quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Os indicados ao Oscarito 2013

A Academia Brasileira de Cinema divulgou os finalistas ao Grande Prêmio Cinema Brasil 2013, que eu chamo de Oscarito - não adianta o que digam, é como continuarei me referindo à premiação, e já expliquei aqui no blog várias vezes as razões para tal. Como era esperado, Gonzaga - De pai pra filho é o recordista em indicações, concorrendo em 15 categorias. A aposta é saber se ele conseguirá superar as 11 premiações de O palhaço, no ano passado. Outro sucesso do cinema nacional de 2012, Xingu vem em seguida, com 13 indicações, à frente de Corações sujos (10 indicações) e Heleno (9 indicações). A grande surpresa é a inclusão de Febre do rato, de Cláudio Assis, entre os finalistas na categoria principal, no lugar do bloquibuste Até que a sorte nos separe. Ou seja, a Academia deu uma bola dentro, prestigiando o cinema alternativo e de público mais restrito em detrimento do sucesso comercial.

Veja a seguir a relação de todos os indicados ao Oscarito de 2013. 

FILME
Gonzaga – De pai pra filho
Xingu
Corações sujos
Heleno
febre do rato

DIRETOR
Breno Silveira (Gonzaga – De pai pra filho)
Cao Hamburger (Xingu)
Cláudio Assis (Febre do rato)
Afonso Poyart (2 coelhos)
Walter Carvalho (Raul - O início, o fim e o meio)

ATOR
Júlio Andrade (Gonzaga – De pai pra filho)
João Miguel (Xingu)
Caio Blat (Xingu)
Rodrigo Santoro (Heleno)
Daniel de Oliveira (Boca)
Qual terá sido o critério para barrarem Felipe Camargo (Xingu) dessa categoria? Se é o personagem de Caio Blat que aparece menos e ainda some no meio do filme!

ATRIZ
Nanda Costa (Febre do rato)
Alessandra Negrini (2 coelhos)
Dira Paes (À beira do caminho)
Simone Spoladore (Sudoeste)
Hermila Guedes (Era uma vez eu, Verônica)

ATOR COADJUVANTE
João Miguel (Gonzaga – De pai pra filho)
Domingos Montagner (Gonzaga - De pai pra filho)
Eduardo Moscovis (Corações sujos)
Ângelo Antônio (À beira do caminho)
Cláudio Cavalcanti (Astro)
Provavelmente a Academia quis homenagear Cláudio, morto recentemente, com uma indicação, já que o filme é fraco e foi pouquíssimo visto.

ATRIZ COADJUVANTE
Zezé Motta (Gonzaga – De pai pra filho)
Ângela Leal (Febre do rato)
Leandra Leal (Boca)
Dira Paes (Sudoeste)
Andréa Beltrão (Os penetras)
Oscarito sem Dira Paes não tem graça. Este ano ela concorre duas vezes. Será que leva enfim seu primeiro prêmio?

ROTEIRO ORIGINAL
Gonzaga – De pai pra filho
Xingu
Heleno
Febre do rato
2 coelhos

ROTEIRO ADAPTADO
Corações sujos
Boca
Luz nas trevas
E aí, comeu?
Menos que nada
Será possível que não tinha mais nada para indicar? Menos que nada é exatamente o que o título indica. O texto original pode até ser bom, mas a adaptação é um desastre!

FILME DE ANIMAÇÃO
Brichos - A floresta é nossa
Peixonauta - Agente secreto da O.S.T.R.A.

FILME INFANTIL
Brichos - A floresta é nossa
Peixonauta - Agente secreto da O.S.T.R.A.
Cocoricó canta clássicos
31 minutos - O filme

FILME ESTRANGEIRO
Argo (EUA)
As aventuras de Pi (EUA)
A invenção de Hugo Cabret (EUA)
Intocáveis (França)
A separação (Irã)

DIREÇÃO DE ARTE
Gonzaga - De pai pra filho
Xingu
Corações sujos
Heleno
Paraísos artificiais

FOTOGRAFIA
Gonzaga - De pai pra filho
Xingu
Corações sujos
Heleno
Paraísos artificiais

FIGURINOS
Gonzaga - De pai pra filho
Xingu
Corações sujos
Heleno
Paraísos artificiais
As três categorias têm os mesmíssimos finalistas. Haverá variação nas premiações?

MAQUIAGEM
Gonzaga - De pai pra filho
Xingu
Corações sujos
Heleno
2 coelhos
Reis e ratos
Os seis finalistas se explicam: Martín Marcías Trujillo concorre por Gonzaga - De pai pra filho e Heleno.

TRILHA SONORA ORIGINAL
Gonzaga - De pai pra filho
Xingu
Corações sujos
Heleno
2 coelhos

TRILHA SONORA ADAPTADA
A música segundo Tom Jobim
Tropicália
E aí, comeu?
Reis e ratos
Luz nas trevas
Violeta foi para o céu
Curioso incluírem uma coprodução Brasil-Chile entre os finalistas. Deve ser a contrapartida amigável.

MONTAGEM
Gonzaga - De pai pra filho
Xingu
Corações sujos
Heleno
2 coelhos

EFEITOS ESPECIAIS
Gonzaga - De pai pra filho
Xingu
Corações sujos
2 coelhos
Paraísos artificiais

SOM
Gonzaga - De pai pra filho
Xingu
2 coelhos
Paraísos artificiais
À beira do caminho

DOCUMENTÁRIO
Raul - O início, o fim e o meio
A música segundo Tom Jobim
Tropicália
5x pacificação
Uma longa viagem

MONTAGEM DE DOCUMENTÁRIO
Raul - O início, o fim e o meio
A música segundo Tom Jobim
Tropicália
Marcelo Yuka no caminho das setas
Marighella

DOCUMENTÁRIO CURTO
A cidade
Desterro
Elogio da graça
Filme para poeta cego
Quem tem medo de Cris Negão?

CURTA-METRAGEM
A mão que afaga
A melhor idade
A onda traz, o vento leva
Laura
O duplo

CURTA DE ANIMAÇÃO
Cabeça de papelão
Dia estrelado
O ogro
Realejo
Valquíria

O Oscarito será entregue no dia 13 de novembro na Cidade das Artes. No dia seguinte você confere os vencedores aqui no CineComFritas.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Minha vida me pertence

A polêmica do momento é sobre a liberação de publicação de biografias não autorizadas. O assunto vem sendo tratado com a devida seriedade pela imprensa e merece um debate amplo, principalmente por tocar em um ponto fundamental da Constituição brasileira, o direito à privacidade individual. Há quem defenda a tese de que pessoas públicas tais como artistas ou políticos, os principais enfocados nesse gênero literário, não têm exatamente um lado privado, e tudo o que fazem ou já fizeram seria de interesse geral. Outros, ao contrário, dizem que biografias devem se restringir às realizações em suas respectivas áreas de atuação, descartando aspectos da vida pessoal de cada figura, sobretudo aqueles que comprometam a imagem do biografado.

Esse cara não sou eu! Não autorizei...
A gênese da discussão, como todos devem se lembrar, é o livro Roberto Carlos em detalhes, escrito pelo pesquisador Paulo César de Araújo, lançado em 2006. A obra foi recolhida das livrarias pouco tempo após o lançamento e embargada na Justiça. O cantor se disse ofendido porque não concedeu qualquer entrevista ao autor do livro e o considerou invasão de privacidade. Oficialmente, porém, sabe-se que ele não gostou de ter certas intimidades reveladas, como o acidente de que foi vítima quando criança, no Espírito Santo, e que resultou na atrofia de uma perna, fato já muito conhecido por quase todo mundo e facilmente encontrado na internet. Quem conseguiu comprar agora tenta capitalizar em cima da raridade do título. No site da Estante Virtual, até a manhã desta quinta-feira (24/10), havia dez exemplares à venda por preços que variavam entre R$250 e R$500.

O cinema sempre teve nas biografias um porto seguro para produções normalmente atraentes ao público. Então, fiquei pensando se essa suposta proibição se estendesse à sétima arte. No Brasil, vários filmes nunca teriam vindo a lume.

GARRINCHA, ESTRELA SOLITÁRIA - Taí um caso em que o espectador sairia ganhando com a proibição. O filme todo é um equívoco, a começar pelo sacrilégio de escalarem um ator assumidamente flamenguista (André Gonçalves) para viver o eterno ídolo do Botafogo, uma escolha que pareceu provocação. O roteiro prefere sublinhar as estripulias amorosas e sexuais do jogador e pouco se fala de sua carreira nos gramados, tudo é muito rápido e mal contado. Não faz justiça ao estupendo livro que o inspirou, Estrela solitária - Um brasileiro chamado Garrincha, de Ruy Castro, que também enfrentou problemas na época de seu lançamento, chegou a ser censurado pelas filhas do jogador, que o consideraram desrespeitoso e partilhavam um naco maior dos direitos de imagens (depois foi liberado).

NOEL, POETA DA VILA - Outro que se dedica mais a registrar a vida do que a obra do artista, no caso, destacando as conturbadas relações afetivas do grande compositor, quase deixando sua obra genial em segundo plano. O roteiro desigual diverte bastante no começo, a ponto de eu achar que o filme era uma comédia, para depois se tornar sombrio e até triste demais. Rafael Raposo nunca mais fez nada, mas está bem como o personagem título. O som é catastrófico, tornando os diálogos quase incompreensíveis.

LÚCIO FLÁVIO, O PASSAGEIRO DA AGONIA - O Brasil deve ser o único país do mundo que glorifica a bandidagem com filmes! Aqui imortaliza-se o bandido Lúcio Flávio, que aterrorizou o Rio de Janeiro nos anos 70. Destaca-se o bom trabalho de Reginaldo Faria como o marginal. O filme, de 1977, teve uma espécie de continuação três anos depois, com Eu matei Lúcio Flávio, em que se conta a versão "oficial" (da polícia) dos fatos.

2 FILHOS DE FRANCISCO - Um dos maiores sucessos recentes do cinema brasileiro talvez nem fosse realizado. Certo, a narrativa construída em tons épicos confere um natural heroísmo à saga empreendida pela dupla, que termina vencedora graças a seus próprios esforços. mas será que se houvesse algum episódio comprometedor na trajetória dos artistas, isso seria mostrado? 

LULA, O FILHO DO BRASIL - Este é o melhor exemplo do tipo de biografia que se espera que seja lançada no país. Mais que uma história de vida, trata-se da própria construção de um "mito" político, cuja vida parece ter se desenvolvido de forma inteiramente limpa, sem qualquer mancha, quando sabemos que não foi bem assim. Seu sucesso na política seria, portanto, uma conseqüência natural, um "prêmio" a tanto sofrimento enfrentado ao longo dos anos. Hagiografia disfarçada.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Gravidade zero e o cinéfilo chato

Depois de algumas sessões de pré-estréia no Festival do Rio, Gravidade entrou em cartaz na última sexta-feira (11/10) referendado por toneladas de críticas altamente favoráveis. A revista Veja Rio concedeu cinco estrelas à produção, algo que eu nunca tinha visto. Até o normalmente azedo Rubens Ewald Filho se rendeu e escreveu uma crítica bastante elogiosa em seu site. No grupo do Festival do Rio no Facebook, 12 das 13 notas concedidas ao filme foram acima de 8. Ou seja, praticamente de todos os lados sobram elogios para a esmerada produção dirigida pelo mexicano Alfonso Cuarón. Diante disso, sobrou-me uma dúvida: será que eu é que sou tão chato e ranzinza para não enxergar tantas qualidades assim?

Veja esta maravilha de cenário: prodígio em 3D.
Comecemos pelo 3D. Sim, ele funciona maravilhosamente bem neste filme. As imagens do espaço sideral, reproduzidas no formato em que quase é possível "tocar" a abóbada celeste, ou se sentir dentro de uma verdadeira missão espacial, contagiam até quem torce o nariz para a tecnologia, como eu. Não há como não tirar o chapéu para os efeitos especiais. Só que cinema não pode se resumir a efeitos especiais, é preciso que haja um roteiro sólido que justifique toda a trama criada em torno deles. É aí que Gravidade erra. Ele encanta e funciona como pirotecnia audiovisual; mas, como peça dramatúrgica, é quase nula. Tirando os efeitos, pouco sobra.

O filme segue a linha comum a qualquer blockbuster: um visual espetacular que captura o olhar do espectador e disfarça a fragilidade da trama. Mas, quem conseguir enxergar além das trucagens tridimensionais e reparar um pouco no desenvolvimento da história, provavelmente terá a sensação de que tudo é mera desculpa para que se faça uso de efeitos de última geração.

Como a fantasia escapista que se pretende, Gravidade é exemplar. E nem vale a pena citar os muitos erros que certamente passam despercebidos ao espectador comum, mas foram apontados por cientistas, pesquisadores e mesmo astronautas que assistiram ao filme. Por exemplo, o fato de a Estação Espacial Internacional (EEI) estar na mesma órbita que a Estação Chinesa e o telescópio Hubble e todos ficarem a poucos metros de distância um do outro, algo que não ocorre na realidade, por questões de segurança.

Cada época tem a Jane Fonda que merece.
Também é muito citada a cena em que Sandra Bullock protagoniza um striptease a bordo da nave (seria uma referência intencional à Barbarella?), o que também soa inverossímil, já que o traje espacial é pesado, os astronautas não o ficam tirando toda hora como se vê no filme. Mas até aí tudo bem, afinal, cinema é fantasia, não há obrigação de reproduzir fielmente a realidade, nem há preocupação de se rodar uma fantasia corretamente científica em seus mínimos detalhes.

A questão é que quem paga ingresso para ver um filme desse no cinema não está preocupado com implicações existenciais (há quem veja ecos de 2001 - Uma odisséia no espaço, de Kubrick) nem com verdades científicas, mas sim, justamente, em se extasiar com as imagens, em se perder no clima de fantasia, deixar os problemas fora da sala escura e mergulhar em duas horas (na verdade, hora e meia) de distração.

A frase da chamada é contraditória.
Mas, chato que sou, implico com a fragilidade do roteiro, com a falta de alternativas dadas aos personagens, que não têm muito o que fazer no espaço, com a repetição de algumas situações, com o completo vazio que se abate sobre o espectador ao final da sessão. Talvez por isso tenha certa má vontade com esses blockbusters. Eu sei, não há outro tipo de filme que confirme mais aquela velha máxima de que "cinema é a maior diversão" do que esse, mas penso, sempre pensei, que cinema pode ser mais. Acho que pela minha própria formação cinéfila, muito mais próxima do cinema alternativo, europeu ou oriental, com conteúdo, do que das papagaiadas hollywoodianas, que enchem os olhos e esvaziam a cabeça.


Talvez eu não tenha me deixado contagiar da forma correta quando vi o filme, espremido entre uma sessão e outra, e ainda preocupado com minha programação, meio torcendo para que ele acabasse logo e não me atrasasse. Pode ser. Admito revê-lo com calma e, prometo, ser menos duro em minha apreciação. Até os chatos têm direito a uma segunda chance. Com toda a ambigüidade que tal assertiva possa conter.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Pílulas do Festival do Rio 2013 - Segunda semana

Foram 54 filmes vistos em dez salas diferentes, dois recordes pessoais que já me habilito a superar no ano que vem. Em termos de qualidade, o festival deste ano esteve apenas mediano. Ainda se vê muita coisa ruim, mas as pérolas que são garimpadas por quem tem tempo e paciência continuam valendo a pena. A organização melhorou bastante depois do vexame do ano passado. Claro que ainda há falhas - a sessão de Sacro gra atrasou quase uma hora! - , mas se seguirem este parâmetro nos anos vindouros o público agradece.

A relação abaixo, um tanto extensa, cobre o que vi entre uma quinta-feira (3/10) e outra (10/10). 

PUSSY RIOT, A PRECE PUNK - O documentário analisa o caso da banda que teve três de suas integrantes condenadas à prisão por uma performance dentro de uma igreja ortodoxa, em Moscou, e acabaram se tornando símbolos da luta contra o governo ditatorial de Vladimir Putin. Tem imagens raras das outras apresentações do grupo. Guarda certo paralelo com o atual momento de revolução social vivido no Brasil. Apenas três dias após esta exibição, já estreou na HBO, que o produziu. * * *

ESTAÇÃO FRUITVALE - Lembra muito Faça a coisa certa (1989), de Spike Lee. Baseado em um fato real, tem clímax explosivo e reabre a discussão sobre a questão racial nos Estados Unidos. Pode-se ver que, em mais de 20 anos, pouco ou nada mudou nesse sentido. Ótimo elenco, com destaque para Octavia Spencer como a mãe. Vencedor do Sundance, pode ser lembrado no Oscar. * * * *

GRAVIDADE - Primeiro filme em 3D que assisto no festival. Só neste formato é possível curtir essa aventura de ficção científica na qual Sandra Bullock mais uma vez tenta provar que pode ser boa atriz dramática e praticamente segura as pontas do aborrecido roteiro durante hora e meia, enquanto George Clooney é quase coadjuvante, comparecendo com meia dúzia de piadinhas. Deve ser finalista em algumas categorias do Oscar. * *

HELI - Um pobre coitado acaba envolvido sem querer na guerra das drogas no México e é vítima de vingança praticada pelos traficantes. O fato abala toda sua vida. Retrato cru e sem concessões do problema. Um tanto difícil de assistir, sobretudo pelas cenas explícitas de violência realista (tem pênis queimado e tudo), que fizeram muita gente abandonar a sala. Mas é, também, uma aula de direção, justificando o prêmio ganho por Amat Escalante em Cannes. * * * *

ALGUMAS GAROTAS - Menos de 10 pessoas na sala (!) assistiram a este suspense argentino que tem uma boa ambientação (uma espécie de casa mal-assombrada), algumas idéias interessantes, mas um roteiro que complica as coisas além do necessário. Termina meio frustrante. Lindo o quarteto de protagonistas, em especial Ailín Salas, que faz Nene e, em uma cena, recita um encantamento em português. * *

A TOCA DO DIABO - Entrou de tapa-buraco na minha programação este documentário sobre um traficante sul-africano de meia-idade que precisa equilibrar sua vida entre suas duas famílias: a verdadeira com mulher e filhos, e a da gangue a qual pertence. O personagem é bem interessante, o recorte é benfeito, mas tudo soa meio artificial, as situações parecem encenadas, o que tira um pouco da força do conjunto. Curiosidade: ele aparece em uma cena usando uma camisa com a bandeira do Brasil. * *

CHEVROLET AZUL - Outro retrato da violência urbana norte-americana, também inspirado em fatos reais. Com economia de recursos e trilha minimalista, acompanhamos a gênese de uma dupla de franco-atiradores (pai e filho) que saem matando pessoas a esmo a bordo do veículo citado no título. Boa a construção das personalidades doentias de ambos. Vindo de telesséries, Tequan Richmond mostra potencial como o pequeno matador. * * *

SUSPENSÃO DA REALIDADE - Mike Figgis brinca de fazer suspense com uma trama que mistura realidade e ficção e faz referências a David Lynch, Brian De Palma, naturalmente Hitchcock, film noir e o ofício de escrever para cinema. Roteiro intrincado, elaborado, com produção elegante e trilha sonora irônica (do próprio Figgis). Boa diversão. * * *

DUO - Comédia lésbica centrada em duas jovens, uma turista dinamarquesa e uma guia de turismo eslovena, que vivem um romance de pouco mais de 24 horas. Tem algumas boas piadas, como a cena da entrevista, mas um roteiro mal-ajambrado, que inventa uma doença sem sentido para uma delas. Também é casto na parte sexual (apenas um beijinho entre elas). Detalhe: não se vê um papel de bala sequer nas ruas e praças de Liubliana, uma utopia a ser alcançada nesses tempos de Lixo Zero por aqui. * *

AMO TODOS VOCÊS - Espécie de O reencontro argentino. Entre idas e vindas no tempo, o roteiro centra-se em um grupo de amigos na faixa dos 30 e poucos anos que relembram e lamentam os sonhos da juventude e a vida atual que levam. Com boas piadas e alguma melancolia, tem fácil comunicação com o público, que se identifica com os personagens. * * *

7 CAIXAS - Foi só eu escrever que não havia cinema no Paraguai e eis que surge um filme de lá! Na verdade, este não chegou exatamente a ser uma descoberta, porque me chegou recomendado pela minha amiga Sheila Domingues, de Foz do Iguaçu, que já o conhecia. Então, me enchi de expectativa para vê-lo e, ao contrário do que normalmente acontece nesses casos, não me decepcionei. Toda a história se passa no gigantesco Mercado 4, um entreposto de comércio local - é difícil comparar com alguma coisa que eu conheça, aqui no Rio seria uma espécie de Mercadão Popular da Uruguaiana só que bastante ampliado. Muito bom o elenco, com atuações naturalistas, compondo personagens de carne e osso, todos carismáticos, até os vilões, e sendo que especialmente o travesti é um verdadeiro achado e rouba as duas cenas em que aparece. O roteiro engenhoso junta todas as pontas no final, nada fica solto, sem resolução, e nem o sonho inicial do protagonista é esquecido na conclusão. Com eletrizantes cenas de perseguição valorizadas pelos ótimos movimentos de câmera, 7 caixas é uma grande diversão, muito superior a qualquer bobagem hollywoodiana. Bastante aplaudido no final, cresceu no boca a boca e esgotou a sessão seguinte. * * * * * 

AS DELÍCIAS DA TARDE - Mais uma vez, Juno Temple interpreta uma perdida na vida nessa comédia cujo clímax é uma festa regada a bebidas e confissões íntimas das quatro mulheres. Divertido e esquecível. * * *

CRYSTAL FAIRY E O CACTUS MÁGICO - Se Hollywood ainda não descobriu Ricardo Darín, o azar é deles. Por aqui, já descobrimos Michael Cera - e o azar é nosso! O astro teen é mesmo a melhor escolha para este filme sobre grupo de mochileiros que vai atrás de uma bebida alucinógena no deserto de Atacama. Tem nomes importantes por trás do projeto. A direção é de Sebastian Silva (A criada) e a produção, vejam só, é de Pablo Larraín, o grande nome do cinema chileno hoje. Diverte bastante no começo, mas o roteiro perde força na segunda metade e termina de forma sombria, com uma estranha confissão de estupro. O único destaque acaba sendo Gaby Hoffman, que vive a riponga Crystal e dá uma dimensão quase espiritual à personagem, inclusive aparecendo despida em várias cenas. Termina sendo apenas uma diversão adolescente sem maiores méritos. *

SHE SAID BOOM, A HISTÓRIA DO FIFTH COLUMN - O Fifh Column (Quinta Coluna) foi um grupo de punk rock feminino que despontou na cena alternativa de Toronto no começo dos anos 80, do qual hoje quase ninguém lembra mais. O documentário é o registro audiovisual da banda e daquela época. Bom trabalho de resgate, valorizado pelas entrevistas e imagens. * *

KINK, SADOMASÔ ON-LINE - O Kink.com é um dos sites de BDSM mais pesados que eu conheço. Não é dos meus preferidos, justamente por ser um tanto hard. E é isso o que pode reforçar na platéia a impressão de que este é um universo pervertido e doentio, apesar de todos os envolvidos - diretores, técnicos e intérpretes - deixarem claro que tudo ali é feito com profissionalismo e responsabilidade. Todos são pessoas comuns, que têm família e filhos. Mas, a julgar pelas reações do público durante e após a sessão, o mundo ainda não está preparado para entender o BDSM como um fetiche socialmente aceitável. Mas a luta continua. Quem sabe alguém se anima e faz um filme sobre o Bound Brazil para o ano que vem? * * 

BABY BLUES - Nada a ver com as tirinhas anônimas. É um bom exemplar do cinema polonês, que raramente dá as caras por aqui e merece ser descoberto. Muito bom o trio central, estreante no cinema. Se fosse feito em Hollywood, haveria um embelezamento que tornaria a situação artificial, mas aqui, é tudo seco e direto. O bebê é uma fofura, a música é boa, mas o que me chamou atenção foram os cenários e figurinos bastante inusitados. * * *

OURO - O festival este ano foi tão completo que teve espaço até para este curioso faroeste alemão estrelado por Nina Hoss (de A massai branca e filmes do Petzold). O diretor Thomas Arslan se vale do gênero para construir uma metáfora sobre a condição humana, com uma narrativa lenta e contemplativa, em que privilegia a psicologia dos personagens. Grande filme, visualmente belíssimo, com elenco afiado. Uma nova e criativa maneira de explorar um gênero bastante desgastado. O tipo de filme que só ganha com uma revisão. * * * *

CASTING BY - DIRETOR DE ELENCO - Centra-se na vida de Marion Dougherty, que transformou o ofício de selecionadora de elenco (o famoso "casting by" das fichas técnicas) em profissão respeitada e reconhecida. Ela é reverenciada por quase todos os entrevistados, entre atores (Jon Voight, Robert De Niro) a quem deu a primeira chance, diretores (Martin Scorsese, Woody Allen, Arthur Hiller) que usaram seus serviços e outros colegas de trabalho. Apenas Taylor Hackford presta um depoimento antipático em que diz não reconhecer que haja qualquer outro diretor no set e nas fichas dos filmes. Tem muitas histórias curiosas de início de carreira de vários futuros astros. Quem é cinéfilo vai gostar. Produzido pela HBO, brevemente estará na telinha. * * *

GIGOLÔ EM DECADÊNCIA - Uma pena que Woody Allen não faça tantos filmes como ator para outros diretores. Ele é a alma desta comédia que tem em John Turturro, também diretor, o outro lado, a parte romântica da história, como era a dupla Jerry Lewis e Dean Martin nos anos 50. Allen tem as melhores piadas, mas o roteiro de Turturro mexe com assuntos delicados da comunidade judaica sem resvalar na grosseria ou no desrespeito. Ótima trilha sonora. Boa diversão. * * * 

PEGANDO FOGO - O desabrochar sentimental de uma adolescente francesa em meio aos cenários idílicos da zona rural. Tema bastante explorado que não ganha qualquer novidade neste filme de 2006, dirigido por Claire Simon e que foi exibido dentro da retrospectiva dedicada à diretora. Final trágico. Vale pela beleza das locações e das jovens atrizes. * *

RIO CIGANO - Um tema pouco comum no cinema brasileiro desenvolvido com certa ousadia narrativa e alguns lances místicos e mágicos. Tem uma personagem que é uma espécie de vampira, que suga a energia de outras garotas para se manter jovem. Não tem potencial para muito, mas é uma opção diferente dentro do panorama do cinema nacional feito hoje. * *

DE TERÇA A TERÇA - Conto urbano sobre moral e ética construído com poucas falas e alguma tensão. Outro representante da diversidade do cinema argentino. * * *

QUANDO A NOITE CAI EM BUCARESTE - É muito difícil gostar do tipo de humor feito por Porumboiu, o mesmo de À leste de Bucareste. Cenas longas, câmera estática e piadas verbais muito sutis, mais de comentários absurdos que de algum tipo de ação. A chave para se entendê-lo está logo na primeira cena e o espectador deve embarcar na proposta ou desistir do filme. Na correria do festival, acaba sendo complicado apreciá-lo devidamente. Quem sabe depois, em DVD. *

GATA VELHA AINDA MIA - Uma esplêndida Regina Duarte, desgrenhada e sem maquiagem, defende de forma assustadora um texto afiado e magistral, com algumas frases de efeito ("O tempo roubou nossos sonhos", "A tristeza é uma lembrança bonita que ficou esquecida"). Bárbara Paz tem menos chances, porque seu texto não é tão bom, mas também brilha. Rafael Primot estréia na direção de longas com uma narrativa envolvente, abrindo um novo caminho para o cinema brasileiro, mostrando que é possível explorar outros gêneros. Os cinéfilos identificarão inúmeras referências: O que terá acontecido a Baby Jane?, Louca obsessão, Crepúsculo dos deuses, entre outras. Uma pequena jóia de tensão e humor negro. Centésimo filme a que concedo cotação máxima. * * * * *

PERISCÓPIO - João Miguel chega ao ponto mais baixo de sua carreira neste filme indecifrável realizado pelo sempre hermético Kiko Goifman (do também horrível Fillmefobia), que guarda para si o sentido da trama, não o dividindo com o espectador, que se sente irritado e enganado. Dá vergonha alheia. A cena do jantar é das coisas mais deprimentes, ridículas e infantis já vistas no cinema. Jean-Claude Bernardet poderia envelhecer com dignidade, sem essa mancha no currículo. *

SACRO GRA - Sessão lotada para ver este que foi o primeiro documentário na história a vencer o Festival de Veneza. Mas muita gente debandou durante a sessão. É fácil entender o porquê. Este não é um filme feito para entreter, ou divertir, mas, ao contrário, para causar reflexão e até espanto. É bastante difícil, árido, seco, sem trilha sonora, justamente para não desviar o foco do espectador, para que ele preste atenção nas imagens e se sinta inserido naquele universo. O estranho título é explicado logo na introdução. "Gra" é a sigla, em italiano, para "grande anel rodoviário", um conjunto de autopistas que circunda Roma e à margem do qual se passam as histórias contadas no filme, os desvalidos, os empobrecidos, por vezes loucos, mas sempre, literalmente, marginais - não no sentido criminoso, mas social, mesmo, aqueles excluídos do sonho da fartura, que se mantêm distantes da "dolce vita". O diretor Francesco Rosi sacraliza este universo e promove um olhar quase antropológico sobre aquelas vidas, com alguns personagens interessantes: um velho que filosofa e gosta de usar um palavreado requintado, em oposição a seu pouco estudo, um pesquisador da flora local, duas prostitutas velhas que ainda fazem programas. Para os italianos, deve ter sido um choque perceber que aquele mundo existe, e como ele está cada vez mais perto deles, assolados por uma crise econômica sem precedentes, como de resto toda a Europa. Brasileiro não vê muita novidade, porque, infelizmente, aquela realidade já é parte do nosso cotidiano. A cena em que um menino faz malabarismos com fogo em um sinal de trânsito podia ter se passado aqui, na Avenida das Américas. Também não tem narração, apenas os personagens que falam por si. Destruído por quase todo mundo que viu, que ficou se perguntando se Veneza não tinha nada melhor para premiar. * * *

A BATALHA DE TABATÔ - Tabatô é uma aldeia no interior de Guiné-Bissau habitada apenas por músicos. É para lá que retorna o protagonista, disposto a se livrar dos fantasmas de seu passado. Exótica produção africana que os críticos geralmente adoram, rodada em preto e branco e, ironicamente, embora se passe em um lugar cheio de músicos, não tem trilha sonora! A pobreza técnica é compensada pela sinceridade das atuações. Curioso, merece uma conferida. * *

CARNE DE CÃO - O roteiro erra ao centrar-se em um personagem antipático, que maltrata animais (uma violência que o público nunca tolera), perturba a mulher no trabalho dela e encrenca com todo mundo. Mesmo que o segredo de seu passado justifique tais ações. A conversão final é totalmente inconvincente. *

PEACHES DOES HERSELF, A ÓPERA-ROCK - Só sabia que Peaches era uma cantora da cena underground. Desconhecia seu tipo de música e seu estilo e detestei ambos. A mim, pareceu uma versão alemã mais grossa e exagerada da Madonna que chocava nos anos 90. Exclusivamente para fãs; quem não conhece vai se assustar, ou se constranger. Também não entendi como um filme desses foi parar no Roxy, de perfil mais conservador e comercial. Outro erro da escalação do festival. *

AYA - A única animação do ano foi esta, feita na França e passada na Costa do Marfim. O traço é engraçado e o visual reproduz à perfeição as paisagens locais, com riqueza de texturas, o que compensa o roteiro muito fraco, praticamente sem assunto, que apenas acumula situações sem resolvê-las de forma satisfatória. * * *

MOEBIUS - Uma provocação de Kim Ki-Duk que, a partir de um acontecimento trágico, constrói uma fábula macabra sobre sexualidade e desestruturação familiar. A estrutura narrativa é brilhante: sem qualquer diálogo, a história é acessível e de fácil assimilação. Bem violento, por vezes desagradável, foi descrito nas sinopses oficiais como "uma ode ao sadomasoquismo"! * * *

POR QUE VOCÊ NÃO VAI BRINCAR NO INFERNO? ­- Uma divertida e explosiva brincadeira cinéfila do diretor Sion Sono. Trabalha muito bem as imagens, misturando filme de samurai, Bruce Lee, Tarantino, tudo com ritmo incessante, bom humor, muito sangue e excelente uso de música incidental, sublinhando com brilho algumas passagens mais elaboradas visualmente. Vale conhecer. * * *

A RAVINA DO ADEUS - Apesar do título algo poético, é uma história lenta e um tanto aborrecida, que embaralha mal os cortes temporais e nunca chega a emocionar ou envolver o espectador. Também é longo demais e o final é bastante insatisfatório. * *

TABOOR - Raro exemplar de cinema fantástico feito no Irã. Houve quem o comparasse a Holy Motors, só que sem sentido algum. Há algumas imagens inusitadas, mas a história, de fato, não diz muita coisa. Vale conhecer apenas para ver que o cinema iraniano tem potencial para muitas outras histórias que não dramas familiares ou infantis. * 

A PISCINA - Fechei o festival com este drama alegórico inteiramente passado à beira de uma piscina na qual se reúnem quatro alunos, cada um com algum tipo de deficiência. A tensão explode aos poucos, mas de forma bastante sutil. A essa altura do campeonato, ninguém mais tinha cabeça para se preocupar em entender mensagens subliminares. Quem sabe em uma revisão futura? *

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Pílulas do Festival do Rio 2013 - Primeira semana

Depois de tantos erros na edição do ano passado, parece que a organização caiu em si e resolveu caprichar mais desta vez. A programação foi liberada com uma semana de antecedência, as vendas pela internet funcionaram bem e as sessões vem começando rigorosamente no horário, um detalhe fundamental para manter uma grade sem sobressaltos. Claro que nem tudo é perfeito - uma sessão foi cancelada porque a cópia não tinha legendas - , mas estão se esforçando e no caminho para, um dia, quem sabe, fazer um evento sem problemas.

Este ano meti o pé na porta e comprei o passaporte de 50 filmes. Então, há várias sessões noturnas, o que me impede de atualizar o blog no prazo costumeiro. A lista abaixo relaciona o que vi na primeira semana e compreende os dias 27/9 (sexta-feira) e 3/10 (quinta-feira). A postagem da próxima semana entrará no ar até as 12h da sexta-feira (11/10). 

NEBRASKA - Alexander Payne arrisca um suicídio comercial com este road movie sobre velhice rodado em preto e branco. A aposta, porém, resulta no que talvez seja seu melhor trabalho, com belíssima fotografia e vários diálogos inspirados e bem engraçados. Bruce Dern comovente como o octogenário que cisma que ganhou um prêmio na loteria, bem coadjuvado por June Squibb, a esposa desbocada. Ambos podem abocanhar indicações ao Oscar, bem como o filme pode ser lembrado em outras categorias. * * *

BLACKFISH - FÚRIA ANIMAL - Depois de um prólogo algo cansativo, em que são detalhados aspectos da vida das orcas, o documentário apresenta o caso do SeaWorld de Orlando, acusado de maus-tratos contra os animais que lá se apresentam. Ex-treinadores do parque e cientistas marinhos prestam depoimentos em que confirmam as acusações. Várias cenas chocantes flagram ataques das baleias durante o treinamento. Nada que ninguém já não saiba que existe, mas a denúncia sempre é válida. * * *

NÓS SOMOS OS MELHORES! - Retorno de Lukas Moodyson à narrativa convencional, após um longo período de experimentalismos visuais. Na Estocolmo de 1982, três garotas socialmente desajustadas resolvem formar uma banda de punk rock. Olhar carinhoso sobre o universo adolescente que lhe deu fama com Amigas de colégio (1999), baseado em livro escrito por sua esposa, Coco, evidentemente com toques autobiográficos. Tem alguns momentos engraçados, mas o filme é longo demais e se perde em uma anarquia narrativa ainda prejudicada pela música, alta e chata. * *

A GAROTA DAS NOVE PERUCAS - Moça descobre que tem um raro tipo de câncer e, durante o tratamento, passa a alternar tipos diferentes de perucas, compondo uma personalidade específica para cada uma. Os alemães parecem gostar de filmes sobre câncer - ano passado, foi o ótimo mas pesado Parada em pleno curso. Este investe em um humor melancólico para suavizar o drama da situação e até consegue, com uma boa atuação da protagonista. Mas o filme é bem menos do que sugere a atraente sinopse. * *

EU SOU DIVINE - Demorou até que alguém fizesse um documentário sobre Divine, a musa trash do diretor John Waters, que superou todos os preconceitos e se tornou uma estrela do underground norte-americano. Mostra cenas de suas apresentações em clubes noturnos e várias passagens de seus filmes, inclusive comprovando que a cena final de Pink flamingos foi aquilo mesmo, sem montagens ou efeitos especiais. Informativo e divertido, uma homenagem à altura do biografado. * * *

UM EPISÓDIO NA VIDA DE UM CATADOR DE FERRO-VELHO - Não entendi a proposta do diretor Danis Tanovic (do premiado Terra de ninguém, 2001) em recriar o drama de uma pobre família bósnia, cuja mãe precisa de um tratamento médico, mas não dispõe do dinheiro necessário para o custeio. A novidade é que ele usa a família verdadeira para interpretar seus próprios papéis e reviver a experiência, agora em termos ficcionais, o que deve ter sido bem doloroso. O registro resulta frio e um tanto cansativo, apesar da curtíssima duração (apenas 75 minutos). Foi surpresa ter ganho prêmio de ator em Berlim (Nazif Mujic, o pai), já que ele interpreta a si próprio. O caso mostrado na tela, infelizmente, não é novidade para os brasileiros, que enfrentam situações muito semelhantes todos os dias. Sem maiores destaques. *

SONAR - Chegou muito falado, mas é uma decepção. Praticamente não há história, embora sempre seja possível que alguém veja implicações metafísicas ou psicanalíticas neste estático drama alemão. Um grupo de jovens se reúne em uma casa de campo para relembrar um amigo que cometeu suicídio. Durante o processo, verdades são reveladas e algumas catarses acontecem. O filme é um encadeamento de cenas sem muita ligação entre si. Em certo momento, uma das personagens diz: "Não faço a menor idéia do que estamos fazendo aqui." O público deve ter pensado a mesma coisa.

MAR NEGRO - Chegou a ser um dos títulos mais disputados da primeira semana do evento. A organização, estranhamente, preferiu escondê-lo na sala 2 do CCJF, de apenas 56 lugares. O capixaba Rodrigo Aragão melhora a cada filme. Desta vez, contou com orçamento superior ao de seus trabalhos anteriores, Mangue negro e A noite do chupacabras, e o resultado é visto na tela, explodindo em seqüências de grande impacto visual, com maquiagem elaborada e um bom design dos monstros. Discípulo de Mojica Marins, Aragão se assume como trash, mas o faz com bastante carinho pelo cinema e sem se levar muito a sério. Grande diversão. * * *

NOSSA QUERIDA FREDA, A SECRETÁRIA DOS BEATLES - Freda Kelly trabalhou como secretária dos Beatles por 11 anos, entre 1962 e 1973. Se pouco ou nada se falou sobre ela até hoje, foi por escolha própria. Ela optou por se manter distante da mídia durante todos estes anos, renegando a fama que poderia ter alcançado, tanto que trabalha até hoje, ainda como secretária, para pagar as contas. Foi redescoberta agora pelo diretor Ryan White, para quem aceitou contar sua história. Freda se revela ótimo personagem para um documentário: é simpática, não posa de estrela e vai desfiando lembranças e memórias com muito bom humor. Mas não espere revelações bombásticas nem polêmicas: ela se limita a contar curiosidades dos bastidores e de seu relacionamento com o quarteto. Na única pergunta mais indiscreta, se ela chegou a ter um caso com algum dos rapazes de Liverpool, Freda responde, após um curto silêncio: "Não! Vamos pular essa!". Os fãs dos Beatles vão gostar. * * *

DETETIVE CEGO - Johnny To é um dos principais nomes do cinema asiático atualmente. Eu nunca tinha visto nada dele e não gostei. Achei tudo exagerado, gritado, com personagens caricatos, parecendo um sub-Jackie Chan com a combinação de ação, violência e humor meio infantilóide. Não sei se o estilo dele é esse mesmo ou se fui mal apresentado a ele. Longo demais, mas o roteiro tem algumas reviravoltas interessantes. * *

O UIVO DA GAITA - Outra bizarrice experimental de Bruno Safadi, que insiste em fazer um tipo de cinema que não interessa e ninguém quer ver. Apesar de tecnicamente perfeito - enquadramentos, movimentos de câmera, fotografia, locações, música - , a narrativa é muito aborrecida e não consegue dialogar com o espectador. Recebido com bastante frieza ao final da sessão. *

OS LOBOS MAUS - A mesma dupla de diretores de Raiva, o primeiro filme israelense de terror, volta com um roteiro mais enxuto e absorvente. Um pedófilo está torturando e matando menininhas em uma área rural da capital. Um suspeito é capturado por um policial e pelo pai de uma das vítimas, que o obrigarão a confessar usando métodos ainda mais bárbaros que os do assassino. Com montagem dinâmica e explosões sonoras que acentuam o clima de suspense, o filme é tenso do início ao fim, com algumas doses de humor negro para aliviar. Uma ótima surpresa, mas o final aberto e inconcluso pode desagradar alguns espectadores. * * * *

O TEOREMA ZERO - É uma decepção este novo trabalho do diretor Terry Gilliam, que volta a dirigir um filme de ficção científica após 18 anos (o último havia sido Os 12 macacos, de 1995). Se por um lado seu visual delirante continua enchendo os olhos da platéia, por outro, ele repete o erro cometido em O mundo imaginário do Dr. Parnassus (2009), seu último filme: as qualidades estéticas garantem o interesse de uma trama confusa e pouco envolvente. A premissa é um tanto presunçosa. No caso, o tal teorema zero é uma fórmula matemática que, se decifrada, pode revelar qual é o sentido da vida. Só que ninguém parece muito interessado em sua resolução, já que isso mal é citado na história, e nenhuma ação se desenvolve a partir daí. A rigor, apenas o cientista Qohen Leth (Christopher Waltz) se debruça para resolvê-la, a mando do Gerente, uma figura misteriosa e que nunca aparece (também mal explicado). Seu trabalho é constantemente interrompido pelas aparições de uma garota sexy que se diz interessada nele, um adolescente nerd que se dispõe a ajudá-lo e uma dupla de gêmeos que lhe faz ameaças gratuitas. Tudo e todos podem ser apenas um delírio de sua mente conturbada, inclusive o próprio universo futurista em que se desenrola a narrativa. O roteiro explica mal muita coisa e ainda perde tempo com algumas bobagens (como a pizza musical). Frustrante, mas o visual sempre espetacular que é a marca de Gilliam merece ser conferido. * *

O FUTURO - Após a morte dos pais, casal de irmãos acaba se envolvendo no crime meio sem querer. Rutger Hauer faz um ex-astro de fitas baratas de aventura dos anos 50 que vive recluso e vira o alvo da dupla. Rito de passagem filmado com competência, com uma elipse temporal logo no começo que já antecipa o destino dos personagens. Alguns espectadores saíram frustrados, mas eu gostei, talvez porque não esperasse mesmo muito mais. * * *

MANUSCRITOS NÃO QUEIMAM - O filme que eu ia ver foi cancelado, então atravessei a rua e encaixei este aqui. Só pelo histórico já merecia ser visto. O diretor Mohammad Rasoulof está proibido de filmar no país por 20 anos, mas não se rendeu ao regime e, na clandestinidade, realizou este thriller empolgante que toca em assuntos delicados e discute a ética em um país onde quase tudo é censurado. Só por isso já valeria a vista, mas o filme é mais que uma curiosidade. Um exercício de suspense diferente, sem trilha sonora e com ótima condução de atores. Ainda mais apavorante por ser baseado em um caso real. Seco e direto. Para garantir a segurança dos envolvidos, nem há créditos nem do elenco, nem da equipe técnica. * * * *

COMO NÃO PERDER ESSA MULHER - Joseph Gordon-Levitt estréia na direção com essa comédia romântica para homens, seguindo a linha de Judd Apatow, com sexo e muitos palavrões. Ele mesmo faz o protagonista, um viciado em se masturbar enquanto assiste a vídeos pornográficos na internet, que não consegue resolver o problema nem quando conhece Scarlett Johansson. O roteiro diverte no começo, com algumas sacadas criativas - a malhação feita no ritmo das orações, uma piada que certamente ofenderá os católicos - , mas cai bastante na segunda metade, sobretudo após a entrada em cena de Julianne Moore - não pela atriz, que é ótima, mas por sua personagem absurda, que leva a uma resolução ainda mais inconvincente. Na verdade, tanto ela quanto a personagem de Scarlett mais parecem a voz da consciência do protagonista do que mulheres reais. Dá para rir, mas no todo é fraco. Curiosidades: Cuba Gooding Jr. e Anne Hathaway fazem pontinhas não creditadas como o casal apaixonado de uma comédia romântica que Levitt e Scarlett vão assistir juntos; Itália Ricci, que interpreta a irmã muda do rapaz, sempre agarrada ao celular, e que tem uma única e decisiva fala no filme todo, apesar do sobrenome, não tem parentesco com Christina Ricci. * *

HALLEY - Não se trata do cometa. A história é sobre Beto, um zumbi que trabalha como recepcionista de uma academia. Cansado da "vida", resolve se matar de vez, mas para isso terá de esquecer o amor que sente por Sílvia, a dona do lugar. Parece engraçado, mas é apenas aborrecido. Filme lento, quase sem diálogos e a proposta do diretor nunca fica muito clara. Não se sabe se é comédia de horror, drama metafísico ou simplesmente um filme de terror metido a novidade. O clima de fantasia sugerido pelo roteiro não encontra apoio na realização excessivamente realista. Uma boa idéia mal desenvolvida. *

JOVEM E BELA - O tema da prostituição juvenil já foi explorado até o osso no cinema. Aqui, Ozon nada acrescenta de novo. Ele parece ter se inspirado em outro filme francês, Meus caros estudos, para contar a história de uma estudante (jovem e bela, como diz o título, mas magra demais) de família rica e que, mesmo assim, resolve fazer programas. Um dos filmes menos inspirados de um diretor sempre interessante. * *

BLUE JASMINE - O novo de Woody Allen acabou sendo a grande atração dessa primeira semana do festival, com todas as sessões lotadas. Cate Blanchett arrasa como uma socialite falida que se muda para São Francisco e precisa reencontrar seu lugar no mundo. Como sempre, há ótimos diálogos, uma narrativa ousada, com idas e vindas no tempo, e mais um excelente personagem feminino criado pelo diretor, que pode render a Cate seu primeiro Oscar na categoria principal (ela já tem um como coadjuvante). Parece até que o filme foi escrito para ela, em sua primeira parceria com o diretor, e a atriz corresponde com sobras, compondo uma ex-nova-rica que perdeu o glamour e agora tem de se virar para sobreviver e vai morar com a irmã, remediada (a inglesa Sally Hawkins), que chegou a ter muito dinheiro também, mas foi enganada pelo ex-marido da irmã. É melhor que Para Roma, com amor, mas inferior a Meia-noite em Paris. De todo o modo, um filme de Woody Allen é sempre superior a qualquer coisa lançada nos cinemas. * * *