quarta-feira, 27 de maio de 2009

Existenz

Antes de se tornar o diretor reconhecidamente sério dos dias de hoje, graças aos aclamados Marcas da violência e Senhores do crime, o canadense David Cronemberg era visto apenas como um mestre do bizarro. Com efeito, seus filmes pregressos não negam esse rótulo (Calafrios, Videodrome – a síndrome do vídeo, A mosca, Gêmeos, mórbida semelhança). No entanto, é injusto reconhecer suas qualidades apenas por conta de suas obras que podem ser consideradas mais normais, o que parece ser mesmo a sina imposta pela Academia para determinar o grau de aceitação ou seriedade conferido a um filme. Quem acompanha a carreira do diretor e gosta de seu trabalho já havia percebido isso há muito tempo.

Existenz é uma prova da criatividade ilimitada e do estilo muito particular de Cronemberg. Todos os seus fetiches estão lá: o gosto pelo estranho, a atração pelo lado mais sombrio da natureza humana, a deformação moral, tudo embalado por uma fotografia sufocante. O título se refere a um jogo de realidade virtual e a grafia original, oficial, é eXiStenZ, assim mesmo, com alternância entre maiúsculas e minúsculas, mas me recuso a adotá-la, porque não há sentido algum, é apenas uma extravagância gráfica concebida pelo diretor, sem maiores conseqüências na narrativa. A Ensiqlopedia do Qorpo Santo, ao menos, se prestava a um projeto estético bem definido.

O tal jogo do título é uma criação de uma jovem projetista de computadores (Jennifer Jason Leigh), que está em uma espécie de convenção para demonstrá-lo, mas, antes que o possa fazer, é alvo de uma tentativa de assassinato cometida por um assistente que chegou atrasado à exibição. Para alvejá-la, ele utiliza uma estranha arma, semelhante a um revólver, mas que atira dentes humanos (!). É salva pelo segurança do recinto (Jude Law, num papel bastante incomum em sua carreira). Fugindo por uma estrada, vão parar em um lugarejo na área rural, onde continuam sofrendo ataques e ameaças diversas, incluindo a de um psicótico frentista que lhes concede abrigo (mais um papel de desequilibrado para Willen Dafoe, que morre logo). A partir daí, ambos passam a ser perseguidos por organizações diversas, cada qual com um interesse específico no jogo. Mais não dá para contar para não estragar o suspense e as surpresas do roteiro. O filme segue num ritmo alucinante até um dos finais mais surpreendentes e imprevisíveis dos últimos tempos, algo que Shyamalan ainda insiste em fazer, mas sem mais a mesma competência.

Se há uma falha no roteiro de Existenz é a mudança brusca de atividade desempenhada pelos protagonistas, que passam muito rapidamente, e sem maiores explicações, de fugitivos a empregados de um restaurante chinês. Também acho de profundo mau gosto o desenho do comando do jogo, que lembra um feto humano estilizado (e que se move, o que reforça a impressão), e cujo cabo de conexão nada mais é do que um cordão umbilical. Esta estilização tem a ver com o propósito do jogo, mas é uma visão incômoda. Aliás, não faltam cenas desagradáveis no filme, como o canal de conexão do jogo, no corpo dos jogadores, e, principalmente, o prato servido a Jude Law no tal restaurante (é preciso ter estômago de aço para suportar a cena), como é de costume na obra de Cronemberg. Só que tudo está ali por uma razão, e este termina sendo o grande mérito do diretor: exibir cenas repelentes amparadas em uma necessidade cênica de reforçar as intenções da narrativa. O choque se faz pelo inusitado, não pelo gratuito.

Mais estranho do que a proposta do jogo é saber que o filme nunca foi lançado comercialmente no Brasil. Por aqui, só passou em festivais ou na TV a cabo. Permanece inédito mesmo em DVD. Quem sabe se, com a gradual penetração e popularização do Blu-Ray, as distribuidoras não se animam a resgatar este e outros títulos para que fiquem disponíveis ao grande público.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

O Vigilante Rodoviário

Exibida pela TV Tupi no começo dos anos 60, a série O Vigilante Rodoviário entrou para a história da televisão brasileira. Marco de toda uma geração, que vibrava com as aventuras do patrulheiro Carlos e seu fiel ajudante, o cachorro Lobo, o seriado foi um projeto criado e levado adiante pelo diretor Ary Fernandes, cujo objetivo declarado era dar vida ao primeiro herói genuinamente brasileiro. O sucesso alcançado pela série comprova o acerto de sua intenção. Teve uma duração relativamente longa, com 39 episódios. Todos estão sendo reapresentados pelo Canal Brasil, desde o dia 9 de março, às segundas-feiras, 20h30, com reprises às terças, 16h, e aos domingos, 11h.

Mesmo quem não viveu naquela época já leu ou ouviu falar sobre as aventuras do vigilante Carlos, um patrulheiro rodoviário que agia na Rodovia Anhagüera, em São Paulo, a bordo de uma Harley Davidson 1952 ou de um Simca Chambord 1959, acompanhado por seu cão Lobo (que também serviu de inspiração para muitos donos de cães batizarem seus animais). Juntos, combatiam ilegalidades diversas e auxiliavam na resolução de crimes. Mas não há violência explícita nem tiroteios, para não assustar o público-alvo da série, mais voltada a crianças e adolescentes. A origem de Lobo é explicada em um episódio. A aura de heroísmo conferida ao vigilante contribuiu para que muitos meninos se interessassem em seguir a carreira policial, incluindo o próprio protagonista, o ator Carlos Miranda, que, com o final da série, foi aprovado em um concurso para a Polícia Rodoviária Federal, no único caso conhecido de ator que virou o personagem que interpretava. Depois da série, ainda fez tímida carreira no cinema, sem maior destaque.

A estrutura da série é bastante simples e pode ser resumida a três atos. O primeiro define a ação e introduz os personagens do universo marginal: golpistas, ladrões de obras de arte e arte sacra, fugitivos da polícia etc. O segundo mostra o empenho do vigilante Carlos e seus amigos de corporação na captura dos meliantes. O terceiro é a conclusão, sempre óbvia, com o bem vencendo o mal e os mocinhos exibindo seus sorrisos de satisfação pelo dever cumprido. Posteriormente, o encerramento passou a ser feito com uma mensagem moralizante dita pelo patrulheiro, conclamando os motoristas a seguirem as regras de trânsito e direção segura, combatendo assim os acidentes nas estradas.

Infelizmente, a série não resistiu à passagem do tempo e envelheceu bastante em muitos aspectos. Hoje, só mesmo com o olhar romântico do saudosismo ou com uma boa dose de curiosidade é possível assistir às aventuras do vigilante Carlos sem se importar com a inocência das situações. A começar pela má qualidade da cópia em alguns episódios, cheios de riscos e manchas, e com o som inaudível. Os roteiros se esforçam, mas não conseguem fugir do esquematismo maniqueísta comum a esse tipo de produção. As cenas de luta que empolgavam a garotada na época hoje não convencem. Mas nada disso tira o mérito da produção, que ocupa um lugar de destaque no coração de todos os que viveram aqueles tempos. E, que mais não fosse, é sempre importante manter viva a memória cultural de nosso país.

Em 1978, houve uma tentativa de revitalizar o seriado e um novo episódio piloto foi produzido por Fernandes, desta vez com Antônio Fonzar no papel do vigilante Carlos e com três cães se revezando como Lobo (originalmente era apenas um, que obedecia aos comandos de um treinador). Mas o projeto não foi adiante e resumiu-se a este único novo episódio.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

O homem duplo

O nome de Philip K. Dick está para a literatura de ficção científica tal qual o de Dashiel Hammett para a policial. Um mestre no gênero, inventivo, autor de fantasias futuristas complexas e inteligentes, sempre temperadas com boa dose de crítica política, um visionário. Muitas de suas histórias foram adaptadas para o cinema com grande sucesso: Blade Runner – o caçador de andróides, O vingador do futuro, Minority report – a nova lei, só para citar algumas. Todas, porém, produções francamente comerciais, agrupando os elementos típicos do cinema de pura fruição – elencos de grandes astros, efeitos especiais elaborados, produções cuidadosas. Este aqui é um pequeno filme que, mesmo trazendo a marca do mestre, fez carreira tímida nos cinemas, embora seja baseado em um de seus textos mais cultuados, e menos conhecidos, no Brasil: O homem duplo. O filme foi produzido pela Wip, o braço da Warner para projetos independentes, o que também causou restrições de exibição, limitando-o ao circuito alternativo.

A trama se passa em um futuro não determinado e acompanha o cotidiano do policial Fred, designado pelo departamento de polícia de Anahein para investigar um grupo de traficantes de uma poderosa droga sintética, a Substância D. Para isso, ele assume a identidade de um desses usuários, Robert “Bob” Arctor, e passa a conviver com outras pessoas envolvidas nesse universo de opressão e decadência. Por meio de câmeras filmadoras instaladas em sua casa, ele obtém as informações que podem levar ao chefe da quadrilha. Mas tudo se complica quando ele se reconhece em uma das imagens como sendo o homem que deveria investigar. Neste momento, a paranóia de Fred/Bob chega ao limite e ele se vê sem saída.

O diretor Richard Linklater é velho conhecido de boa parte do público cinéfilo. É ele o responsável pelo já clássico do romantismo dos anos 90, Antes do amanhecer, em que um jovem casal se encontrava por acaso durante uma viagem de trem pela Europa e trocava confidências, desenvolvendo uma relação ambígua. Dez anos depois, fez a continuação, Antes do pôr-do-sol, que não foi tão bem sucedida. Seus filmes são, geralmente, muito dialogados, o que pode aborrecer alguns, mas a sinceridade com que trata de certos temas agrada e provoca boas reflexões. Linklater já havia realizado uma experiência na animação em 2001, com Waking life. Ali, ele utilizou a técnica da rotoscopia (que é repetida neste aqui), em que primeiramente os atores são filmados em seus movimentos reais e depois é feito o processo de animação por cima das imagens. O visual parece estranho a princípio, sobretudo para quem está acostumado com as produções Disney/ Pixar, mas sempre fascinante. Esta é outra razão pela qual o filme não fez o sucesso que deveria ou poderia. Desenho animado para adultos é sempre uma coisa complicada, difícil de lançar nos cinemas, e que nunca encontrou seu público no Brasil, com exceção das animes. Fica melhor assim, em DVD, onde pode ser melhor aproveitado.

Embora bastante fiel ao romance original, mantendo as situações básicas e até mesmo os diálogos (nada é cortado ou acrescentado, apenas um detalhe foi invertido do final para o começo da história, o que, diga-se de passagem, elimina boa parte da surpresa), o filme sofre os mesmos problemas de toda adaptação de obra literária. O maior deles é a falta de clareza que fica diante de algumas cenas que passam voando (a mim, incomodou um pouco a velocidade da história, muita gente pode se perder, mal há tempo para se pensar no que aparece na tela). Por exemplo, a seqüência da bicicleta, que tem uma função bem específica no livro – mostrar a degeneração cognitiva provocada pelo uso das drogas – soa deslocada no filme, gratuita, mesmo porque não se conclui! O que confunde o espectador. Por outro lado, a decisão de realizar o filme em animação se justifica sobretudo pela solução encontrada para a representação do traje misturador (no filme, traje de transição), que os policiais usam para não serem identificados fora de seu ambiente de trabalho. Confesso que somente vendo o resultado na tela consegui entender perfeitamente como funcionava o mecanismo da roupa. É algo que, se feito com atores verdadeiros, dificilmente alcançaria o mesmo efeito, mesmo com tantas facilidades de computação e efeitos especiais avançados. Embora o final permaneça inalterado, seu impacto é maior no livro, mas pelo menos a nota do autor, que encerra o romance, foi mantida na tela, ainda que bastante reduzida.

A sugestão é que o espectador leia o livro antes, até para não se perder em determinados trechos do filme, e assim possa avaliar até que ponto a adaptação foi bem ou mal feita. Mas quem busca apenas um bom programa sem ter conhecimento do texto original também vai encontrar bons motivos para se divertir.

O HOMEM DUPLO (A scanner darkly)
Animação / Ficção científica
EUA, 2005, 100 minutos
Direção: Richard Linklater
Elenco: Keanu Reeves, Robert Downey Jr., Winona Ryder, Woody Harrelson, Rory Cochrane.

Para ler:
O homem duplo
Philip K. Dick
Editora Rocco
310 páginas
Preço médio: R$30

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Férias de amor

Adaptação de uma peça de grande sucesso da Broadway, escrita por William Inge, Férias de amor é um excelente exemplar do melodrama típico de Hollywood, um subgênero extremamente popular nos anos 50 e cujo mestre foi Douglas Sirk. Dirigido pelo mesmo Joshua Logan que conduziu a montagem teatral, o filme pode ter envelhecido sob certos aspectos, mas sua força romântica permanece inalterada, apesar das mudanças de costumes da sociedade.

O desocupado Hal Carter (William Holden) viaja clandestinamente de trem até chegar a uma pequena cidade do Meio-Oeste americano. Sua intenção é procurar um antigo colega de faculdade, Alan Benson (Cliff Robertson, em sua estréia no cinema; ele se consagraria doze anos depois, com o Oscar por seu desempenho em Os dois mundos de Charly), e acaba promovendo uma revolução nos costumes locais ao despertar o interesse da jovem namorada do amigo, Madge (Kim Novak). Toda a ação se passa no dia do Grande Piquenique Anual, tradicional festa comunitária que tinha na coroação da Rainha do Ano seu ponto alto, citado até nos jornais locais. É neste curto espaço de tempo que se operam mudanças significativas na vida e no pensamento dos personagens, incluindo uma professora solteirona e desesperada para casar (Rosalind Russell, em atuação marcada pelo humor e pelo patético).

A fórmula clássica dos melodramas é mantida, com a estrutura familiar e social desmoronando frente ao elemento externo, que prorrompe no ambiente estabelecido e, ao seu modo, destrói as convenções determinadas. A narrativa é pontuada por uma grande tensão sexual, que explode em pequenos detalhes, como na exposição do peito raspado de Holden, o máximo de sensualidade permitido pelo rígido código de censura da época. Repare na mudança de comportamento que sua presença provoca nos personagens femininos. Flo (interpretada por Betty Field), a irmã de Madge, no começo apresentada como uma adolescente rebelde e quase masculinizada, que briga com garotos, se transforma em uma jovem e sedutora mulher, que, ao final, assume sua condição de intelectual sem perder a feminilidade. A cena antológica do filme é a dança entre o par formado por Holden e Novak, à beira do rio, que posteriormente foi bastante imitada e copiada em produções do gênero. No fim, quando incentivada pela irmã a recusar a vidinha modorrenta que se lhe anuncia e seguir atrás de Hal, confrontando a preferência da mãe, Madge pronuncia a frase famosa: “A gente não ama uma pessoa por ela ser perfeita”. Não deixa de ser também emblemática a cena final, com o carro de Madge seguindo a trilha do trem que conduz Hal, mantendo acesa a chama da paixão e, de certo modo, adequando o filme a uma resolução romântica, de acordo com o pensamento da época (ainda que por uma moral bastante questionável do ponto de vista das tradições de então).

Indicado a 6 Oscars em 1956, incluindo melhor filme, Férias de amor ganhou nas categorias de Direção de Arte e Montagem. Teve uma refilmagem muito inferior feita para a TV em 1998, chamada Piquenique, estrelada por Josh Brolin e Gretchen Moll nos papéis centrais.

FÉRIAS DE AMOR (Picnic)
Drama
EUA, 1955, 113 minutos.
Direção: Joshua Logan
Elenco: William Holden, Kim Novak, Rosalind Russell, Cliff Robertson, Betty Field, Susan Strasberg.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Quarta-feira, a sessão é mais barata!

Aos seguidores e eventuais leitores do meu blog, informo que, a partir de hoje, as atualizações serão feitas todas as quartas-feiras, podendo haver outra às sextas-feiras, mas não deve ser a regra. Optei por este sistema para que as postagens fiquem mais tempo no ar, facilitando a leitura dos amigos que têm a boa vontade de visitar o meu espaço, entre uma navegada e outra.

Contamos com a sua compreensão.

Um bom final de feriado a todos.