quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Pílulas do Festival do Rio 2014 - Pré-semana

Quando esta coluna estiver entrando no ar, o Festival do Rio já vai ter começado. Literalmente. Vários títulos em exibição estão disponíveis na rede há meses para quem quiser procurar. Já escrevi aqui o que penso a respeito do compartilhamento de arquivos pela internet, mas nunca é demais repetir. Uma coisa é baixar um filme que acabou de entrar em cartaz, é deixar de ir ao cinema para assisti-lo em casa. Outra bem diferente é ter acesso a um filme que nunca foi lançado por aqui e dificilmente será. Não se trata de justificar o condenável, mas de reconhecer a importância desse tipo de prática.

Acaba sendo uma vantagem, já que abre mais o leque de filmes vistos ao longo do evento. Além disso, com tantas falhas de organização, tanto descaso com quem gasta dinheiro comprando os passaportes (todo ano dá algum problema), não deixa de ser uma pequena "vingança". Afinal, se eles não se importam em oferecer um serviço decente, também não devem reclamar se optarmos por vermos os filmes de outra forma. 

Abaixo, o que já vi antes de o festival começar.

O CIÚME - Garrel filma a mesma história de amor de sempre, cozinhada em banho-maria por personagens frágeis, que se escoram uns nos outros para disfarçar seu vazio interior. Mais do mesmo. Nem a fotografia em preto e branco tem algum destaque. Mas é bastante curto e, se não empolga, também não chega a aborrecer. * *

SÉTIMO - Exercício de suspense que funciona na maior parte do tempo, mostrando a busca desesperada de um pai pelos filhos que desaparecem enquanto descem as escadas do prédio onde moram. O roteiro se prolonga um pouco além do necessário e apresenta uma explicação meio frouxa para a motivação do caso. Ricardo Darín está bem, mas nada de excepcional. Osvaldo Santoro, que faz Rosales, é a cara do técnico espanhol Vicente Del Bosque! * *

GOD HELP THE GIRL - Garota escocesa tenta superar seu desequilíbrio emocional escrevendo músicas, artifício que a faz ter nova perspectiva de vida. Conhece um casal e tentam formar uma banda. A dura realidade em que ela vive tem seus momentos de escapismo nos números musicais, quase uma homenagem/referência aos anos dourados do gênero. O problema é que o roteiro não tira o pé do concreto, não cria delírios audiovisuais que permitam também ao espectador experimentar aquele alívio fantasista tão comum a esse tipo de filme. Culpa, talvez, da pouca experiência do diretor, Stuart Murdoch, líder do grupo Belle & Sebastian, em sua estréia como realizador (não é por acaso que há tantas músicas da banda na trilha sonora). Essa indefinição narrativa compromete uma história que tem qualidades: locações fotogênicas, figurinos inspirados, diálogos inusitados, alguns beirando o nonsense. Mas Murdoch mostra certa criatividade na condução da história. As canções são muito agradáveis, embora nenhuma seja memorável. Emily Browning (Beleza adormecida), em mais uma tentativa de  mostrar versatilidade, se sai melhor cantando do que atuando. * *

MATAR UM HOMEM - Revoltado com a leniência judicial, um pacato cidadão caça o arruaceiro que ameaça sua família. Quase uma versão chilena de Desejo de matar, com a sempre questionável defesa da justiça pelas próprias mãos como única ferramenta de equilíbrio social e solução para a criminalidade urbana. Também notei ecos do mais recente (e igualmente latino) Depois de Lúcia, exibido há dois anos. Seco e direto, com boa atuação de Daniel Candía, cujo protagonista vai se brutalizando aos poucos por força das necessidades. Baseado em fatos reais, o que torna tudo mais assustador. * * *

JORNADA AO OESTE - Poema visual assinado por Tsai Ming Liang, que nunca foi um diretor fácil e aqui testa todos os limites da platéia. O close inicial em um Denis Lavant estático, por exemplo, dura quase sete minutos. Como o público do cinema vai reagir a isso? Em ritmo lento e com imagens contemplativas, opondo os aspectos espiritual e físico do mundo atual, convida o espectador a refletir sobre a condição humana na sociedade contemporânea. Belo e com simbolismos visuais poderosos. Mas tem pinta de ser o maior espantalho do festival. * * *

BELLE E SEBASTIEN - Belle é uma cadela vira-lata adotada pelo menino Sebastien. A ação transcorre nos Alpes franceses em julho de 1943, época da II Guerra Mundial e do avanço nazista na região. Mais um produto do subgênero "menino-e-bichinho", tem locações deslumbrantes, mas um roteiro que não consegue definir seu público: é aborrecido para os adultos e um tanto pesado para as crianças. Bonita a canção-tema e boa presença do veterano Tchéky Karyo, como o avô. * *

IDA - Mais uma pequena surpresa vinda da Polônia, país cuja filmografia recente tem se mostrado muito interessante e que merece atenção. Com um rigor narrativo absurdo, apresenta um bom debate entre fé e vida mundana, mas oferece algumas propostas visuais estranhas, com personagens escondidos na parte inferior da tela ou cortados da cena. * * *

FRANK - Jovem consegue vaga de tecladista em uma banda obscura, cujo líder usa uma cabeça falsa (!), a qual nunca tira (!!). Humor absurdo e boas piadas que satirizam o universo musical, com o misterioso Frank (defendido por Michael Fassbender) sintetizando todas as excentricidades comuns aos astros do pop e rock. Mas o roteiro tem contornos sombrios e, por vezes, perturbadores. Quem superar a estranheza da situação central vai se divertir. * * * 

COLD IN JULY (que antipatia desses títulos não traduzidos!) - Apesar de o roteiro seguir fielmente a cartilha de um bom policial, com minúcias investigativas, reviravoltas e pistas falsas, a história nunca chega a envolver o espectador. Também prejudicado por um final fraco. A sina de Michael C. Hall (o eterno Dexter) parece que é mesmo matar! * *

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

O cinema uniu dois corações

Sombras elétricas (2004)
O Festival do Rio começa no próximo dia 24 e segue até 8 de outubro. Como nos dois últimos anos, o CineComFritas fará uma cobertura especial do evento e publicarei aqui breves resenhas críticas dos filmes a que eu assistir. Este ano o calendário do festival teve de ser ajustado às novas datas comerciais das salas de cinema do país, ou seja, começa em uma quinta-feira (quarta-feira para os convidados; o filme de abertura é O sal da terra, documentário de Wim Wenders sobre o fotógrafo Sebastião Salgado) e termina em uma quarta-feira, para que as distribuidoras mantenham inalterado seu cronograma de lançamentos.

Este será meu décimo terceiro Festival do Rio. Ao longo de todos esses anos, já vi muita coisa boa, muita coisa ruim; já vi filmes que depois se consagraram no circuito, outros que foram massacrados pela crítica quando de sua estréia. Mas o grande barato do festival é mesmo a chance de descobrir tanto novos diretores quanto algum filme que, por motivos diversos, termina restrito ao evento e nunca é lançado no país, posteriormente. Todo mundo que freqüenta o festival tem uma história dessa para contar, de uma pérola peneirada em meio à vasta programação. Comigo já aconteceu algumas vezes. E como os títulos em questão permanecem inéditos por aqui, tenho o prazer cinéfilo de dizer: "Eu estava lá. Eu vi".

Uma dessas descobertas se deu em 2007. Naquele ano, a China foi homenageada com duas mostras: uma de clássicos, outra de produções mais recentes. Desta segunda, escolhi ver um filme chamado Sombras elétricas. Foi talvez a maior jóia que já vi em qualquer edição do festival até hoje. Uma pequena obra sensível e que consegue o máximo com seus poucos recursos cênicos. Foi a estréia da diretora Jiang Xiao, que depois só rodou mais uma fita, Pk.com.cn (também nunca lançado aqui). A história é sobre um jovem que trabalha como entregador de água e é apaixonado por filmes. Um dia, ele sofre um acidente com sua bicicleta e ainda leva uma tijolada de uma desconhecida que passava pelo local. Depois de liberado pelos médicos, ele recebe a incumbência de cuidar dos peixinhos da garota e descobre um pequeno cinema na casa dela, com tela, assentos e paredes decoradas com fotos de estrelas da sétima arte. E também uma espécie de diário, em que descobre que suas vidas estão ligadas desde a infância.

Sentimentos unidos por uma paixão.
A partir daí, é preparar o espírito e se deixar embarcar nessa viagem mágica que constrói, com evidentes ecos de Cinema Paradiso, uma história muito humana, delicada, engraçada, que, embora vá comover a todos, tem um apelo especial para quem é cinéfilo. Basta dizer que o cinema funciona como pano de fundo para todos os acontecimentos da vida dos dois personagens. É como uma força viva, que atua da forma mais inesperada no destino das pessoas e influi nas escolhas que fazemos. São exibidos rápidos trechos de produções antigas (a maior parte da ação se passa nos anos 60, época da Revolução Cultural Chinesa), que conferem à narrativa um encanto a mais. 

Dentre eles, dois destaques: um filme albanês, Vitória sobre a morte, e outro oriental, Guerrilheiros da ferrovia, que mostra um espetacular choque de trens, ainda impressionante nos dias de hoje. Alguns espectadores podem se emocionar e até chegar às lágrimas, mas é um choro gostoso, de lavar a alma. Um filme belíssimo, que merecia entrar em circuito ou, no mínimo, sair em DVD. Infelizmente, nunca mais deu as caras por aqui. Curiosidade metalingüística involuntária: um dos filmes exibidos dentro de Sombras elétricas é Anjo das ruas, que também foi apresentado naquela edição, na outra mostra, a de clássicos, e igualmente desconhecido por aqui (e que eu também vi).

Qual será a grande descoberta do festival este ano? Saberemos nas próximas três colunas especiais.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Reflexos da inocência

O menino no espelho (2013)
Este era o filme brasileiro mais aguardado por mim este ano. Mesmo assim, fui ver O menino no espelho já temendo um desastre. Não é difícil adaptar Fernando Sabino, mas quando a gente gosta muito de um autor ou de uma obra, fica por natural excessivamente crítico em relação a qualquer adaptação que se faça. E tive uma surpresa.

O filme me agradou bastante, em que pese algumas liberdades narrativas tomadas pelo diretor Guilherme Fiúza Zenha (o último nome deve ter sido assumido para diferenciar do jornalista homônimo), mineiro como Fernando. Ele não levou o livro ao pé da letra, mas soube extrair a essência da história e criou uma obra capaz de dialogar com o texto, de certa forma ampliando o universo imaginado pelo escritor.

O romance é uma recriação ficcional da infância do autor, vivida na então pequena Belo Horizonte do começo dos anos 30. Nele, Sabino relembra fatos verdadeiros de seus tempos de menino, mas temperados com fartas doses de fantasia e imaginação, concedendo-lhes uma certa aura de aventura tão típica do universo infantil. O roteiro, escrito em parceria por Zenha, Cristiano Abud e André Carreira, abandona a estrutura episódica do texto e prefere apostar em uma narrativa mais linear. Funciona, embora o filme deixe no fim a impressão de estar algo incompleto, de que alguma coisa ficou de fora ou terminou sem solução.

Maluquinho é o outro! Favor não confundir.
Um dos grandes acertos do projeto foi a escalação de Lino Facioli no papel principal. Talentoso, o menino atua de forma bastante espontânea, interpretando uma criança de verdade, não um pequeno adulto como costumamos ver no cinema recente. Ele foi descoberto na série Game of Thrones, na qual interpreta o papel de Robin Arryn; tem alguns curtas em seu ainda pequeno currículo e esta é sua estréia em uma produção nacional, com grande potencial de fazer uma bela carreira, tanto aqui quanto lá fora mora em Londres há dez anos (está com 14). Aliás, todo o elenco infantil é muito bom, conseguindo uma química fundamental para que a história não só caminhe bem, mas também agrade ao público adulto, que se diverte com as estripulias da turminha sem se cansar ou se aborrecer.

Já o elenco adulto parece estar apenas enchendo cota, porque tem muito pouco a fazer. Mateus Solano e Regiane Alves são os pais do menino e em nada interferem no andamento, mal ocupam espaço na tela. Ele ainda tem algumas cenas em que transmite sua autoridade paterna em discursos moralizantes, mas Regiane, coitada, mal tem falas, um desperdício! Ricardo Blat é o oficial Pepe Vieira, chefe do núcleo local dos integralistas o roteiro cria boas piadas com o movimento, que infelizmente passarão despercebidas por grande parte do público, afinal, quem hoje se lembra ou sabe o que foi o Integralismo?

Quem não sonharia com uma prima assim?
Boa presença também de Laura Neiva, a prima adolescente que chega de São Paulo para passar uns dias com os tios. É ela quem inicia Fernando na arte do cinema, primeiro burlando a vigilância para assistirem a O anjo azul, que era proibido para crianças, e depois levando-o para ver Maridinho de luxo, ótima e esquecida comédia nacional dirigida por Luiz de Barros. Também é dela a cena mais bonita do filme. Depois de verem o clássico drama de Sternberg, ela aparece em um sonho do menino imitando Marlene Dietrich, uma visão equilibrada entre a poesia de uma admiração inocente e os primeiros impulsos sexuais.

Faço ressalvas quanto ao som. Deficiente, muito baixo, praticamente inaudível em algumas cenas, prejudicando a audição dos diálogos. Felizmente, o filme não precisa de muita conversa para ser compreendido em sua totalidade, e nenhum segredo fundamental se perde nessas horas. Essa falha é compensada pela boa recriação de época (locações em Cataguases, que ainda conserva traços urbanísticos próximos à BH dos anos 30), com destaque também para a cenografia de todos os ambientes.

Normalmente sou chato para adaptações literárias; esta, porém, credito como uma das melhores. Ao contrário de O grande mentecapto, O menino no espelho faz justiça à obra original e promove mudanças que a valorizam, em vez de subtrair sua força essencial. Um belo tributo à memória de Fernando Sabino.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Séries Fritas – Arrow

ARROW
Onde e quando: Warner, segunda-feira e terça-feira, 22h25; sábado, 11h50; domingo, 12h (a confirmar; o canal muda a programação a seu bel-prazer).
Elenco: Stephen Amell, Katie Cassidy, David Ramsey, Willa Holland, Colton Raynes, Emily Bett Rickards, Paul Blackthorne.
Sinopse: O Arqueiro Verde é a identidade secreta do milionário Oliver Queen, que combate o crime nas noites de Sterling City.


Comentários: Não é só no cinema que os super-heróis fazem sucesso. Prova disso é esta segunda temporada desse personagem surgido nas páginas da DC Comics nos anos 40 e que entre nós ficou conhecido como Arqueiro Verde. Não sou grande conhecedor do universo dos quadrinhos, mas, até onde sei, nunca foi dos mais populares. Foi, portanto, uma aposta arriscada de Greg Berlanti, diretor de Juntos pelo acaso e produtor de Lanterna Verde, de levá-lo para a TV, mas funcionou tanto que uma terceira leva de episódios já foi confirmada. Achei a primeira temporada apenas regular, presa a um esquematismo incômodo, com pouca variação nos roteiros. Mas isso talvez fosse necessário para dar ao público a chance de conhecer o herói e suas motivações. Sua origem é explicada logo no início. O milionário Oliver Queen sai para passear de iate com sua amante, Sara Lance, mas sofrem um acidente; ela é dada como morta e ele acaba em uma ilha (sempre tem uma ilha!), na qual passa cinco anos prisioneiro. Consegue fugir e assume a identidade secreta do Arqueiro Verde, ou Capuz, ou, como passa a ser chamado nessa segunda temporada, Vigilante. Toca seus negócios durante o dia e, à noite, combate o crime na cidade, seguindo uma lista de inimigos deixada pelo falecido pai. Nessa nova temporada, a estrutura narrativa da série ganha dinamismo e abre outras alternativas para o herói, bem como desenvolve melhor o universo em que ele orbita. Se na primeira temporada cada história era fechada em si mesma, sempre de uma forma monocórdia o tripé crime-perseguição-resolução , agora surgem vilões mais elaborados, ao mesmo tempo em que a vida pessoal de Queen ganha contornos mais dramáticos. Primeiro, tem de lidar com o julgamento da mãe (prefiro não revelar detalhes); depois, tenta se reaproximar de sua ex-namorada, a jornalista Laurel, irmã de Sara, enquanto se sente atraído por sua ajudante nerd, Felicity, uma das poucas pessoas que conhecem sua identidade secreta a outra é Diggle, segurança da família, agora promovido a seu braço-direito. Os ajustes feitos para essa segunda temporada melhoraram bastante o clima geral. Os roteiros são mais estruturados, apoiando a ação em motivações consistentes, abrindo espaço para algumas doses de romance e humor. Gosto das nuances esverdeadas da fotografia noturna, conferindo uma identidade visual própria à série. Não dá para dizer que é exatamente uma revelação, porque já conta pouco mais de 30 créditos na carreira, a maioria na TV (esteve em Hung e Private practice), mas Amell encarna o Arqueiro com talento e vibração, candidatando-se a futuro astro de fitas de aventura. Curiosidade: uma nova série do herói The Flash foi originada a partir de um dos episódios dessa segunda temporada.


Por que ver? É uma ótima escolha para fãs de filmes de super-heróis, mantém o interesse o tempo todo e agrada nas cenas de ação. Bom elenco e ganchos bem-bolados.
Por que não ver? Quem não viu a primeira temporada pode não se interessar. Os episódios inéditos só passam dublados e as reprises, quando acontecem, são poucas e em horários ruins.