no papel de uma jornalista que investiga uma rede de prostituição estudantil.




Os segredos que vai descobrindo acabam por interferir aos poucos em seu cotidiano. Muito elogiado por quem o assistiu nas pré-estréias, tem uma estrutura narrativa complexa, que pede um espectador atento. Vale uma conferida dupla, pela história e para ver Binoche linda no esplendor de seus quase 50 anos.




ATÉ A ETERNIDADE – Mais um exercício na direção do ator e roteirista Guillaume Canet, mais conhecido por suas atuações em A praia e Cães da noite. Uma trama caleidoscópica acompanha um grupo de amigos que resolve prosseguir viagem mesmo após um deles se acidentar e parar no hospital. Veja se gostar do ator e se tiver muito tempo, porque o filme tem três horas de duração.


MENOS QUE NADA – Carlos Gerbase foi incensado pela crítica em seu filme de estréia, Tolerância. Mas não tiveram paciência com seus trabalhos seguintes, Sal de prata e 3 efes. Aqui ele retorna com a história de um interno em um hospital psiquiátrico que desperta a atenção de uma jovem residente. Atenção para Rosane Mullholand no elenco.

domingo, 8 de julho de 2012

A pérola da Geórgia


Às vezes, um filme vindo dos lugares mais improváveis pega o espectador pelo tornozelo e dá um banho de bálsamo nas nossas retinas tão fatigadas de mesmice, por mais experiência cinéfila que tenhamos. Este Acalanto é uma produção oriunda da Geórgia que nunca esteve nem perto de chegar ao Brasil, e é apenas graças à internet que podemos descobrir essa pequena jóia que, de outra forma, permaneceria na ignorância do público.

A Geórgia é uma ex-república soviética que adquiriu sua independência política no começo dos anos 90. Nunca teve tradição no cinema, ao contrário da antiga União Soviética, que deixou um legado importante para a Sétima Arte, com diretores consagrados (basta citar Einsenstein) e prêmios conquistados em festivais pelo mundo, incluindo o Oscar de Filme Estrangeiro. Mesmo assim, na única vez em que uma produção daquele país chegou aqui, colheu críticas favoráveis. Em 2002, Os 27 beijos perdidos foi exibido no circuito alternativo da cidade (você pode conhecê-lo na edição em DVD, lançado pela falida Europa). Fora isso, nem no Festival do Rio.

A história de Acalanto é tão simples quanto sua estrutura narrativa. Uma abastada família da aristocracia georgiana vive feliz em sua mansão, no que parece ser uma área rural do país. Os jovens pais passam o dia brincando com a pequena Keto, de 4 anos, que recebe esporadicamente a visita do avô. Tudo corre muito bem, até o dia em que o casal aceita abrigar uma dupla de mendigos andarilhos em seus aposentos. Eles passam a noite na casa e, no dia seguinte, seqüestram a criança, levando junto a alegria do lugar. Dez anos depois, Keto reaparece, mas não se lembra dos pais nem de qualquer coisa que a ligue a suas raízes. Mas a família ainda terá uma última surpresa.

O espectador precisa ter em conta que assistirá a um filme completamente diferente do que a sinopse deixa sugerido. Apesar de a história ser exatamente como resumida, ela se desenvolve em um ritmo próprio, com poucos diálogos (alguns não traduzidos, mas nada que atrapalhe a compreensão) e um visual que a aproxima por vezes de uma fábula. A extrema simplicidade da produção pode mesmo irritar o espectador comum, pouco afeito a um tipo de cinema que não se encontra na esquina; o resultado, porém, é arrebatador. Há detalhes técnicos riquíssimos, como a bela fotografia que valoriza tanto os exteriores coalhados de luz outonal quanto os interiores escurecidos e austeros. As locações são de extrema beleza. Atenção para a música, que é doce, melodiosa, pode grudar no ouvido de quem a ouve, mas está longe de ser aquela coisa chata e repetitiva.

Quando me criticam de ser incoerente, de condenar o comércio de DVDs piratas e apoiar o download de filmes pela internet, rebato dizendo que no segundo caso trata-se de difusão cultural. Vejam que esta é uma produção de 1994, ou seja, são quase duas décadas de criminosa ignorância para a existência desse filme. De que outra forma poderíamos conhecê-lo? De que outra forma nos seria possível encantarmo-nos com tanta beleza? Acalanto é um desses grandes filmes que são feitos ao redor do mundo que só chegam aqui graças à troca de arquivos pela rede.

Só não revelo o nome do site que o torna disponível porque já assumi essa postura, deixo a critério de cada interessado procurar. Mas vale a caçada: é altamente compensador. E um prêmio para os cinéfilos mais inquietos. 

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Farei uma rápida viagem na próxima quarta-feira e, combinado a ela, deixarei meu equipamento aos cuidados de um técnico para atualizações e demais reparos necessários. Como não tenho garantia de conseguir acesso à rede nos próximos dias, informo aos eventuais leitores deste espaço que não haverá atualizações durante o período. Se tudo correr bem, volto no dia 19 de julho, com as fritas no cardápio.  Conto com vossa compreensão. 

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Fritas no cardápio - de 6 a 12 de julho


O ESPETACULAR HOMEM-ARANHA – Esqueça a trilogia dirigida por Sam Raimi. Esqueça tudo o que você viu até agora. Nunca existiu. Aqui a história é recontada desde o começo, mostrando tudo aquilo que já vimos nos filmes anteriores.



A pergunta é: precisava disso? Hollywood consegue a proeza de refazer um filme ainda recente (a primeira história é de 2002), só para manter acesa a chama do personagem e, claro, faturar alguns trocados, já que a indústria não pode morrer. E quando a crise econômica ameaça invadir as salas de cinema, o que fazer? Reciclar personagens, ou até franquias, para tentar salvar o ano. Deixar a inteligência de lado, afinal, no cinema como no mundo real, inovação e inspiração nunca levam a lugar algum. Antes que me acusem de chato, explico. Não havia necessidade de refazer a saga do Homem-Aranha. A trilogia (que já era excessiva, dois filmes já se bastavam) alcançou a rara condição de blockbuster elevado à categoria de arte, graças ao talento dos envolvidos, em especial Sam Raimi, um mestre na direção. Até quando a indústria vai continuar requentando histórias?

Andrew Garfield e Emma Stone (o único real motivo para se ver a fita) dão vida aos personagens antes defendidos por Tobey Maguire e Kirsten Dunst. A direção também trocou de mãos e passou para Mark Webb, o talentoso realizador de 500 dias com ela, que trabalha pela primeira vez com um grande orçamento em seu batismo de fogo. A essência da história também foi alterada e ganhou um tom mais adolescente, deixando de lado as inquietações existenciais de Peter Parker que impulsionaram a força dos roteiros passados. Tudo de olho na platéia espinhenta que certamente lotará salas e fará a alegria de Hollywood. Ainda no elenco, o esquecido C. Thomas Howell e ponta de Stan Lee.



  
HISTÓRIAS QUE SÓ EXISTEM QUANDO LEMBRADAS – Em uma cidade fantasma do Vale do Paraíba, a rotina de uma padeira, uma das últimas moradoras do lugar, é abalada pela chegada de uma jovem fotógrafa. No rastro do Femina, festival internacional de filmes dirigidos por mulheres (um dos absurdos criados pela ditadura do novo feminismo – afinal, cinema é arte e arte não tem sexo, há boas e más diretoras, tanto quanto diretores! Para que um festival só para elas?), chega esta coprodução entre Brasil, Argentina e França. O roteiro é inspirado no realismo fantástico de García Márquez e Juan Rulfo, ou seja, só por isso já vale uma conferida atenta. Chega referendado por uma penca de prêmios em festivais internacionais. Júlia Murat é filha de Lúcia e faz sua estréia na direção de longas.




 A GUERRA DOS BOTÕES – A prova de que a crise de criatividade é global é esta quarta versão do romance clássico de Louis Pergaud, já adaptado em 1937 (por Jacques Daroy), 1962 (por Yves Robert) e 1994 (norte-americana, por John Roberts). Esta aqui é de Yann Samuell, de Ironias do amor e Com amor, da idade da razão.

Assim, a história já é bem conhecida. Em uma pequena cidade do interior francês, meninos travam uma guerrinha de brincadeira em que os vencedores levam como troféu botões da roupa dos derrotados. Vá a uma locadora e procure a segunda versão, a melhor e mais famosa (capa acima). Depois, confira as mudanças feitas para esta aqui.





BEAUFORT – Com cinco anos de atraso (!) chega às salas este drama de guerra rodado em Israel e que foi indicado ao Oscar de Filme Estrangeiro em 2008. Demorou tanto que já chegou a ser exibido várias vezes pela TV a cabo. Na verdade, seria melhor defini-lo como uma guerra de drama, já que o roteiro se concentra na psicologia dos personagens e esquece a ação. O todo é algo cansativo. Não vale o ingresso. Espere por uma reprise na TV a cabo.





segunda-feira, 2 de julho de 2012

Eu sou vingativa porque o mundo me fez assim


Há algum tempo, escrevi sobre o filme Sedução e vingança, de Abel Ferrara, em que uma jovem muda era violentada duas vezes no mesmo dia, matava o segundo marginal e virava uma justiceira urbana. É possível encontrar semelhanças entre este e outro filme, que nunca foi lançado no Brasil e é mais conhecido pelo público que curte cinema extremo e alternativo. Mais falado do que visto, Thriller – Um filme cruel é um competente exemplar do subgênero sexploitation que se tornou lendário e serviu de referência para muita gente.

O cartaz do filme já indica a força de sua influência. Uma mulher usando tapa-olho empunhando uma espingarda, em pose de ataque. A imagem lembra a assassina de Kill Bill, do Tarantino. O diretor confessou que se inspirou nela para compor a personagem de seu filme. Esta produção sueca de 1974 oferece mais do que uma simples trama de vingança. Trata da necessidade de uma mulher se reinventar para continuar vivendo, mesmo que para isso precise contrariar sua natureza.

A vida de Frigga foi marcada pela crueldade desde a infância. Quando ainda criança, foi abusada sexualmente por um velho pervertido com quem brincava em um bosque. O trauma a fez perder a voz. Alguns anos depois, já adolescente, ela vive no meio rural, sem muitas perspectivas.

Um dia, conhece um homem charmoso que a convida para jantar, sem desconfiar que ele seja um cafetão. Quando percebe o que está acontecendo, é tarde. Já está sendo mantida dopada e trancada na casa dele. É obrigada a mudar de nome (para Madeleine) e a se prostituir.

Tenta fugir, mas o malvado enfia-lhe uma faca no olho, deixando-a cega da vista esquerda (a cena é mostrada em um close angustiante), razão pela qual Frigga passa a usar um tapa-olho. Ela aproveita as horas vagas para aprender tiro, direção e técnicas militares, elementos que utilizará em sua vingança.

São essas horas vagas que me soam incoerentes no roteiro. Afinal, Frigga tem a liberdade de sair uma vez por semana do local, pode muito bem avisar a polícia ou simplesmente fugir! Por que não faz isso? Porque essa falha é compensada pela sólida construção psicológica da personagem. Frigga é uma figura que parece carregar o sofrimento no sangue. Abusada quando criança, tentou resguardar-se do mundo sórdido e levar sua vidinha entre seus bichinhos e cultivos, mas seu destino é sofrer. Quando se confronta com uma realidade sem alternativas, tendo somente a heroína como companheira, sente pulsar a necessidade da sobrevivência. A vingança da jovem não ecoa somente uma justiça que se faça ainda que por linhas tortas; é seu grito de socorro, sua prova de humanidade em meio à devassidão de um mundo que lhe é indiferente e violento. Para se manter viva, humana, Frigga, já transfigurada em outra pessoa (Madeleine) pela imposição das circunstâncias, precisa extirpar o mal que a ameaça, que corrói sua sanidade. Por isso, a opção da fuga é um paliativo, não uma solução. Apenas com a eliminação total de seus algozes é que encontrará a paz de espírito e conseguirá se reconciliar consigo mesma. Não será feliz, decerto. E no lugar da jovem inocente que era, há agora uma mulher brutalizada e endurecida. Mas a ordem de seu mundo estará restaurada. E é nessa reconfiguração de sua realidade que Frigga poderá reencontrar sua essência.

Se o roteiro permite tal riqueza de interpretação, alguns aspectos técnicos também chamam a atenção do espectador. As cenas de lutas e assassinatos são mostradas em câmera lenta, conferindo uma estranha beleza visual a essas seqüências. A montagem garante a fluência da narrativa, que pode parecer lenta no começo, mas se impõe no ritmo certo, alicerçando a construção da personalidade de Frigga / Madeleine. Há rápidas cenas de sexo explícito (sempre lembrando que a Suécia foi o primeiro país do mundo a liberar a pornografia), mas nada especialmente chocante ou fora de contexto.

Quem assina a direção é Alex Fridolinski, pseudônimo utilizado por Bo Arne Vibenius, provavelmente para tentar obter maior visibilidade internacional para o filme (o mesmo artifício era usado por cineastas e astros italianos do western-spaghetti, ou seja, epítetos americanizados para facilitar a aceitação do mercado externo). O vigor que mostra na condução do elenco é a prova de que foi bom aluno: começou no cinema trabalhando com ninguém menos que Ingmar Bergman como diretor assistente em Persona – Quando duas mulheres pecam (1966) e depois diretor de unidade de A hora do lobo (1968). Em 1969, rodou seu primeiro filme, a comédia familiar Hur Marie träffade Fredrik. Thriller – Um filme cruel (em que faz uma ponta não creditada) foi seu segundo longa. Encerrou a carreira no ano seguinte, em 1975, quando realizou, também com pseudônimo, Breaking point – Um thriller pornográfico. Entre 1976 e 1983, fez trabalhos esporádicos como coordenador de produção de filmes locais menores.

Um currículo raquítico se comparado ao de sua estrela, a bela Christina Lindberg, que virou musa alternativa nos anos 70, período em que rodou a maioria de seus trabalhos como atriz, muitos eróticos. Depois, afastou-se do cinema. Fez uma participação no filme Cry for revenge, deste ano (não lançado no Brasil), sua única experiência em Hollywood.

Um filme de trama e imagens fortes, mas, a seu modo, estranhamente belo. E triste.