quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Os melhores filmes nacionais da década

Quem acompanha este espaço já percebeu que eu adoro uma lista. Não resisto mesmo! Seja para me servir de referência ou para comparar com minhas próprias preferências em determinado assunto. E o Segundo Caderno do jornal O Globo me forneceu mais munição no último domingo (13/12), ao publicar uma lista com os dez melhores filmes brasileiros da década que vem chegando ao fim. O júri foi formado por críticos de cinema e jornalistas da área cultural, entre eles Artur Dapieve, Marcelo Janot e Rodrigo Fonseca. O resultado final foi um interessante painel que resume bem o que de melhor se fez no Brasil nessa primeira dezena de anos do novo século.

O primeiro colocado, claro, foi Cidade de Deus (2002), que abriu as portas de uma carreira internacional para Fernando Meirelles e se tornou o filme brasileiro mais visto e comentado no exterior desde Pixote – a lei do mais fraco (1981). Entre os outros nove classificados, três são documentários: Edifício Master (2001), de Eduardo Coutinho, que terminou em segundo, Ônibus 174 (2001), de José Padilha, que fecha a lista, e ainda Serras de desordem (2003), de Andrea Tonacci, que, embora seja essencialmente documental, insere trechos ficcionais interpretados pelos próprios personagens da história que narra, a devastação de uma tribo indígena e a busca pelas origens do único sobrevivente. É também o único filme da dezena que não existe em DVD (alô, distribuidoras!), mas é exibido com freqüência na TV Brasil. Completam a relação de melhores da década: Tropa de elite (2007), também de Padilha – o único diretor a emplacar dois filmes na seleção – ; O invasor (2003), de Beto Brant; Cinema, aspirinas e urubus (2005), de Marcelo Gomes; Estômago (2007), de Marcos Jorge; O cheiro do ralo (2006), de Heitor Dhalia; e Lavoura arcaica (2001), de Luiz Fernando Carvalho.

Bem eclético, como se vê. Além destes, outros 42 filmes brasileiros lançados entre 2000 e 2009 foram lembrados, e o que me chama a atenção aqui é a ausência de alguns títulos que muitos dariam como certos em qualquer listagem do tipo. Por exemplo: Cidade baixa (2005), de Sérgio Machado, festivamente saudado quando de seu lançamento, vencedor do Troféu Redentor do Festival do Rio, eleito um dos dez melhores filmes daquele ano, foi apenas mencionado, terminando fora da seleção final. Será que não era tão bom assim? O mesmo aconteceu com Linha de passe (2007), de Walter Salles e Daniela Thomas, quase uma unanimidade entre os críticos, que, no entanto, preferiram “esquecer” a obra que ganhou prêmio de interpretação em Cannes (Melhor Atriz para Sandra Corveloni). Mais impressionante foi o esquecimento total relegado a O ano em que meus pais saíram de férias, que sequer foi citado! O grande vencedor do Grande Prêmio Brasil de Cinema não foi lembrado por nenhum dos jurados, provando que, quem sabe, não devia mesmo ser tão genial assim (e não é mesmo, trata-se de um filme bonito e sensível, mas longe de ser a obra-prima que muitos apregoaram na ocasião). Em compensação, houve quem votasse em Crime delicado, também de Beto Brant ,do qual, particularmente, tenho horror, não só pela proposta estética radical – e, a meu ver, errada – , mas sobretudo por desvirtuar completamente o romance original de Sérgio Sant’Anna. Lembraram também de obras bobinhas, como Houve uma vez dois verões e O homem que copiava, que, incensados à época do lançamento, não resistiram ao tempo, da mesma forma como não resistem a um revisão.

Não sei se Cidade de Deus é mesmo o melhor filme brasileiro da década. Não vou me animar a fazer uma lista semelhante. Em primeiro lugar, acho que ela está bem elaborada, bem representativa do que de melhor se fez no cinema nacional nesses dez anos. Em segundo lugar, as mudanças ocasionais seriam poucas. Eu tiraria Cinema, aspirinas e urubus (não gosto, acho um filme superestimado) e Lavoura arcaica (um filme belíssimo esteticamente, mas que se perde em seus excessos). No lugar, incluiria talvez O céu de Suely (terminou apenas entre os outros mais lembrados) e Simonal – ninguém sabe o duro que dei, uma verdadeira aula de documentário, e que também foi esquecido pelos votantes, não aparece nem entre os 50 melhores! Mas listas estão longe de serem perfeitas e, no final, servem para isso mesmo: gerar discussão. Ficou também uma curiosidade: muitos filmes de caráter mais popular, que contaram com grande divulgação na mídia, acabaram esquecidos e sequer foram citados pelos jurados. Casos de 2 filhos de Francisco, Meu nome não é Johnny, Os desafinados, Batismo de sangue e Cazuza - o tempo não pára, em que pese a inegável qualidade de alguns deles. Será que, daqui a dez anos, alguém vai se lembrar de Lula, o filho do Brasil?

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Com a proximidade das festas de final de ano, e a certeza de que grande parte das pessoas está com a cabeça nos panetones (não aqueles de Brasília) e nos foguetórios que anunciam o raiar de um novo ano, este blog dá um descanso, agradecendo a todos que o prestigiaram e por aqui passaram desde abril. Obrigado aos, creio, fiéis seguidores e eventuais leitores pela companhia. Volto no dia 6 de janeiro. Boas festas a todos!

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Clube dos pervertidos

John Waters é um dos raros cineastas que têm a coragem de criticar abertamente a hipocrisia e a falsa moralidade que encapam a sociedade norte-americana. E, a julgar por seus trabalhos, a cidade de Baltimore (onde se passam todas as suas histórias) é um antro de esquisitice e devassidão, habitada por um bando de tarados e desajustados. É a impressão que passa a quem assiste a Clube dos pervertidos, última e destruidora incursão do papa do cinema trash-alternativo, praticamente recuperando o fôlego do "bom e velho John" que não se via há muitos anos.
O diretor tem em seu currículo algumas das comédias mais insanas do cinema norte-americano, destacando-se entre elas o inqualificável Pink flamingos (1972). No entanto, desde que concebeu Mamãe é de morte (1993), parecia haver se rendido afinal ao sistema de Hollywood, abandonando seus roteiros ferinos e transgressores em nome da “decência” da indústria. Mesmo comportado, porém, ainda era possível identificar ali alguns traços contestadores típicos que fizeram sua fama. Seu filme seguinte, O preço da fama, mantinha o discurso timidamente atrevido, mas já não funcionou bem. A história parecia travada e pouco ou nada ali fazia lembrar o estilo agressivo do diretor. Será que um dos cineastas mais ousados e originais surgidos na América estaria afinal dominado pelo gosto médio dos grandes estúdios, caminhando a passos largos para a vala comum dos diretores certinhos e comerciais que tanto abundam por aí? Pois é, parecia. Com Clube dos pervertidos, no entanto, ele mostra que está mais vivo do que nunca.
Sylvia (Tracey Ullman) é uma quarentona sexualmente reprimida que vive com seu marido bem mais jovem e assanhadinho (Chris Isaak). Sua filha, Caprice (Selma Blair), que cumpre prisão domiciliar por crime contra a moral pública, é dançarina de um bar local e objeto de desejo de todos os homens da cidade por causa de seus seios gigantescos (exageradamente aumentados com silicone). Um dia, Sylvia sofre um acidente e bate com a cabeça, sendo socorrida por Ray Ray (Johnny Knoxville, o imbecil da série Jackass), um terapeuta sexual especializado em curar a frieza e a impotência das pessoas (sic). Com a transformação, Sylvia se torna uma ninfomaníaca e passa a querer transar com todos os homens que encontra, de todas as maneiras possíveis e imagináveis. Sua mãe, presidente da Liga Local Pela Decência e Bons Costumes, não se conforma com a situação e leva à filha para uma clínica de recuperação. A partir deste momento, a cidade se divide numa cruzada entre os puritanos, liderados pela velha que se escandaliza com tudo, e os liberais, representados por Ray Ray, que tem em Sylvia sua melhor publicidade.
O filme transpira a sexo por todos os poros, não livrando sequer os troncos das árvores da cidade, com seus nós desenhados de forma sugestiva nas cascas. Quando os personagens não estão fazendo sexo, estão falando em transar, e não há um único momento em que não haja uma cena envolvendo algum grau de perversão. Os puritanos “recuperados” por Ray Ray são todos carregados de taras e fetiches bizarros: um executivo que curte infantilismo, um casal que gosta de vomitar um no outro para obter prazer, um homem cujo maior prazer é defecar sem soltar descarga (e por isso é conhecido como “Bosta na privada”!) e por aí vai. Os mais engraçados, no entanto, são os amantes homossexuais que se tratam pelo apelido de “Ursos” (grandes, gordos e peludos) e formam uma grande família onde o sexo é a regra básica de convivência.
O filme é curto, mas tem um ritmo frenético, as piadas não param um minuto sequer. O humor não advém apenas das situações exageradas, mas sobretudo dos diálogos, carregados de termos chulos e grosseiros, que ficam engraçados pelo grau intrínseco de crítica que trazem em si. Afinal, Waters não tem papas na língua. Fala mesmo, deixa claras suas opções, ousa jogar na cara da conservadora e careta sociedade norte-americana o absurdo de sua falsa moral, onde guerra e violência são vistos como soluções e “afirmações” de virilidade, mas um debate acerca da sexualidade ainda é tabu e causa mal-estar. Também neste sentido, o filme diverte e pode até provocar discussões. Eu gostei muito, há tempos não assistia a uma comédia tão anárquica e corajosa. A ingênua trilha sonora tenta remeter aos filmes familiares e adocicados dos anos 50, sugerindo um clima de inocência que o filme se encarrega o tempo todo de desmentir. O elenco ainda traz as participações obrigatórias de vários nomes que já viraram figurinhas carimbadas nos filmes de Waters, entre elas a lendária Patty Hearst.
Um aviso: não é filme para todos os públicos. Quem conhece o diretor ou já teve algum contato inicial com sua obra saberá o que esperar deste aqui e vai se divertir bastante. Entretanto, quem procura um cartão de visitas de Waters deve começar por seus filmes mais acessíveis ou experimentar o anterior, Cecil bem demente. Espectadores mais sensíveis devem evitá-lo, e especialmente as mulheres podem considerá-lo ofensivo. Pena que a edição em DVD não traga qualquer extra além de trailers da distribuidora. Mas vale a locação. Arrisque-se e bom divertimento.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Sessão médica

Em virtude de uma cirurgia a que precisei ser submetido na semana passada, e cumprindo rigorosamente as ordens médicas que me prescreveram dez dias de repouso intenso, não postarei a coluna hoje. Contamos com vossa compreensão. Na semana que vem, retomamos com nossa programação normal.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Toma que o filho é teu!

Nunca antes nesse país houve um rebuliço tão grande envolvendo uma obra de ficção. A polêmica era inevitável, mas veio muito antes do esperado. Lula, o filho do Brasil só entra em cartaz em janeiro (ou mais brevemente, em uma barraquinha de camelô perto de você), mas já é alvo de críticas que extrapolam o aspecto meramente artístico da obra. Desde sua primeira exibição pública, na abertura do Festival de Brasília, na semana passada, em uma sessão superlotada e concorridíssima, o filme produzido por Luiz Carlos Barreto suscitou uma avalanche de comentários de quem o viu. E nem todos ligados diretamente às suas qualidades.

Envolto em polêmicas, o filme dirigido por Fábio Barreto (o mesmo de O quatrilho) chega sob a égide da suspeição. Seu lançamento em ano eleitoral é visto como uma disfarçada manobra para favorecer a possível candidata do partido de Lula à sua sucessão na presidência, a exma.Dilma Rousseff. Mesmo considerando o intervalo de mais de nove meses entre um evento e outro (as eleições ocorrem apenas em outubro do ano que vem), a força de um produto que narra a trajetória de vida de uma personalidade política já sedimentada por entre grande parte da população (aquela que recebe as bolsas-qualquer-coisa do governo federal?) não deixa de se constituir em uma formidável propaganda disfarçada. Essa constatação é tão mais conflitante se levarmos em conta o grande apelo popular do filme, moldado na mesma fôrma de outro sucesso de público, este mais recente, 2 filhos de Francisco. Pode-se argumentar que aquele filme não levou a um aumento da venda de CDs da dupla, não os tornou especialmente simpáticos a quem já não fosse fã antes e nem mesmo arregimentou novos admiradores depois que o filme ficou pronto. Mas não havia qualquer injunção política naquela produção. A grande questão que se ergue neste momento é: por que lançar em ano eleitoral um filme sobre a vida de um cidadão que ocupa a presidência da República, mesmo com todos os riscos implicados? Por que não segurar o produto por mais algum tempo, quando Lula já tiver deixado o cargo, conferindo-lhe – aí sim! – uma aura de tributo e homenagem não ao político que Lula ainda seria, mas ao cidadão brasileiro, cuja história de vida, por si só, já é forrada de um tom naturalmente épico?

Os jornalistas e críticos que assistiram ao filme também são unânimes em afirmar que, como cinema, Lula, o filho do Brasil perde muitos votos por sua opção narrativa. O que se vê na tela é mais uma tentativa de construção de um mito moderno do que uma biografia que abarca toda a trajetória política de Lula. Não existe um elemento que alinhave a história. As cenas parecem isoladas dentro de um conjunto, funcionando como breves esquetes episódicos da vida de Lula. Diretor e produtores confirmaram que a intenção era construir uma imagem mítica do homem, portanto, eliminaram várias passagens da vida do biografado. Evidentemente, aquelas menos edificantes e que certamente seriam mal vistas pela platéia que irá assistir ao filme. Qualquer fato desabonador da personalidade do personagem foi abolido ou cortado na versão oficial. Lula é apresentado como um herói, um homem de múltiplas qualidades, que nunca reclama, e, embora também nunca esmoreça diante dos percalços que a vida lhe impõe, consegue superar tudo com extrema facilidade. Quando sabemos que a coisa não é assim. A jornalista Isabela Boscov, da revista Veja, escreveu a melhor definição para a "saga" lulista: "A narração de Lula, o filho do Brasil é encadeada como a vida de Cristo, do nascimento na manjedoura à ressurreição gloriosa". O professor de Ética da Unicamp, Roberto Romano, declarou: "É uma imensa obra de bajulação ou de propaganda. Acho que as duas coisas".

Será que se Lula não fosse quem é, mas, ainda assim, tivesse certa relevância no panorama político nacional, haveria interesse em se fazer um filme sobre sua vida? Não vale dizer que sua história ganha relevo pela forma como ele conduziu sua vida, porque brasileiros que nascem pobres e alcançam postos de destaque na vida nacional existem aos montes. Eu poderia citar cinco ou seis de uma estirada, e isso não seria nem o começo. O que ocorre é que Lula saiu de uma quase indigência para o mais alto cargo de um país. Sua vida merecia um filme? Certamente. Há muitas lições a serem tiradas de sua luta? Obviamente que sim. Mas por que agora? Cheira a oportunismo, puro e simples, a mais espetacular jogada de marketing político já registrada nos anais da vida nacional. Filmes de propaganda de um governo são comuns em regimes totalitários, como a Rússia de Stalin, a Itália de Mussolini ou a Alemanha de Hitler. Como o Brasil não se enquadra nessa categoria, resta imaginar que Lula, o filho do Brasil ou é uma homenagem desenxabida ou uma estratégia eleitoral.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Salvem o cinema brasileiro!

Agora não tem mais jeito: Salve geral, de Sérgio Rezende, é o representante brasileiro na disputa por uma das cinco vagas finalistas ao Oscar de Filme Estrangeiro em 2010. Os indicados serão conhecidos em janeiro, um mês antes da premiação. Pelo terceiro ano consecutivo, a Ancine optou por uma produção que aborda o tema da violência urbana para representar o país no Oscar. Em 2007, o selecionado foi Tropa de elite, que ao menos carregava a láurea do Urso de Ouro do Festival de Berlim, mas isso de nada adiantou para a Academia no momento das nomeações, que não contemplaram a história do Capitão Nascimento. Ano passado, foi a vez de Última parada 174, de Bruno Barreto, que foi igualmente desprezado. Pelo visto, nossa Ancine não aprendeu nada com os erros anteriores. Será que o único modo de tentarmos abiscoitar aquele que é tido como o prêmio máximo do cinema é por meio de um filme que explore a violência urbana? Não é uma visão reducionista do cinema brasileiro?

É verdade que o ano não foi especialmente pródigo com o cinema nacional. Dos outros nove selecionados para disputar uma vaga, não havia nenhum que pudesse ser considerado efetivamente um grande filme. Feliz Natal, que marcou a estréia de Selton Mello na direção, talvez fosse a melhor escolha, por se tratar de um drama familiar humanista, gênero que sempre goza de muita simpatia entre os votantes. Além de conter qualidades estéticas que o credenciariam com autoridade para o prêmio. Saudado como uma obra-prima por um círculo restrito de críticos, o filme acabou se tornando mais conhecido por causa de uma cena de nudez da atriz Graziela Moretto, que teria desencadeado um amplo debate sobre a pertinência da nudez nos filmes brasileiros, proposto pelo namorado da atriz, Pedro Cardoso, que, bastante irritado, leu um manifesto a favor da moralidade e dos bons costumes na sétima arte. Mas, ao que parece, temas que abordem o universo familiar não são mesmo os preferidos da Ancine, que em anos anteriores já havia descartado O ano em que meus pais saíram de férias. Se nada mais der certo, de José Eduardo Belmonte, foi efusivamente saudado pela crítica, chegou amparado pela consagração do Troféu Redentor do Festival do Rio, mas não sensibilizou os diretores da agência. Besouro, de João Daniel Tikhomiroff, ainda em cartaz, poderia angariar um certo interesse da Academia pelo exotismo de seu tema – um capoeirista que se insurge contra as ordens tirânicas de um poderoso latifundiário, com elementos mágicos que o aproximam de O tigre e o dragão, outro filme estrangeiro que encantou a Academia – , mas não teve força necessária para conseguir ser indicado. O que leva a outra conclusão: para um filme ser indicado, não basta ser bom, é preciso que tenha um forte apelo popular e uma agressiva campanha de divulgação. O que a modéstia da produção de Besouro não cumpriu.

A festa de menina morta, mais uma estréia de ator na direção (aqui, Matheus Nachtergaele), pode ser visto como experimental demais para agradar ao gosto conservador dos velhinhos votantes. Além de possuir uma narrativa complexa, hermética (mas que diabos, não se pode ousar nada? Temos sempre de fazer o mesmo tipo de filme quadrado?). Jean Charles é um drama pontual sobre o brasileiro assassinado no metrô de Londres, e só mesmo nos sonhos mais ingênuos para acreditar que a história possa sensibilizar alguém no exterior – e daí que mataram um brasileiro, "cidadão de segunda classe, terceiro-mundista"? Só tem apelo para nós; o resto do mundo quer mais que nos danemos. Talvez fosse o título menos recomendado para disputar algum prêmio que não o de direitos humanos. O contador de histórias teria boas chances, trata de uma história real de superação. Budapeste foi mal de público, mas não vejo por que tenha sido preterido: é uma competente adaptação de um livro difícil. Também não vejo grandes qualidades em O menino da porteira, certamente só incluído na relação por absoluta falta de opções. O último dos dez pré-selecionados foi Síndrome Pinocchio – refluxo, um desconhecido filme de Brasília, sem maiores referências.

Parece que a herança deixada por Cidade de Deus ainda vai levar muitos anos até ser totalmente dilapidada. A fórmula de sucesso do cinema brasileiro é seguir a tendência. Enquanto histórias sobre a violência urbana estiverem no centro da questão, acho difícil que a maré mude. Uma pena, porque há muitos bons títulos nacionais que fogem a esse assunto e que poderiam perfeitamente representar o nosso cinema lá fora. Não é à toa que, em festivais paralelos realizados em vários cantos do mundo, a platéia se surpreende com a diversidade do cinema brasileiro. Provavelmente ela também já aprendeu a interligar que o cinema brasileiro caminha a passos estreitos com os temas de violência. Está na hora de repensarmos esse quadro.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Um lobisomem na Amazônia

Finalmente entrou em cartaz na última sexta-feira este que nem pode ser considerado o novo trabalho do cultuado Ivan Cardoso, porque demorou tanto para ser lançado que o diretor já realizou outro filme depois, O sarcófago macabro, concebido como o piloto de uma série de televisão que não vingou, porque nenhuma emissora se interessou pelo projeto (nem o Canal Brasil!). Mas o destino óbvio deste é o DVD. Enquanto isso, os espectadores podem conferir esta desvairada aventura que permanecia inédita nos cinemas até então.

Quem conhece ou já viu qualquer coisa do Ivan Cardoso sabe perfeitamente o que irá encontrar no cinema. O diretor é o único representante do gênero terrir em terras nacionais, e não tem intenção de mudar nada em sua forma de fazer cinema. Suas piadas e seus exageros vêm de longa data, desde O segredo da múmia (1982), passando por As sete vampiras (1986), quase um clássico em sua carreira, até aquela que considero sua obra-prima, O escorpião escarlate (1992), um filme hoje esquecido, mas que marcou época sobretudo pela agressiva campanha de marketing – na ocasião, alguém vestido como o personagem-título aparecia em diversos locais de aglomerações, convidando as pessoas a prestigiarem a história nos cinemas. O que não quer dizer que eu ache este um filme perfeito, longe disso. Na verdade, nem sou especial admirador da obra de Ivan. Acho seus filmes extremamente lentos, prejudicados pela montagem que lhes destrói o ritmo e trava a fluência narrativa. As interpretações são propositadamente caricatas, exageradas, como uma grande brincadeira, todo mundo se divertindo (mas o espectador pode não concordar com isso). Neste sentido, a exceção fica por conta de Herson Capri, o herói Anjo de O escorpião escarlate, onde ele se leva a sério e interpreta de verdade, ou seja, uma aberração para os padrões cardosianos de atuação. Também não me agradam os roteiros dos filmes, geralmente frouxos, com situações que nunca chegam a se completar satisfatoriamente. É o caso de uma idéia ser melhor apresentada do que desenvolvida. Mas assistir a um filme de Ivan Cardoso é, antes de tudo, um grande barato. E foi com este espírito que assisti a este lobisomem quando ele foi exibido pela primeira vez, dentro do Festival do Rio de 2005 – sim, o projeto ficou quatro anos engavetado até que uma distribuidora se dispusesse a lançá-lo em circuito.

Quem me convenceu a ir foi meu saudoso amigo Alan, cinéfilo de carteirinha, que era, ele sim, fã confesso do Ivan. Foi uma animada e histórica sessão à meia-noite no Odeon. O diretor precisou se associar a Diler Trindade, o mais requisitado produtor do cinema brasileiro da atualidade, para finalizar, em oito meses, um projeto iniciado há oito anos. Evidentemente não foi apenas esse o motivo da parceria. Diler produz filmes voltados para o grande público, para o consumo rápido das massas, não importando exatamente a qualidade artística do produto (são de sua cepa os últimos filmes da Xuxa e de Renato Aragão). E esta nova empreitada do mestre do terrir nacional se presta exatamente a isso, conforme ele mesmo resumiu na apresentação: “Cinema é diversão”. O filme segue a mesma linha dos demais produzidos por Diler, voltados ao público jovem, basicamente adolescente, que irá curtir esta fita recheada de nomes famosos, como Evandro Mesquita, Bruno de Lucca, Tony Tornado, não faltando, é claro, as gostosonas da vez, Danielle Winits e Karina Bacchi, que estão ali para gritar, mostrar os corpos (há rápidas e discretas cenas de nudez) e eventualmente demonstrar um certo esforço interpretativo. Outro destaque feminino é a presença de Djin Sganzerla, filha do falecido Rogério Sganzerla, um dos grandes diretores do cinema underground nacional. Ou seja, o elenco feminino, por si só, já justifica o ingresso e vale uma boa olhada. Há até uma aparição surpresa de Sidney Magal, que aparece cantando no papel de um deus inca (!!!), o que comprova que nada é para ser levado a sério. O melhor do filme são as inúmeras referências a diversos clássicos do terror e suspense, como Psicose (uma piada logo no início), O monstro da Lagoa Negra, A bruxa de Blair, A ilha do Dr. Moreau – este, aliás, serve como mote para o filme, imaginando que o enlouquecido doutor fugiu de sua ilha e se exilou na Amazônia brasileira, onde continuou suas experiências científicas – e evidentemente O lobisomem. O papel principal é interpretado pelo veterano roteirista e diretor espanhol Paul Naschy, com um visual parecido com o Dr. Xavier de X-Men (mais uma referência). Ele é o único que parece conferir seriedade ao seu papel, ao passo que Nuno Leal Maia está impagável como um dos investigadores; são dele os melhores diálogos e as cenas mais engraçadas. No entanto, o filme padece dos mesmos defeitos das outras fitas de Ivan Cardoso: o roteiro fragmentado, picotando a ação, muito palavrório explicativo. Estes defeitos são tão exagerados quanto as boas intenções, a ponto de fazer com que a duração do filme pareça maior do que os 75 minutos. De qualquer maneira, é um filme espirituoso, debochado, perfeito para uma sessão pipoca. O público entendeu o espírito e aplaudiu freneticamente ao final.

A sessão foi amplamente divulgada como um evento especial do festival, e houve um momento de interatividade que se tornou clássico, inesquecível para quem testemunhou, entrando para o folclore da mostra. No meio da projeção, a platéia foi surpreendida pela aparição de um lobisomem “de verdade”, que atacou uma espectadora. Outra brincadeira dentro do espírito de gozação e galhofa típicos do cinema de Ivan Cardoso. É claro que essa brincadeira não irá se repetir agora, com o filme em cartaz. Uma pena.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

"Fiiiilme triste / que me fez chorar..."

Na semana passada, o colunista Artur Xexéu, do jornal O Globo, em sua coluna no Segundo Caderno, publicou uma lista com os dez filmes mais tristes da história do cinema. A relação foi formada a partir de escolhas pessoais do articulista reforçadas por votos de leitores, que enviaram suas preferências por e-mail (eu não participei). Claro que se tratou apenas de uma brincadeira cinéfila, como tantas outras que o Xexéu promove em sua coluna – da qual, aliás, sou leitor assíduo. Não há qualquer caráter oficial na listagem, a não ser o de render boas discussões entre colegas numa mesa de bar, depois daquela sessão em alguma sala escura, naturalmente. A lista dos dez mais tristes ficou assim:

1) Marcelino pão e vinho (1955, de Ladislao Vajda)
2) Em cada coração, uma saudade (1956, de Allen Reisner)
3) Hachiko – a dog’s story (2009, de Lasse Hallstrom)
4) Melodia imortal (1956, de George Sidney)
5) Imitação da vida (1959, de Douglas Sirk, ou a original de 1934, de John M. Stahl)
6) Suplício de uma saudade (1955, de Henry King)
7) Tarde demais para esquecer (1957, de Leo McCarey)
8) Minha vida de cachorro (1985, de Lasse Hallstrom)
9) O campeão (1979, de Franco Zeffirelli)
10) Love story – uma história de amor (1970, de Arthur Hiller)

Algumas ausências sentidas foram justificadas. A maior, para mim, foi a de Cinema Paradiso, que me fez chorar a cada uma das oito vezes que o assisti (mas já lá se vão alguns bons anos sem vê-lo novamente; preciso checar a quantas anda minha capacidade de me emocionar). O colunista explicou que o filme não obteve votos suficientes para integrar a relação final. Bom, peço licença ao conceituado cronista para, aproveitando a âncora lançada por ele nos mares da cinefilia, organizar aqui, neste modesto espaço, a minha lista dos filmes mais tristes, formada a partir de critérios puramente subjetivos.

1- Cinema Paradiso (1989, de Giuseppe Tornatore), aliás, este aqui deveria ser hors-concours em qualquer lista do gênero.
2- Menina de ouro (2004, de Clint Eastwood)
3- Paisagem na neblina (1988, de Theo Angelopoulos)
4- Íris (2001, de Richard Eyre)
5- Antes de partir (2007, de Rob Reiner)
6- Somos todos diferentes (2007, de Aamir Khan)
7- A felicidade não se compra (1946, de Frank Capra)
8- Conduzindo Miss Daysi (1989, de Bruce Beresford)
9- Dançando no escuro (2000, de Lars Von Trier)
10- Edward mãos de tesoura (1990, de Tim Burton)

Podem me acusar de organizar uma lista bastante óbvia, com a inclusão oportunista de filmes que acabei de assistir (Somos todos diferentes – mas é impossível não se emocionar com esta história!). E pela ausência de mais filmes antigos na relação – afinal, que raio de cinéfilo eu sou que despreza os produtos dos tempos áureos de Hollywood, preterindo-os em nome de obras recentes, feitas em tempos de cinismo escancarado, que prenuncia a desvalorização dos sentimentos humanos mais autênticos? Pode até ser. Mas segui um critério: somente incluí na listagem acima os filmes que efetivamente me fizeram chorar, em algum ponto da narrativa, por algum motivo. Mas listas não são definitivas. Daqui a alguns poucos anos, se me animar refazê-la, é provável que altere um ou outro título. Por enquanto, dá para manter meu estoque de lenços de papel.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Combate! - a série

No ilimitado universo das séries de TV, há pouco ou nenhum espaço para as produções que tenham a guerra como cenário. Embora haja exemplos recentes, como Band of brothers (mais uma minissérie que outra coisa) e Generation kill (mais política e filosofia do que ação), ambas já exibidas pela HBO, o gênero não é muito popular entre os criadores de novidades a cada temporada. Houve ainda MASH nos anos 70, que apenas se utilizava do ambiente da Guerra do Vietnã para satirizar o momento vivido pelos norte-americanos. Mesmo com poucos similares, houve uma que se destacou e marcou época, sendo até hoje lembrada como a melhor série bélica de todos os tempos: Combate. Seu pai ou seu avô certamente já ouviram falar dela. E agora você também pode conhecê-la. O canal a cabo TCM exibe a série aos sábados e domingos, às 9h, com reprise às 14h30.

A série durou cinco temporadas, entre 1962 e 1966 (as quatro primeiras em preto e branco). Ao longo de seus 159 episódios, acompanhamos as aventuras do pelotão comandado pelo impassível, porém humano, sargento Saunders (o lourinho Vic Morrow, que virou astro por este papel, mas nunca fez cinema) e pelo tenente Hanley (Rick Jason, que também restringiu sua carreira ao universo das séries televisivas, participando de, entre outras, Mulher Maravilha, Manimal e Automan), marchando por uma Europa devastada pela II Guerra Mundial e tomada pelos nazistas alemães. Em cada nova cidade a que chegam, há um perigo à espreita. O primeiro aspecto que chama a atenção em Combate é a criatividade dos roteiros. Afinal, como criar histórias novas sem cair na monotonia em uma série limitada pelo tema, já que as tramas não podiam escapar ao universo retratado? Quando parece que já vimos de tudo, que não há mais qualquer novidade a ser explorada, que todos os perigos já foram enfrentados pela equipe de Saunders, eis que surge uma ação nova, um espião inimigo infiltrado nas fileiras do pelotão, uma comunidade ainda virgem dos horrores da guerra, uma repórter intrometida que interfere no cotidiano das tropas em nome da informação. Ou seja, nem se trata de tirar leite de pedra, mas simplesmente de saber explorar o universo da guerra com inventividade. Os roteiros chamam a atenção também por abordarem alguns assuntos externos ao conflito armado, disfarçando-os em meio à narrativa, como o racismo ou a honra. Muitas vezes, o aspecto humano dos personagens ganha uma dimensão maior do que o conflito que lhe serve como pano de fundo.

Alguns episódios da primeira temporada abriam espaço para o humor, como aqueles em que um cozinheiro era enviado como reforço da tropa de Saunders ou quando um de seus soldados passava boa parte do tempo realizando apostas inusitadas com seus parceiros. Havia ainda momentos de poesia como no episódio em que a tropa descobre, em uma cidade francesa, uma jovem que se refugiou no jardim de casa, para fugir da loucura da guerra, e terminou, ela mesma, enlouquecida pelo delírio, recusando-se a deixar seu esconderijo fantasioso. A partir da segunda temporada, contudo, os assuntos mais amenos foram deixados de lado e a série concentrou-se na ação, intensificando a carga dramática natural do conflito.

Alguns futuros astros tiveram em Combate uma primeira experiência à frente das câmeras. Um muito jovem e quase irreconhecível Robert Duvall interpreta um sargento alemão em “O inimigo”, da terceira temporada. Charles Bronson, antes de atrelar sua imagem definitivamente aos filmes policiais, participa do episódio “A herança” como um soldado apaixonado por obras de arte que se recusa a explodir um paiol em que está escondido um tesouro da escultura moderna. Tom Skerritt, Sal Mineo e o eterno Kojak Telly Savallas, entre muitos outros, tiveram participações especiais. Vários episódios da primeira temporada foram dirigidos pelo mestre Robert Altman, que posteriormente se consagraria com seus filmes-painéis da sociedade norte-americana.

Embora o elenco contasse sempre com muitos convidados especiais a cada episódio, a tropa de Saunders era composta basicamente por Caje (Pierre Jalbert), Littlejohn (Dick Peabody), Doc (Conlan Carter) e Kirby (Jack Hogan – nenhum deles fez nada de importante fora da série). Muito lembrado também é o contagiante tema de abertura, composto por Leonard Rosenman, que ficou famoso e serve como referência imediata, uma “madeleine” auditiva que emociona todos os fãs da série. Você pode ouvi-lo, bem como assistir a abertura original, no Youtube, no link http://www.youtube.com/watch?v=d0qQGS4fXSY&feature=PlayList&p=898AD90A02351625&index=39

Atualmente, o TCM exibe a quarta temporada de Combate, mas infelizmente deixou de apresentar alguns episódios das temporadas passadas e também da atual. Não importa, já que a narrativa não é seqüencial, ou seja, cada história é fechada em si mesma, sem ligação com a que veio antes ou com a que vem a seguir. Eu virei fã desde que assisti ao primeiro episódio. Quem sabe alguma distribuidora não se anima a lançar a série completa em DVD?

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Anticristo

Lars Von Trier voltou à velha forma e novamente consegue incomodar o espectador. Depois de dois projetos mal-sucedidos – o repetitivo Manderlay (2005), continuação inferior de sua obra-prima Dogville, e a equivocada comédia O grande chefe (2006), onde interpreta o papel central – , o mais conhecido diretor do Dogma 95 realizou um filme impactante, que não apenas impressiona, como faz pensar ao final da sessão.

O filme começa de forma antológica, com um belíssimo prólogo em preto e branco. Nele, acompanhamos uma intensa relação sexual captada em detalhes pela câmera, que explora em closes as expressões faciais e físicas dos amantes, incluindo closes íntimos explícitos. Ao mesmo tempo, assistimos a morte trágica do filho pequeno do casal, que se joga pela janela enquanto seus pais transam. O contraste entre o momento de dor e o de paixão extrema é acentuado pelos acordes modificados da Ave Maria de Gounod. A partir daí, a mulher, que já apresentava um histórico de problemas psicológicos, entra em depressão profunda, com sintomas ainda de ansiedade e angústia. O marido, que é terapeuta, resolve levá-la para a casa de campo onde ela e o filho passaram juntos o último verão, e lá se empenha em curá-la. E é em meio à placidez do lugar que tem início uma jornada pelo medo, numa espiral de loucura.

A chave do filme é o processo de desconstrução de várias instituições sociais estabelecidas, e talvez seja este o aspecto mais assustador do roteiro. A mais óbvia é a desconstrução da família, a partir do momento da morte do filho. A partir daí, seguem-se as demais (da figura materna, da mulher, do amor). O clima vai se tornando cada vez mais opressivo, sombrio (bem realçado pela fotografia em tons escuros), até desencadear uma série de lances violentos, irreversíveis. Não há saída possível para aqueles dois personagens, presos em um universo que, a princípio acolhedor, se revela o cenário ideal para a exposição do que existe de pior na alma humana. Mas o que pode incomodar, de fato, é a reversão do discurso religioso. Provavelmente, muito do incômodo que se instala no espectador advém daí. Somos confrontados com a quebra de princípios morais solidamente estratificados na sociedade, e Von Trier faz isso com segurança e uma coerência magistral. O que assusta mesmo é a naturalidade com que o medo se interpõe no ambiente. Em momento algum se percebe qualquer efeito especial mirabolante, não há maquiagem monstruosa nem música grandiloqüente anunciando momentos de pânico. Apenas a maldade que se esconde no fundo do ser humano.

O diretor espalha pelo filme uma série de signos e elementos simbólicos, que explicam a conduta dos personagens e justificam o roteiro, mas nem todos são fáceis de identificar: cada espectador deve dar sua própria interpretação, levando em conta a força dos conceitos psicanalíticos e filosóficos abordados, sem esquecer, novamente, de perceber as analogias estabelecidas entre a religião e a loucura crescente. O próprio título do filme pode não se referir exatamente a um indivíduo demoníaco: anti-cristo seria em justa oposição à presença de Cristo naquele ambiente, onde não há espaço para bons sentimentos e onde qualquer esperança e alegria passam ao largo, certamente afugentadas pelo clima soturno.

Exibido no último Festival de Cannes, Anticristo foi muito mal recebido, merecendo vaias da platéia. Mesmo assim, premiou a atriz Charlotte Gainsbourg, que interpreta a esposa (o marido é vivido por William Defoe).

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Ressaca cinéfila

A vida continua depois do Festival do Rio. Mas preciso de uma semana para me "desintoxicar" depois da maratona dos últimos 15 dias. Volto na semana que vem com outra postagem. Contamos com vossa compreensão.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Festival do Rio - acabou-se o que era doce...

Chegou ao fim o Festival do Rio. Foram 40 filmes vistos nos últimos 15 dias, igualando meu recorde no evento, estabelecido no ano passado. Em 2010, tentarei quebrar essa marca. Os últimos dois filmes que vi na maratona:

AQUÁRIO – Mia, uma adolescente de 15 anos, vê na dança a chance de escapar de sua vida medíocre. A chegada do novo namorado de sua mãe irá provocar muitas mudanças. A diretora Andrea Arnold (Marcas da vida) faz um retrato aguado de uma juventude sem perspectivas, num roteiro sem novidades nem grandes lances. Atraso de 20 minutos e interrupção para troca de rolo. Não dava para passar um festival inteiro sem esses problemas. * *

BASTARDOS INGLÓRIOS – A organização do Festival do Rio teve a inteligência de programar o filme mais aguardado do evento para o último dia. Foi um fecho mais do que adequado para um festival bem melhor que o do ano passado. Este é o comentado filme que enfim deverá render o Oscar a Quentin Tarantino. Como costuma suceder, a Academia irá premiá-lo pela obra errada. Não que o filme seja ruim, longe disso. Primeiramente, é preciso esclarecer que nunca existiu o esquadrão anti-nazista mostrado na história. O que de certa forma não deixa de ser um alívio, porque nos primeiros minutos, cheguei a ficar na dúvida se os espectadores seriam colocados na incômoda situação de cúmplices de um grupo de matadores, cuja razão de ser é o assassinato de oficiais nazistas, ou seja, teríamos forçosamente de escolher entre ficar do lado dos “bons” ou dos maus. E é claro que ninguém vai ficar do lado dos nazistas, o que nos levaria ao cúmulo de torcermos por outros assassinos! Não importa se suas motivações sejam nobres, matança é matança, sobretudo quando cometidas com requintes de crueldade como se vê aqui. Mas tudo é uma grande fantasia, uma criação imaginária com o único propósito de sustentar uma obra cinematográfica, e o diretor deixa isso claro logo na abertura, com o “Era uma vez...”, o que evidencia tratar-se de uma farsa assumida. O filme é dividido em cinco partes, cada uma acompanhando um movimento independente em si, mas que dará forma ao todo. A seqüência inicial mostra a visita de um oficial nazista, conhecido como Caçador de Judeus, a uma casa na região rural da França em 1941. Sua missão é descobrir onde estão os judeus escondidos na propriedade. O dono da casa, a princípio resistente à presença do oficial, termina por denunciar os refugiados. Segue-se uma chacina, mas uma garota consegue escapar. Anos depois, já adulta, a reencontramos em Paris, administrando um cinema (uma coisa meio sem sentido, ela diz que foi herança dos tios, pode até ser verdade, mas não tem muita lógica). Lá, trabalha em companhia de um único funcionário, um negro, que seria seu namorado ou amante (ela se refere a ele como “meu amor”, mas não trocam sequer um carinho, não há qualquer contato físico entre eles. É outra coisa sem muita lógica, mesmo porque isso não interfere em nada no desenvolvimento das ações, os nazistas sequer o perseguem, aceitando como normal que um negro trabalhe numa cidade sob ocupação alemã). O segundo ato já introduz o exército de matadores, comandado pelo sádico tenente Aldo Reine. O pelotão é formado por soldados judeus norte-americanos (em momento algum se explica como foi formado ou que motivação os impele). Basicamente, a trama gira em torno de três personagens: o tenente Aldo Reine, o oficial Hans Landa e a jovem sobrevivente do massacre inicial, a francesa Soshana Dreyfus. A narrativa se estrutura entre os planos de ataque do primeiro e a trama de vingança formulada e empreendida pela última. Ou seja, é Landa o elemento catalisador de todos os movimentos das peças no tabuleiro (teoricamente, seria ele o ator principal). Embora ambas as ações não vão exatamente se entrecruzar. O filme deve render ainda outro Oscar, e um deles fatalmente será para Brad Pitt, como melhor ator. Há muito tempo a Academia vem querendo premiá-lo, e essa pode ser a grande oportunidade. Ele já ganhou a Palma de Ouro por sua atuação e chega credenciado à disputa – em 2007, havia vencido o Festival de Veneza por O assassinato de Jesse James, em que estava melhor e, mesmo assim, não fazia nada demais. Sua primeira aparição é realmente espantosa, chega a dar medo vermos Reine dando instruções ao seu batalhão, e a imagem se reforça na cena seguinte, uma brutal cena de violência no meio da floresta. Depois, Pitt vai transformando o personagem quase em uma caricatura, falando com a boca torta, forçando um tom de voz gutural, exagerado – talvez para entrar de vez no clima de farsa assumido pela narrativa. O fato é que desperdiça uma ótima chance de marcar o nome de Reine na galeria dos grandes vilões do cinema. Quem mantém a linha de interpretação o tempo todo é o austríaco Christoph Waltz (que fez muita televisão em seu país, esta é sua estréia em cinema) como Landa, imprimindo uma irretocável aura de rigidez de princípios a seu personagem, capaz de tudo por amor à pátria alemã. Deve ser indicado a coadjuvante, embora, como escrevi ali em cima, seja na prática o ator principal. A francesa é Melanie Laurent, linda, mas sem transmitir a gana de vingança que deveria nortear sua personagem. Enfim, quando li a sinopse, pensei que este seria o atestado de maioridade assinado por Tarantino, sua entrada no rol dos diretores “sérios”, a exemplo do que Spielberg já fizera anos antes com A lista de Schindler e reforçara depois com Munique. Mas não é bem assim. O diretor continua pop, brincando com a narrativa, usando recursos visuais para apresentar alguns personagens, como legendas explicativas em tipos grandes na tela, e mantendo-se fiel em sua conhecida homenagem ao cinema e a grandes nomes do passado. Desta vez, o “redivivo” é o veterano e bem velhinho Rod Taylor, embora só apareça em uma única cena, como Churchill (e tenha apenas uma fala!). Mike Meyers, que se notabilizou como Austin Powers, também aparece na mesma cena, como um oficial – aliás, toda essa seqüência é sem sentido, parece que foi inserida de qualquer jeito para prestar uma homenagem ao veterano ator e provar que Meyers pode interpretar um papel mais sério, mas é impossível olhar para ele e não lembrar de seus trejeitos cômicos. Há ainda rápidas pontas do também veterano Bo Svenson, astro de fitas de ação nos anos 70, e do diretor italiano Enzo Castellari. E mesmo a idéia de ambientar grande parte da história em um cinema é uma forma de render homenagem a essa indústria de sonhos. Não falta também a tradicional cena de podolatria (Tarantino pode mudar, mas continua o mesmo em certos aspectos). Ou seja, o filme só pode ser curtido como uma grande fantasia, sem qualquer lógica ou compromisso com a realidade. Assiste-se com interesse, com momentos de humor, outros de extrema violência, grandes cenas (a da sala de projeção), alguns tempos mortos. Só não é o grande filme de Tarantino, nem o que deveria lhe render o Oscar. Este poderia ter vindo com Pulp fiction ou mesmo com Kill Bill. Mas a estatueta estará em boas mãos. Pena que pelo filme errado. * * *

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Festival do Rio - tá acabando a maratona...

Penúltimo dia do Festival do Rio. Os filmes que vi hoje:

ERÓTICA AVENTURA – Mais um filme francês com pretensões intelectuais, apoiado em conceitos psicanalíticos. Só que desta vez há o que dizer. Uma jovem rompe com o namorado e parte em busca de novas experiências sexuais. Acaba conhecendo um especialista em hipnose que a levará, e outras duas mulheres, ao orgasmo mais intenso de suas vidas. Muito boa a maneira como as idéias são abordadas pelo roteiro, por meio de conversas simples, e tudo acontece de forma bem natural, sem forçar a barra. Há até uma tentativa de introduzir conceitos básicos da relação BDSM, com uma das pacientes sendo questionada sobre seu papel erótico (ela seria submissa), mas essa linha não segue adiante. Cenas de sexo lésbico excitantes e muito bem filmadas. Infelizmente, o filme é prejudicado pela presença inteiramente descabida de um personagem secundário, um professor de física que virou taxista (!!!) e dá lições de filosofia à protagonista. Nada a ver, portanto. No meio da projeção, houve uma pausa para a troca de rolo do filme – a sessão começou com atraso de 10 minutos. O que, no Festival do Rio, muitas vezes, pode ser fatal. * *

PURGATÓRIO – Entrou de última hora na minha programação, só para encher o espaço entre uma sessão e outra. Adaptação de três contos do escritor mexicano Juan Rulfo, um dos grandes autores da literatura latino-americana. A primeira história é sobre um camponês que abandona a família para tentar a sorte na então incipiente Cidade do México dos anos 50. A segunda narra o encontro de um coveiro e uma prostituta. A última mostra a agonia de um velho coronel apaixonado por uma jovem que o despreza. Nenhuma das histórias chega a empolgar. O filme só vale pela deslumbrante fotografia, em tons expressionistas, com filtragens coloridas nas duas primeiras histórias, e criativo uso de sombras na terceira, a única a cores. Mas é melhor ler Juan Rulfo e conhecer seu universo do que ver o filme. * *

CORAÇÕES EM CONFLITO – Comecei a freqüentar o Festival do Rio em 2002. O melhor filme que vi naquele ano foi Para sempre Lilya, do sueco Lukas Moodysson. Conheci a obra toda dele posteriormente. Sou fã do diretor, a quem considero ousado na abordagem de certos temas e corajoso por abrir o debate sobre temas polêmicos. Seus dois últimos filmes, porém, me deixaram a impressão de que ele vinha trilhando um caminho perigoso, buscando o choque gratuito e a experimentação narrativa sem sentido (refiro-me a Um vazio no meu coração e Contêiner). Dentro de sua obra, este aqui é o seu filme mais “normal”. Leo (Gael García Bernal, neutro como sempre) é um executivo do ramo de videogames que passa grande parte de seu tempo viajando a trabalho, deixando a esposa Ellen (Michelle Williams, cada vez melhor como atriz), que é médica, sozinha com a filha pequena deles. Há ainda a babá filipina, Glória (Marife Necesito), que cuida da menina como se fosse sua, e sonha em voltar para seu país, onde ficaram seus dois filhos. Em uma das viagens Leo conhece uma garota tailandesa, com quem insinua um caso, enquanto Ellen, às voltas com o caso de um menino ferido mortalmente, começa a se questionar como mãe ao perceber que sua filha demonstra mais interesse pelo universo da babá. O título do filme remete a um dramalhão mexicano típico, e o roteiro quase conduz a narrativa para esse lado. Só que tudo é muito frio, distanciado, impedindo que o espectador se envolva realmente com o destino dos personagens. Leo é uma figura antipática, parecendo se divertir em um mundo paralelo. Ellen é uma mulher à beira de um ataque de depressão e Glória representa a imensa massa proletária que aceita ganhar uns trocados em terra estrangeira pelo sonho de dar uma vida melhor à sua família. No fim, fica a impressão de que passamos duas horas diante da tela vendo uma história absolutamente banal, igual a tantas outras que já foram contadas, e sem que sequer cheguemos a nos identificar a fundo com qualquer um dos personagens. Locações nos EUA, Filipinas e Tailândia. Curiosidade: em determinado momento, aparece uma foto do Cristo Redentor pregada na porta da sala dos médicos. * *

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Festival do Rio - Belair, Maradona e Turquia

FILMES VISTOS NA SEGUNDA-FEIRA, DIA 5:

BELAIR – No começo dos anos 70, os diretores Júlio Bressane e Rogério Sganzerla fundaram a Belair Filmes, que, a despeito de sua curta existência de apenas quatro meses, produziu sete títulos de longa-metragem. Muitos foram interditados pela censura da época, que via aquelas obras como produtos de propaganda reacionária ao sistema político então vigente. O documentário de Bruno Safadi e Noa Bressane (filha de Júlio, que estava presente à sessão) resgata imagens e entrevistas daquele período. Safadi é assumidamente discípulo da Belair e, por isso, o estilo de seu filme é o mesmo da produtora. Ou seja, quem já assistiu a qualquer coisa de Sganzerla ou Bressane sabe muito bem o que vai encontrar: narrativa caótica e montagem picotada. Importante justamente por manter viva a memória de um núcleo que marcou época no cinema brasileiro, mas faltam mais entrevistas e depoimentos mais reveladores. Os sete longas da Belair foram Família do barulho, Copacabana mon amour, Carnaval na lama (cujos fotogramas foram perdidos em um incêndio), A miss e o dinossauro, Barão Olavo, o horrível, Sem essa aranha e Cuidado, madame, este jamais lançado em lugar algum. * *

IMPACTO ZERO ­– Exibido com seu título original, No impact man (a tradução é por conta própria). É este o nome do projeto a que o escritor Colin Beaver se dedicou durante um ano, juntamente com sua esposa e filha: durante este período, eles não deveriam realizar qualquer atitude que causasse impactos ambientais no planeta. Assim, acompanhamos o cotidiano da família que vai aos poucos se desfazendo de todas as facilidades da vida moderna (televisão, telefone, carro) em prol da conscientização popular. Espécie de Super size me ambiental, é o típico documentário de tese, ou seja, para provar um ponto de vista, o autor da idéia leva seu objetivo até as últimas conseqüências, mesmo que isso resvale em decisões radicais. Interessante, bem editado, com boa trilha sonora. Mas duvido que alguém siga todos os conselhos mostrados no filme. * * *
FILMES VISTOS NA TERÇA-FEIRA, DIA 6:

A SICILIANA REBELDE – A Itália tem tradição em cinema político. Este é mais um bom exemplo. Baseado na história real de Rita Atria, filha de um dos maiores mafiosos da Sicília, que, ainda criança, vê o pai ser assassinado por um inimigo. Sete anos depois, resolve depor contra os acusados, mas sabe que assinou sua sentença de morte: sua vida nunca mais será a mesma. Em sua luta pela justiça, Rita só pode contar com sua própria coragem. Os créditos finais informam que os fatos apresentados são apenas inspirados em acontecimentos verdadeiros, não havendo exata fidelidade ao que se desenvolve na tela. A narrativa mantém o interesse até o fim, em que pese o destino inexorável da protagonista, que todos já sabem qual será. O filme se encerra com imagens da verdadeira Rita (cujo sobrenome no filme foi alterado para Mancuso) e de seu funeral. A maioria dos chefões acusados por ela foi a julgamento e condenada. Valeria D’Agostino confere impressionante veracidade ao papel principal. O título faz parecer que se trata de um filme erótico. * * *

MARADONA – Um público bem pequeno e essencialmente masculino em Ipanema prestigiou este filme, que conta, pelo viés de um fã, a vida do maior jogador argentino de todos os tempos. Demorou até que alguém resolvesse realizar um documentário sobre Diego Armando Maradona. Coube ao sérvio Emir Kusturica desempenhar a tarefa. O diretor, que já foi premiado duas vezes em Cannes, é um dos principais expoentes do cinema europeu e fã confesso do jogador. Por isso, é preciso desculpar e até compreender o retrato abertamente afetuoso que ele faz de seu ídolo, captando apenas o lado mais humano de Maradona, que é sempre uma figura polêmica, sempre faz declarações bombásticas, mas aqui é tudo esquemático. Não há nenhuma informação nova sobre sua vida, nada que ninguém já não saiba de ler no jornal ou ver pela televisão. Mesmo seu envolvimento com as drogas é aliviado – o jogador não foge das perguntas, mas se limita a repetir tudo o que foi dito antes, pelo menos tem o mérito de assumir o erro. No começo, até que Maradona me surpreendeu, revelando uma certa lucidez ao assumir uma postura política, quando diz que no jogo contra a Inglaterra na Copa de 1986, havia mais do que uma classificação em jogo, era a própria honra argentina que estava em campo (em referência à Guerra das Malvinas, então ainda recente, um episódio que traumatizou os portenhos). Depois, dando novos sinais de megalomania, chega a sugerir, entre outros absurdos, que o Brasil somente foi campeão mundial em 1994 porque ele foi flagrado no antidoping, ou seja, tudo teria sido uma grande armação para favorecer a seleção de João Havelange, presidente de honra da Fifa. Pelé não é citado em momento algum. A montagem frenética mostra diversos lances de gols e jogadas geniais de Maradona por quase todos os times em que jogou – outra falha do filme é não enumerá-los, deixando que o espectador conclua por conta própria pelos uniformes, mas nenhum dado relevante é passado também. Há também imagens de arquivo, cenas raras de Diego ainda menino, fazendo embaixadinhas, com um breve depoimento de seu irmão (não é identificado, mas trata-se de Lalo, o menos habilidoso da família) enaltecendo-lhe as qualidades técnicas. O gol que Maradona marcou contra a Inglaterra, naquela mesma Copa, é apresentado diversas vezes em forma de animação, sempre tendo uma figura política como adversária levando dribles – Margaret Tatcher, príncipe Charles, a rainha-mãe e até Ronald Reagan. Os momentos mais engraçados mostram os devotos da Igreja Maradoniana, em Rosário, que celebram a figura do craque como se deus de fato fosse: há hino, “golário” (uma espécie de rosário formado por 35 bolas, representando o número de tentos que ele marcou com a camisa da seleção), bíblia (a biografia Yo soy Diego, não lançada por aqui) e ritos de admissão, em que os pretendentes devem demonstrar seus conhecimentos sobre a vida de Maradona. Uma pena que um material tão farto tenha resultado em um filme que é menos que convencional, resumindo-se a uma indisfarçável bajulação ao jogador. Ainda não é o documentário definitivo sobre Maradona. Mas dá para ver. Quem gosta de futebol vai gostar. Quem não gosta, evite. * *

MEU RAIO DE SOL – Dos seis filmes programados para a mostra Imagens da Turquia, este foi o único que assisti. O cinema daquele país é apontado hoje como o mais emergente da Europa, posto que até o ano passado era ocupado pela Romênia (ano que vem, qual será? O da Bulgária? Do Chipre? Do Azerbaijão?). Mas não há de ser por esta produção, que acompanha o despertar para a vida de uma adolescente, Hayat, de 13 anos, entre os problemas típicos de sua idade, envolvendo um pai ausente e que faz contrabando, um avô constantemente acamado, colegas de escola, a primeira menstruação etc. Mas não há romance nem descobertas sexuais. Um filme de visual belíssimo, com fotografia luminosa e uma ótima protagonista, transmitindo toda a inquietude e o desespero silencioso da adolescência – a garota praticamente só diz três ou quatro frases ao longo da narrativa, expressando-se por gestos e olhares. Porém, embora a metáfora entre uma Turquia incerta sobre os novos rumos a seguir e desejosa de romper com as tradições milenares (representadas pelo avô moribundo) fique evidente, o filme é desperdiçado por um roteiro vazio (nenhum conflito se impõe verdadeiramente) e duração excessiva. Uma pena. Mesmo assim, vale a pena ser conhecido. * *

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Festival do Rio - a "Síndrome do Sexto sentido"

HISTÓRIAS DE AMOR DURAM APENAS 90 MINUTOS – Um dos mais premiados roteiristas do país, Paulo Halm faz sua estréia em longas-metragens com esta comédia que conta como o bloqueio criativo de um jovem escritor termina por influenciar sua própria existência. Zeca tem 30 anos e o projeto de escrever um romance, mas nunca consegue passar da página 50. Quando desconfia que sua esposa Júlia o está traindo (e com outra mulher!), seu mundo entra em parafuso. Pede conselhos ao pai, que detesta (Daniel Dantas, que rouba o filme nas duas únicas cenas em que aparece) e acaba se envolvendo com a suposta amante de Júlia (a argentina Luz Cipriota, lindíssima). Interessante como Halm conseguiu realizar um filme tão simples e, ao mesmo tempo, com tantas nuances, mesclando humor rasgado, drama familiar, sensualidade e ousadias, como na cena em que a amante de Zeca o sodomiza com um consolo. Os diálogos entre pai e filho são agressivos, carregados de tensão e ressentimento, e rendem ótimos diálogos, alguns antológicos (“problema com mulher é pleonasmo”). Uma fala de Daniel Dantas levou a platéia ao delírio e rendeu calorosos aplausos. Quando seu personagem faz uma citação de Paulo de Tarso, mas sem identificá-lo, o filho pergunta: “Que Paulo? Paulo Coelho?” E o pai: “E eu lá sou homem de citar Paulo Coelho?” Essencialmente carioca, com locações na Lapa e na praia de Ipanema, tem sua força apoiada nas palavras, em oposição à simplicidade de suas imagens. Confirma o talento de Halm na criação de uma história. Casados na vida real, Caio Blat e Maria Ribeiro dão vida também ao casal na tela.* * *

A TERCEIRA PARTE DO MUNDO – Todos os 104 lugares da pequena sala 3 do Espaço de Cinema estavam ocupados para ver este filme francês que se vendeu como comédia surrealista na sinopse da programação, mas que deve ter decepcionado grande parte de quem o assistiu. Imagine um filme cujo roteiro seja inteiramente apoiado em conceitos da física quântica e da psicanálise. Extremamente pretensioso, com narrativa lenta (e que, para completar, ainda teve problemas com o som, quase inaudível, falha que só foi ajustada depois de 20 minutos de projeção), parece ter sido realizado apenas para que o diretor Eric Forestier demonstrasse sua genialidade e intelectualidade. Acaba sendo um exercício de difícil assimilação, para poucos iniciados nas duas ciências. Numa palavra simples: chato. Atenção para a cantada mais absurda da história, em que um homem seduz uma mulher perguntando se ela sabe o que é entropia!

SEDE DE SANGUE – O que houve com Chan Wook-Park? Onde foi parar o diretor que chamou a atenção do mundo com o espetacular Oldboy, em 2004? Não é possível que seja o mesmo que realizou essa aborrecida comédia de terror sobre um padre que se torna vampiro e luta pelo amor da mulher por quem é apaixonado. O fato é que o diretor já errou em seu trabalho anterior, I’m a cyborg, but that’s ok, exibido no Festival do Rio de 2007 e nunca lançado por aqui. Agora, tentou trilhar um outro caminho e fracassou. Excessivamente longo (tem 133 minutos), por vezes parece interminável, com trama confusa e violência de desenho animado. Lembra por vezes uma sátira aos filmes norte-americanos do gênero, com personagens que voam sobre casas e telhados depois de serem infectados por um misterioso vírus. Acho que ficamos mal-acostumados com Chan Wook-Park e esperamos que ele sempre nos traga um novo filme genial. Não é preciso. Mas fica aquela impressão de que o diretor é mais um a sofrer da “Síndrome do Sexto Sentido”, ou seja, é aclamado por um único trabalho e depois se perde em produções ridículas. A julgar pela reação da platéia após a exibição, com muitos comentários desabonadores, é de se imaginar se sua fama vai conseguir resistir pelos próximos festivais. * *

domingo, 4 de outubro de 2009

Festival do Rio - solidão e vampiras lésbicas

QUERIDINHO DA MAMÃE – Mikey se hospeda na casa dos pais, por conta de uma viagem a trabalho. O que deveria ser uma estada provisória, no entanto, vira um problema permanente, porque o rapaz adia indefinidamente seu retorno. Embora risadas tenham sido ouvidas durante a projeção, é um drama pesado, melancólico, muito lento, por vezes depressivo (o protagonista chega a pensar em suicídio, mas desiste no último momento). Este aspecto acaba se sobrepondo aos entrechos cômicos, perdidos em meio a uma narrativa letárgica e uma direção frouxa de Azazel Jacobs, também autor do roteiro, com óbvios toques autobiográficos, e cujos pais interpretam os pais de Mikey, evidenciando os poucos recursos da produção. Seria fácil se identificar com o personagem, um adulto que, de volta ao seio familiar, redescobre antigos prazeres da juventude, aferra-se a eles e não sente vontade de levar a vida adiante. O problema é que o roteiro não fornece qualquer pista sobre sua situação, não há nenhum conflito aparente que justifique seu comportamento, sua falta de iniciativa. Aparentemente sofre uma crise de depressão, mas isso precisa ser intuído pelo espectador. Termina sendo mais uma típica produção independente que enfoca a vida de um perdedor. Boa direção de arte. * *

MATADORES DE VAMPIRAS LÉSBICAS – Primeira vez na história do festival que o Roxy recebeu um filme da Midnight Movies. O público prestigiou, comparecendo em bom número. O filme não precisa de resumo ou explicação: é exatamente o que o título sugere, uma diversão trash até a medula, com muito sangue falso, lindas mulheres em trajes sumários, dois heróis bobalhões, diálogos pavorosos e uma trama sem muita lógica. Mas quem liga para isso num filme trash? Adormeça o cérebro e divirta-se! O gordo James Corden tem as melhores falas e carrega grande parte do humor nas costas. O final dá a impressão de que pode render uma série de televisão. Mas a verdade é que é menos engraçado do que parece. * *

sábado, 3 de outubro de 2009

Festival do Rio - pondo a casa em ordem

Finalmente consegui uma brecha na agenda para atualizar o blog. Seguem abaixo as críticas dos últimos filmes que vi.

FILMES VISTOS NA QUINTA-FEIRA, DIA 1:

OS TEMPOS DE HARVEY MILK – Sean Penn ganhou o Oscar de Ator este ano por sua interpretação de Harvey Milk, o primeiro homossexual a assumir um cargo político, em São Francisco nos anos 70. Sua inspiração partiu deste documentário, também premiado em sua categoria em 1984, e que permanecia inédito no Brasil até então. Embora não haja ousadias narrativas, mantendo-se no convencionalismo tradicional desse tipo de produção, o filme traça um retrato afetivo e sincero do personagem, embora omita diversas passagens de sua vida (sua relação com o amante, com quem se mudou para São Francisco, sequer é citada). Vendo as imagens dos principais envolvidos, dá para perceber o quão cuidadoso foi o diretor Gus Van Sant na escolha e caracterização dos personagens de Milk – a voz da igualdade, tamanha a semelhança. Penn é o próprio Milk, até no gestual (o que fica claro aqui). Bem que poderia ser incluído como extra em alguma edição especial do relato ficcional. * * *

VENHO DE UM AVIÃO QUE CAIU NAS MONTANHAS – Em 1972, um avião da Força Aérea Uruguaia caiu nos Andes chilenos. Os 29 sobreviventes precisaram lutar por mais de 70 dias em meio a uma paisagem inóspita, frio excessivo e muita neve, recorrendo até ao canibalismo. Um dos mais assustadores acontecimentos reais da história, já havia rendido alguns filmes de ficção (o último foi Vivos, 1992, com John Malkovich), mas é curioso como até hoje nunca tenha sido contado pelos próprios sobreviventes, o que confere uma inquestionável carga verídica aos depoimentos. O diretor recorre a atores para recriar ficcionalmente o fato, e tem a delicadeza de não explorar o caso do canibalismo, que é apenas citado, sem aprofundamentos. O acidente pode ser entendido como um triunfo da superação humana diante das piores adversidades. Mas é uma história antiga, da qual hoje pouca gente se lembra, e que não suscita o mesmo interesse de há 40 anos. * *

ABRAÇOS PARTIDOS – Almodóvar continua mestre naquilo que sabe fazer de melhor: contar uma história complexa de forma acessível a qualquer espectador, misturando elementos de melodrama e comédia nervosa, com seus tipos característicos. Aqui, acompanha-se a trajetória de um diretor de cinema, Harry Caine (Luís Homar), que é procurado por um jovem iniciante no ofício que lhe pede para dirigir um roteiro baseado em memórias pessoais. Deste encontro, surgirão lembranças de fatos ocorridos 14 anos antes, quando Caine se envolveu com a amante de um poderoso empresário. Utilizando a mesma estrutura narrativa de seus trabalhos, Almodóvar realiza mais uma obra instigante no estudo que faz do desejo e de como nossas escolhas acarretam mudanças irreversíveis em nossas vidas. Primeiro trabalho de Penélope Cruz após o Oscar de Atriz Coadjuvante, confirmando seu talento na composição de uma personagem dividida entre a amargura e a paixão. * * *

FILMES VISTOS NA SEXTA-FEIRA, DIA 2:

EM BUSCA DO PARAÍSO – Rodado em 1970, este filme não chegou a ser finalizado e foi dado como desaparecido por mais de 35 anos, até ser redescoberto agora, em 2009, quando finalmente foi editado e finalizado. Mas teria sido melhor deixá-lo no ostracismo do que dar forma a essa maçaroca. Com montagem caótica, o filme não consegue desenvolver sua história de forma minimamente compreensível, com incontáveis vaivens temporais, amontoando as situações sem um plano narrativo definido. Basicamente, são as lembranças de Heaven, mestre de cerimônias de um clube que teve sua fase áurea justamente naquele período, e hoje vive apenas dos fantasmas de seu passado, e seu envolvimento com um ginecologista casado, travestis, artistas de segunda classe. Ou seja, o submundo. O filme começa com ela debruçada sobre a mesa do bar, tecendo comentários sobre o destino, e termina da mesma forma, lamentando-se do que poderia ter sido a sua vida se tivesse conseguido sair dali. Protagonizado por uma atriz estranhíssima, de queixo saliente e rosto comprido, parecendo travesti, Ruby Lynn Reyner (que é mulher mesmo, apesar da confusão), que nunca mais fez nada na carreira. O nome mais conhecido do elenco é Mary Woronov, que posteriormente se consagraria como estrela dos filmes de Paul Bartel. Apesar do mau gosto geral da produção e da narrativa aborrecida, o filme tem forte potencial cult, sobretudo por sua trilha sonora, que inclui até uma canção de Tom Jobim (“Theresa my love”), provavelmente inserida na edição final. A diretora Susana Moraes foi uma das produtoras. Mais curiosidades nos créditos finais: a longa lista de agradecimentos inclui os nomes de Martin Scorsese, Ana Jobim (viúva de Tom) e João Donato.

A GRUTA – Uma experiência de cinema interativo, inédita no Festival do Rio. O diretor Felipe Gontijo apresentou o primeiro filme-jogo exibido em uma sala comercial no país. Com um controle remoto, os espectadores podiam escolher os rumos que a história ia tomando, por meio de votação em diversos momentos do filme. O projeto foi desenvolvido para DVD, formato ao qual deve funcionar adequadamente, porque em cinema fica complicado, a começar pela dificuldade de se enxergar no escuro (e são apenas 15 segundos para escolher uma das opções) e saber qual botão está sendo pressionado. Houve problemas com o equipamento também (que repetia todas as porcentagens de escolha no começo). A idéia da interatividade no cinema não é completamente nova, basta lembrarmos de William Castle nos anos 50 e, mais recentemente, John Waters e seu Odorama nos anos 70. A sessão só valeu pela farra da platéia, que se divertiu bastante com a novidade (mas que, mesmo assim, cansava um pouco depois de algum tempo). É claro que fica difícil avaliar um filme desses, em que cada escolha leva a um novo caminho, mudando por vezes a perspectiva da obra num todo. Além disso, como cinema, o filme é constrangedor, com elenco péssimo, som deficiente, iluminação tosca, efeitos ridículos, falhas técnicas (microfones aparecem), enfim, parece mesmo uma brincadeira entre amigos, voltada apenas ao mercado de jogos. Mas não há como negar que é uma dessas atrações de Festival do Rio, da qual se tem de participar. Além de abrir um debate interessante sobre as potencialidades do cinema no futuro que já se aproxima. * *

A FITA BRANCA – Tenho confessa antipatia pelo austríaco Michael Haneke, mas aqui preciso dar o braço a torcer: o cara conseguiu se superar, fazendo um exercício de suspense ainda mais absorvente e assustador do que em Caché. Com esplêndida fotografia em preto e branco, Haneke narra em clima sufocante como uma série de misteriosos e cruéis acontecimentos abalam uma pequena cidade na área rural da Alemanha, poucos dias antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial. A metáfora para a perda da inocência e o gradual avanço do nazismo e dos horrores da guerra, semeando discórdia e desconfiança em uma comunidade até então unida por fortes laços de civilidade, ganham contornos sombrios na excelência do elenco e naquele recurso já conhecido do diretor, a ausência total de trilha sonora, que confere maior aproximação com o espectador. Não faltam cenas chocantes às quais Haneke nos habituou. Nenhuma, porém, gratuita, servindo, todas elas, à construção do mistério. Como é comum também em sua obra, não há julgamentos morais, o que fica a cargo de cada espectador. Não é um filme fácil, mas que comprova o talento do cineasta, que parece, enfim, ter alcançado um nível verdadeiramente elevado em sua carreira, inserindo-se de fato no rol dos grandes realizadores. Ganhador da Palma de Ouro deste ano. * * * *

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Festival do Rio - estafa cinéfila

Aos amigos que têm a boa vontade de acompanhar meu espaço de vez em quando, peço desculpas, mas a maratona vem me exaurindo. Já compromete até a atualização das críticas e mesmo a qualidade das mesmas. A seguir, os filmes que vi na quarta-feira, dia 30, e de um, muito especial, que vi na quinta-feira, 1 de outubro.

DISTANTE NÓS VAMOS – O problema de um diretor realizar uma obra-prima logo em seu primeiro trabalho é que todos os seus filmes seguintes ficarão sempre à sombra da comparação. É o que acontece com Sam Mendes, que estreou com Beleza americana, o grande clássico do final do século XX. Seguiram-se o sóbrio Estrada para Perdição, o fraco Soldado anônimo e, recentemente, o superestimado Foi apenas um sonho. Aqui, ele mais uma vez volta as baterias para a discussão de relacionamento entre um casal, que, no entanto, não chega a experimentar uma crise no casamento, mas aguarda ansioso a chegada do primeiro filho. Resolvem sair em viagem pelo interior dos EUA, indo parar até Montreal, dispostos a escolher o local e a forma mais adequados para a criação do bebê. Um road movie que alterna momentos engraçados com outros ternos e sensíveis, valorizado pela bela fotografia e a delicada trilha sonora. No caminho, que é também uma viagem de autoconhecimento empreendida pelo casal (formado por John Krasinski e Maya Rudolph), vão cruzando com figuras estranhas, destacando-se a mãe que descarta o uso de carrinhos para conduzir os filhos pequenos (quem faz o papel é Maggie Gyllenhaall) e imprime regras alternativas na criação familiar, rendendo as cenas mais engraçadas do filme. O humor reside justamente nos diálogos e na crítica de costumes. O final poético é quase uma antítese do trabalho anterior do cineasta. Curiosidade: no elenco, a presença de Melanie Lynskey, que apareceu no cinema em Almas gêmeas, de Peter Jackson, em 1994, ao lado de... Kate Winslet, esposa de Sam Mendes. Será que foi um pedido da esposa ao seu marido para dar uma força à carreira da amiga (cuja carreira não deslanchou)? * * *

NOLLYWOOD BABILÔNIA – Pouca gente sabe, mas o terceiro maior mercado produtor de cinema do mundo, atrás apenas da indiana e da norte-americana, é a da Nigéria. Você provavelmente nunca viu um filme nigeriano, e assistindo a este documentário fica fácil saber o porquê, e pode-se ter a certeza de que dificilmente irá assisti-los a médio prazo. Infelizmente, não é possível falar em indústria como nas outras duas porque, embora a capital Lagos seja uma das maiores e mais populosas cidades da África, há apenas três salas exibidoras, e nenhuma delas programa filmes locais. Então, para onde vão os cerca de 500 filmes produzidos todo ano naquele país? Para os camelôs e as bancas de jornal. O que a princípio se assemelha à pirataria, e que certamente seria combatido em quase todos os países, aqui se revela como a tábua de salvação e escoamento da produção local. Talvez seja uma boa saída, visto que, a julgar pelo documentário, as vendas alcançam índices bem expressivos e têm boa repercussão entre o público. Este viés ajuda a formar o debate sobre os limites da circulação de um produto artístico. Claro que ninguém ali está interessado em enriquecer, em ganhar dinheiro com cinema. O importante é fazer o filme circular. São vários entrevistados, atores, atrizes, técnicos, roteiristas, mas o principal enfocado é o veterano diretor Lancelot Imasuen, que já realizou quase 160 filmes, e aqui acompanhamos a rotina de gravação de seu 158º. trabalho. Entre um depoimento e outro, a edição insere cenas de diversos filmes nigerianos, todos de péssima qualidade, com som e imagem ruins, efeitos toscos, amadorismo geral. Mas o público gosta desses produtos e os compra avidamente. Muito interessante, me deu vontade de conhecer todos aqueles títulos apresentados (quem sabe no futuro não veremos uma mostra dedicada ao cinema nigeriano no Festival do Rio?). Imperdível para cinéfilos. * * * *

COMO DESENHAR UM CÍRCULO PERFEITO – Após a morte da avó, um rapaz que nutre sentimentos incestuosos pela irmã se reaproxima do pai, um escritor frustrado. Este filme comprova a vitalidade do novo cinema português, que vem marcando presença no festival nos últimos anos, embora dificilmente os filmes sejam lançados por aqui (nem em DVD), com exceção de alguns poucos títulos de Manuel de Oliveira (que, aos 99 anos, é o mais velho diretor em atividade e apresentou, neste ano, seu último trabalho, Singularidades de uma rapariga loura). O diretor Marco Marins realiza uma obra hermética, permeada pela obsessão. O verdadeiro tema do filme é a solidão e as diversas formas a que um jovem se deixa corroer por ela, acumulando perdas, primeiro a avó, depois a mãe ausente, o pai que não se importa com ele, a irmã que o despreza. Seu único motivo de orgulho é saber desenhar um círculo com extrema precisão. O clima sombrio é destacado pela fotografia escura. A cena de sexo entre os irmãos impressiona pela veracidade e sinceridade na entrega do casal. * *

SOMOS TODOS DIFERENTES – Este filme foi-me indicado aqui mesmo no blog em julho e, desde então, assisti-lo se tornou uma obrigação. Consegui agora, numa sessão matinal (a primeira de minha história no festival) na Mostra Geração, com menos crianças do que se poderia esperar (provavelmente a chuva desestimulou a ida das escolas, tradicional público dessa mostra), e que se comportaram muito bem durante a projeção! Conta a história de Ishaam, um menino de 9 anos que apresenta sérias dificuldades de aprendizado. Não consegue se concentrar nos estudos, sempre tira notas baixas e está ameaçado de expulsão no final do ano (o irmão, ao contrário, é o melhor aluno da classe, o que leva a inevitáveis comparações). Porém, possui uma imaginação muito fértil, sempre inventando histórias – nesse sentido, a melhor cena é uma animação que reproduz uma batalha interestelar enquanto o menino tenta resolver uma prova de matemática. Sem saber o que mais fazer com o filho, seus pais resolvem interná-lo em um colégio para crianças especiais, com algum tipo de disfunção, física ou mental. A chegada de um novo professor de Artes trará novos rumos à vida de Ishaam. O filme é uma produção típica de Bollywood, mas com uma preocupação social que eu ainda não tinha visto nos filmes locais. Há muitas canções, mas todas incidentais, servindo como comentário a algumas cenas e ações. O único número musical efetivo acontece na apresentação do professor. Uma verdadeira aula de cinema, do começo ao fim, exemplo de vida e dedicação, com roteiro primoroso, sem nada fora do lugar, todos os conflitos se resolvem de forma consistente, sem soluções fáceis. O menino que interpreta Ishaam é muito expressivo, atuando de forma natural e convincente. Chego mesmo a ousar dizer que é a melhor atuação infantil que eu já vi (na vida real, ele não tem o mesmo problema do personagem). Impossível conter as lágrimas, que me rolaram várias vezes ao longo do filme. Uma obra-prima que infelizmente permanecerá esquecida porque a produção indiana é esnobada em grande parte do mundo (no Brasil então, nem se fala – e olha que acabamos de ter uma novela que fazia referências ao assunto!). Mas deveria ser exibido em todas as escolas públicas do país, deveria passar em horário nobre na televisão. Se a Toda-Poderosa emissora do bairro-que-é-um-jardim realmente estivesse preocupada em melhorar o nível social e educacional do país, divulgaria e exibiria essa pérola. Um filme obrigatório, que emociona e joga luzes na discussão de um problema sério. * * * * *

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Festival do Rio - 500 noites de amor

BELLINI E O DEMÔNIO – Segunda adaptação de uma aventura do detetive Remo Bellini, criado pelo Titã Tony Bellotto, para o cinema (a primeira, Bellini e a esfinge, de 2001, ganhou o Troféu Redentor). Já há um terceiro livro, Bellini e os espíritos, que logicamente também irá virar filme. Não gosto da primeira história, excessivamente longa, lenta demais e dispersiva em sua narrativa fria, mas que segue direitinho a cartilha do cinema noir. Esta nova aventura de Bellini desenvolve-se em um clima bem mais dark, quase opressivo, por vezes angustiante, vai direto ao ponto (é bem curta, tem apenas 85 minutos). Não conheço o romance, mas é evidente também que muita coisa precisou ser suprimida ou resumida, o que pode gerar certa incompreensão por parte do espectador. Foi o último trabalho de Fábio Assunção antes de sua internação em uma clínica de recuperação da dependência química; de fato, o ator parece estar mesmo sob o efeito de alucinógenos, compondo com perfeição um atormentado e desesperançado detetive particular, sempre abatido, com barba por fazer, longe do galã que ficou conhecido pelas novelas globais. Sua atuação é visceral, imprimindo ainda mais impacto à narrativa, que não prima pela linearidade – é preciso ficar atento aos desdobramentos temporais para entender a trama. Há óbvias referências a O último portal e Coração satânico. A bela Rosane Mulholland, musa da vez do cinema nacional, faz a jornalista Gala, que auxilia Bellini na investigação sobre uma garota morta no banheiro do colégio, o que desencadeia uma perigosa busca por um livro misterioso, que conteria segredos ocultos. Podem apontar várias falhas no filme, mas a verdade é que me envolvi com a história, o filme prendeu minha atenção até a última cena. Marília Gabriela aparece quase ao final, morena e de cabelo curto, num papel pequeno, mas importante. O final pareceu rápido e abrupto demais. * * *

O CORREDOR NOTURNO – Entrou de última hora na minha programação (o filme original que ia assistir não foi liberado e escolhi outra sessão) e, combinando com o improviso, também cheguei em cima da hora à sala, já com os créditos de abertura na tela. Um executivo do ramo de seguros enfrenta problemas profissionais e familiares quando conhece um homem misterioso, que o ajuda a resolvê-los. Ele recusa o auxílio, mas livrar-se de seu novo amigo vai ser uma tarefa quase impossível. Baseado em romance homônimo do argentino Hugo Burel (editado pela Alfaguara), este poderia ser uma fábula sobre a moral no universo corporativo, com a figura do Sr. Conti funcionando como a voz da consciência do empresário (Leonardo Sbaraglia), sempre aparecendo nos momentos de crise mais intensa. No entanto, o bom ponto de partida se dilui por força de um roteiro frouxo, que não aprofunda os conflitos so protagonista nem se preocupa em desenvolver melhor a figura do amigo misterioso. O que será ele? Um fantasma? A própria consciência personificada? Uma metáfora das relações de poder? A definição fica a cargo de cada espectador. Pessoalmente, as primeiras referências que me vieram à mente foram dois contos de Rubem Fonseca, Passeio noturno (sobre um empresário que sai de carro pela noite atropelando pessoas – no filme, para aliviar a tensão, o executivo sai para correr à noite) e O outro (em que um cidadão comum não consegue se livrar de um pedinte), mas o filme nada tem a ver com nenhum deles. * *

500 DIAS COM ELA – Este foi o Pequena Miss Sunshine do festival deste ano: um filme que chegou sem alarde, meio na surdina, escondido no meio da programação (inclusive já com data de estréia definida, o que costuma espantar o espectador que gosta de garimpar pérolas), também independente (mas distribuído pela Fox), sem grandes nomes no elenco. E que consegue conquistar a platéia graças a um roteiro primoroso, inteligente, que faz um retrato sensível e realista das relações afetivas que se desenvolvem nos tempos atuais. O jovem Tom (Joseph Gordon-Levitt, da série 3rd rock from the sun) trabalha escrevendo cartões de felicitações, embora seja formado em Arquitetura (o que já provoca a imediata empatia do público, é um desvio profissional muito comum hoje em dia). Ele sempre acreditou no amor, em alma gêmea (o que é explicado logo no começo, ele teria entendido errado A primeira noite de um homem!). Sempre solitário, vê sua vida ganhar um novo sentido ao conhecer Summer (Zooey Deschanel, de carreira ascendente, linda como sempre), a nova assistente do escritório. Aos poucos, vão descobrindo várias afinidades. Tom se apaixona, mas Summer é exatamente o seu oposto: não acredita no amor, não quer compromisso sério. A narrativa avança e recua no tempo, ao longo dos tais 500 dias em que durou o relacionamento entre eles, mostrando as diversas etapas do namoro, momentos alegres, brigas, reconciliações, enfim, a vida tal como a vivemos. Com ótima montagem, trilha sonora espetacular e eclética, recheada de canções pop românticas que marcaram época (tem de The Smiths a Carla Bruni!), o filme tem também ótimos diálogos e boas sacadas visuais, como o pastiche musical após a primeira transa do casal ou a separação da tela em dois planos, o da realidade e o da expectativa, antes de um encontro entre ele e sua amada. O diretor Marc Webb, egresso dos videoclipes, mostra que é cinéfilo e presta uma bela homenagem à sétima arte, com uma especial seqüência em que satiriza filmes franceses (e também faz uma alusão muito bem humorada a O sétimo selo). Mas erra ao oferecer um final convencional. Embora possa provocar gargalhadas, é um filme a que se assiste com um ligeiro aperto no coração, por desnudar, de forma simples e direta, as misteriosas engrenagens que movem o amor. Se eu não estivesse em um momento afetivo particularmente muito bem resolvido, provavelmente teria derramado muitas lágrimas no cinema. Para ser visto por casais de todas as idades. O filme pode ser finalista em várias categorias do Oscar. Delirantemente aplaudido no final da sessão. * * * * *

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Festival do Rio - quiabo com rum

SEXO, QUIABO E MANTEIGA COM SAL – O sexagenário e machista Malik perde o chão ao ser abandonado pela mulher, que o troca pelo amante bem mais jovem. Tentando reiniciar sua vida, ele precisa reavaliar seus conceitos e, para isso, conta com a ajuda de uma vizinha sexualmente reprimida, de uma irmã, dos amigos e dos filhos, um dos quais se revela gay. Com um roteiro deficiente, que transita por várias situações sem aprofundar nenhuma delas a contento, o filme centra sua ação na comunidade costa-marfinesa residente na França, mas evita discutir problemas relacionados a ela (a questão da integração social, com a nova identidade européia, por exemplo, mal é mencionada e não acarreta conflitos). O interesse é mesmo o riso e, para alcançá-lo, o diretor equilibra sua história entre os diversos personagens, cada um com seu momento específico de brilho, embora nenhum seja especialmente bem construído. Mas é muito menos engraçado do que fez supor o público que assistiu à sessão, que saiu elogiando e recomendando com entusiasmo, o que o fez crescer no boca-a-boca. Tem, porém, o grande mérito de evitar baixarias e situações grosseiras, o que já é muito para uma comédia nos tempos atuais. É um filme simpático, que consegue ótima comunicação com a platéia, mas está longe de ser mais do que apenas uma curiosidade. O ator principal é a cara do Danny Glover. * *

35 DOSES DE RUM ­– No subúrbio parisiense, pai e filha tem o relacionamento abalado com a aproximação de outras três pessoas. Outra veterana de festivais, a francesa Claire Denis sempre ambienta suas histórias em núcleos humanos em vias de se despedaçar por decisões controversas de alguns de seus integrantes. Não é diferente aqui, em que o equilíbrio da relação entre Lionel (Alex Descas) e Josephine (Mati Diop) patina na medida em que novos rumos vão se desenhando para um e outro. O pai vai se envolvendo com uma taxista de meia-idade, enquanto a filha fica em dúvida se deve ou não acompanhar o namorado que recebeu uma proposta de emprego em outro país. Sóbrio, com narrativa eficiente e emoções contidas. Denis filma a vida como ela é, sem invencionices, sem grandes lances narrativos, com lentidão, muita conversa e um inegável calor humano para com seus personagens. * *

domingo, 27 de setembro de 2009

Festival do Rio - um bebê e dois motivos para chorar

RICKY – “Todo Ozon merece ser visto”, escreveu o crítico Rodrigo Fonseca a respeito de um dos mais badalados diretores franceses da atualidade. Não sou especial admirador de Ozon, que tem uma obra consistente, pautada por temas pesados e voltados à problemática dos relacionamentos interpessoais, geralmente afetivos. Aqui, ele realiza seu filme mais leve e fantasioso, mas nem por isso menos sério em sua proposta. Katie e Paco formam um casal comum até o dia em nasce Ricky, um bebê com uma curiosa peculiaridade. O resumo divulgado pela imprensa omite o grande segredo da história, que é muito fácil de adivinhar e eu até poderia revelar aqui, mas prefiro deixar que cada espectador tenha sua própria surpresa. Neste misto de drama familiar com comédia fantástica, há alguns bons momentos cômicos, sendo o principal deles quando o bebê escapa na loja de artigos natalinos. Ricky é adorável, dá vontade de levar para casa (e funciona bem, apesar dos efeitos especiais nem sempre competentes). Se fosse um típico blockbuster já haveria uma extensa linha de produtos relacionados, incluindo boneco de controle remoto. Aliás, dá mesmo para imaginar uma refilmagem norte-americana. No fundo, é apenas um filme fofo, simpático, diversão passageira para toda a família. * * *


BARBA AZUL – Entrou de tapa-buraco na minha programação este novo trabalho da sempre polêmica francesa Catherine Breillat, uma veterana de outros festivais (Anatomia do inferno, A última amante), que costuma rechear seus roteiros com muito sexo, mantendo firme o discurso feminista que, por vezes, chega a incomodar. Nada disso, porém, acontece aqui. Desta vez, ela renunciou ao erotismo para recriar livremente a clássica história do Barba Azul, escrita por Charles Perrault, que é muito conhecida e já foi várias vezes levada às telas (foi adaptada até para o Sítio do Pica-pau Amarelo!). São duas linhas narrativas. Em uma delas, passada nos dias de hoje, duas irmãs lêem e encenam a história do nobre assassino de mulheres. Na outra, desenvolve-se a lenda na França do século XVII. As duas narrativas se interligam pela aparente rivalidade entre as meninas nos dois momentos. Mas teria sido melhor Breillat se manter fiel ao estilo que a consagrou. A narrativa é extremamente fria e lenta, sem qualquer lance que desperte o interesse do espectador. O elenco também não ajuda, atuando de maneira impessoal. Cheguei a cochilar no cinema. Final trágico e abrupto, mas pouca gente terá agüentado até lá. De bom mesmo, só a bela reconstituição de época. *

AMARGO – O filme não tem enredo: é apenas uma sucessão de imagens delirantes e multicoloridas, intensamente iluminadas, versando sobre a sexualidade feminina. Um pesadelo surrealista, com várias citações a Buñuel e Dalí, vitaminado por uma montagem acelerada e com excesso de closes de olhos, bocas e peles, com escassez de diálogos, cenas desagradáveis e muito intelectualismo de botequim. O casal de diretores pensa ter realizado um dos filmes mais geniais da história. É mais uma enganação vendida como um sopro de renovação estética. Primeira sessão espanta-neném do festival, com vários espectadores deixando a sala durante a projeção. No final, ouvi um rapaz comentando que era um filme de terror de quinta categoria. Não é uma definição absurda.

sábado, 26 de setembro de 2009

Festival do Rio - de borboletas e viajantes

O LAR DAS BORBOLETAS ESCURAS – Jovem problemático é enviado a uma ilha onde funciona uma escola de correção comportamental de adolescentes. Lá, precisa aprender a conviver com os outros internos, enquanto é atormentado pelas lembranças de sua infância (que escondem um segredo) e se apaixona pela filha do dono do lugar. O cinema escandinavo, com forte tradição em temas que englobam o universo infanto-juvenil, tem aqui mais um excelente momento, num filme de clima opressivo, realçado pela fotografia em tons escuros. O comportamento arredio e autodestrutivo do protagonista é explicado quase ao final, em uma cena dolorosamente trágica, e o recurso dos flashbacks e insights de lembranças permeia toda a narrativa, tornando a história mais complexa e absorvente. Erro: os jovens intérpretes são visivelmente mais velhos do que a idade de seus personagens (todos por volta dos 13 / 14 anos), o que compromete a credibilidade do roteiro. O filme foi o escolhido para representar a Finlândia por uma vaga entre os concorrentes ao Oscar de Filme Estrangeiro. Baseado em premiado romance de Leena Landers. O título vem da criação de bichos-da-seda que o dono do lugar pretende iniciar para evitar que a escola feche, por falta de recursos: se as larvas não forem bem alimentadas, elas ficam escuras. * * *

VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO – Primeira reunião de dois dos mais festejados diretores brasileiros da atualidade, Marcelo Gomes (do superestimado Cinema, aspirinas e urubus) e Karim Ainouz (do lírico O céu de Suely, ambos premiados em edições anteriores do festival). O resultado só podia mesmo ser um híbrido de dois estilos tão parecidos. Um geólogo de quem apenas ouvimos a voz (Irandir Santos) viaja a trabalho pelo sertão nordestino, conhecendo vários tipos humanos, descobrindo histórias de amor e desilusão, enquanto se corrói de dor pela lembrança da mulher que amou e que, teoricamente, o teria abandonado. A narrativa é sofrida, com a solidão do personagem central encontrando paralelo nas longas distâncias percorridas, no clima seco e árido da paisagem sertaneja e na imobilidade dos pequenos lugarejos visitados, tudo reforçado por uma trilha sonora de clássicos do cancioneiro brega (tem até Bartô Galeno!). A luminosa fotografia serve de contraste à desesperança reinante por toda a narrativa, que só é atenuada na simbólica cena final. Visualmente, um dos filmes mais bonitos do festival e da nova safra do cinema nacional. No entanto, o solilóquio de amargura conduzido ao longo dos 71 minutos de duração do filme (quase não é um longa-metragem), mesmo emoldurado pelas belas imagens, não é suficiente para sustentar o interesse permanente do espectador. Quase no final, ensaia virar um documentário, com direito a entrevistas (uma conversa com uma jovem que se prostitui e conta dos seus planos, de sua idéia de felicidade, que seria uma “vida-lazer”, que ela explica como sendo a idéia de voltar para casa no final do dia e encontrar o marido à sua espera). Ou seja, é fácil se identificar com o narrador e entender seus anseios existenciais. O curioso título é uma famosa máxima de pára-choque, mas aqui é apresentado em um cartaz pregado na parede de uma borracharia de estrada. As filmagens ocorreram no interior do Ceará, Paraíba e Pernambuco, com algumas tomadas rodadas em Acapulco, no México, realizadas com uma diferença de 10 anos (1999 e 2009). * *

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Festival do Rio - as primeiras críticas

Começou a maratona! E já bati meu recorde pessoal de filmes vistos no primeiro dia do festival: foram cinco produções. A seguir, as críticas do que vi hoje.

TIRO NA CABEÇA – Em 2007, dois guardas civis espanhóis foram assassinados por membros do ETA, em um encontro casual. A partir deste fato, real, o diretor Jaime Rosales construiu uma trama ficcional, dramatizando os momentos que antecederam ao crime, mostrando o cotidiano de um dos assassinos e a preparação do atentado. O filme tem uma característica: não apresenta diálogos, nem música (embora não se trate de filme mudo, há sons e ruídos ambientes), com a história sendo explicada apenas pelas imagens. Nesse clima de frieza e distanciamento, o espectador é jogado no papel de cúmplice das ações, acompanhando todos os passos do grupo, observando tudo, sem poder reagir ou impedir qualquer coisa. O resultado é estranho, parecendo um misto de documentário com filme independente norte-americano. Elenco competente. Com apenas 84 minutos de duração, o filme é curto e nem deixa o público que o assiste com vontade de fazer o mesmo que seu título sugere. * *

EU, ELA E MINHA ALMA – O ator Paul Giamatti sofre um colapso nervoso durante os ensaios da peça Tio Vanya em Nova York. Descobre uma empresa especializada em retirar a alma das pessoas para deixá-las mais leves e recorre a seus serviços. Insatisfeito, porém, tenta reavê-la e descobre um complexo esquema de tráfico de almas a partir da Rússia. O excelente ponto de partida, muito original e criativo, nos faz pensar que iremos assistir a uma nova farsa surrealista nos moldes de Quero ser John Malkovich, em que um conhecido ator se envolve em uma trama absurda. Infelizmente, a proposta se perde depois de algum tempo, levando a resoluções inconvincentes e com poucos risos. Mesmo a crítica implícita contra as seitas e religiões apocalípticas, que prometem mundos e fundos a seus seguidores, se dilui ao longo da narrativa. Uma pena. No final, fica um sentimento de frustração pelo grande filme que poderia ter sido. Giamatti comprova ser um dos melhores coadjuvantes de Hollywood, carregando o filme nas costas, bem assessorado por David Strathairn (o médico que realiza a “operação” da alma). Emily Watson, como a esposa de Giamatti, tem poucas chances. Estréia de Sophie Barthes na direção de longas-metragens. * *

DOCE PERFUME – A atriz polonesa Krystyna Janda está rodando um filme pouco tempo após a morte de seu marido, de câncer. Seus sentimentos afloram e se misturam aos de sua personagem, uma mulher que vê o amante morrer afogado. O veterano Andrzej Wajda realiza uma obra em que ficção e realidade se mesclam na construção de uma personalidade atormentada pela dor e que discute, nas entrelinhas, o próprio trabalho do artista. Menos pesado que seu filme anterior, Quatro noites com Anna, exibido no festival do ano passado, é uma obra que se presta a várias interpretações, suavizando o sofrimento da situação com belas locações e trilha sonora adequadamente contida. * * *

UMA SEMANA EM PARAJURU – Os moradores do vilarejo de Parajuru, no Ceará, sofrem com a especulação imobiliária, desde que uma austríaca ali se estabeleceu e iniciou um projeto turístico-social. Com a desculpa do desenvolvimento, ela impõe suas regras, como a obrigatoriedade do ensino de língua alemã e o loteamento das praias para a prática de kitesurf. Dividido em seis pequenos trechos apresentados por subtítulos e mais um epílogo. Minha má vontade com o documentário surgiu logo na primeira cena, quando aparece “De um mundo à outro”, assim mesmo, com crase!!! Não tinham um revisor? Há outros erros (legendas malfeitas, com erros de pontuação), mas a importância do assunto se sobrepõe às falhas do projeto. Mostra que o Brasil ainda não está completamente livre da ameaça colonialista. A beleza de Parajuru (um lugar que deu vontade de conhecer pessoalmente) é realçada pela bela fotografia, do próprio diretor. Os letreiros finais informam que a equipe vem sofrendo represálias desde que o filme foi feito, e que estariam com dificuldades para fazer a história circular. * * *

O AREAL – Histórias de crendices populares na localidade de Guajará (PA), local dominado pela presença de um gigantesco e mítico areal, tido como encantado pelos moradores. Folclore brasileiro filmado por lentes estrangeiras (o diretor é chileno), sem esconder o fascínio pelo exotismo das locações e do tema incomum. Talvez por esses elementos tenha sido premiado em festivais menores do gênero. Não empolga. Lembra o semelhante Histórias do Rio Negro, com o doutor Dráuzio Varela. *