quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A mulher invisível

Embora tenha sido sucesso de público nos cinemas, com mais de dois milhões de espectadores, é decepcionante este segundo trabalho do diretor Cláudio Torres, da turma da Conspiração (o primeiro foi o também irregular Redentor, de 2004, mas que era superior a este). Provavelmente as muitas cenas em que Luana Piovani aparece só de lingerie serviram para vitaminar a bilheteria do filme, sobretudo pelo público masculino. Mas isso é pouco para salvar o resultado final.

Basicamente, conta a história de um homem, Pedro (o onipresente Selton Mello), que, depois de ser abandonado pela esposa, cai em um estado de torpor absoluto. Meses se passam até que ele conhece a suposta nova vizinha, uma linda jovem chamada Amanda (Piovani). Os dois se apaixonam de cara e iniciam um relacionamento. Ela é realmente a mulher perfeita para qualquer homem: bonita, extrovertida, sensual, e ainda gosta de futebol (uma cena rápida e deslocada). Com uma hora de projeção, revela-se o truque óbvio, e que deveria ser surpresa: Amanda é uma mulher invisível, que só existe na imaginação desesperada do rapaz. Paralelamente, há uma subtrama envolvendo a verdadeira nova vizinha de Pedro, Vitória (uma atriz fraca, Maria Manoella), que, ao mesmo tempo em que se interessa por ele, sendo incentivada pela irmã (Fernanda Torres, irmã do diretor), é cortejada pelo melhor amigo dele, Carlos (Wladmir Brichta). A partir desse momento, o roteiro não tem mais o que inventar e fica dando voltas. Depois que Pedro é tido como louco por falar sozinho e tenta espantar Amanda de sua vida, a história se perde de vez, o filme se torna aborrecido, esticado, até um final que parece ter sido inventado de qualquer maneira.

O filme já começou errado na campanha de marketing, nos trailers e nas sinopses oficiais divulgadas pela imprensa, que de cara revelam o que seria o elemento surpresa da narrativa. A "descoberta" de que Amanda é invisível não pega ninguém desprevenido porque já sabemos do que se trata a história. Assim, como o espectador já sabe que tudo aquilo é um delírio do personagem, não há impacto nenhum na revelação, o que é péssimo, porque ficamos apenas esperando o momento em que a farsa virá à tona. E depois não há muito mais a fazer. O roteiro tem ainda alguns absurdos, como a garota entrar no quarto de hospital às 3h da manhã ou sair de lá sem ser vista por ninguém. Também não funciona o que deveria ser uma confusão amorosa envolvendo Vitória, Pedro e Carlos: ela fica entre os dois, sem saber que eles se conhecem, mas nem isso é explorado. Também nunca fica claro o que faz a personagem, parece que é autora de peças infantis, mas não se explica como sobrevive, nem sua irmã, que parece só estar na trama para dar pitacos, sem uma função mais definida. Também não faz sentido ela se mudar para o interior de Minas Gerais, se queria ficar longe de Pedro, bastava sair do apartamento e ir para qualquer outro lugar no Rio. Mais absurdo é como o rapaz descobre onde ela está morando e vai atrás! Ou seja, são tantas falhas que mesmo com muito boa vontade o filme acaba sendo um desastre. Que só não é maior porque a produção ao menos é bem cuidada, com locações em lugares conhecidos da cidade (o bar Clíper, no Leblon, a Livraria da Travessa – outra resolução inconvincente é o romance escrito por Pedro e lançado com sucesso em poucos meses, quando, como se sabe, a coisa não é bem assim).

O elenco também não ajuda muito. Selton Mello não está em seus melhores dias e atua fora do tom, descontrolado, gritando o tempo todo. Já Luana, embora belíssima, nem sempre é captada em seu melhor ângulo pela câmera, parecendo por vezes envelhecida – repare no encontro inicial entre ela e Selton, quando o rapaz lhe toma o rosto entre as mãos. Wladmir Brichta é o único que consegue compor seu personagem com um mínimo de sustentação, mesmo seu destino sendo forçado (mas a culpa não é dele). Há ainda diversas participações especiais (melhor dizer, afetivas), quase todas sem importância na história: Maria Luíza Mendonça (que aparece logo na primeira cena e some; ela é também uma das colaboradoras do roteiro), Lúcio Mauro (que mal tem falas!), Marcelo Adnet, Gregório Duvivier (de Apenas o fim), Danni Carlos. Mas é mesmo difícil defender uma comédia que, a rigor, só tem uma única cena realmente engraçada, na reunião de trabalho, e que, mesmo assim, de tanto ser vista no trailer, pode não funcionar no contexto do filme (mas foi somente neste momento que eu ri de verdade).

Se a idéia de salvação do cinema brasileiro passa por projetos como este, é melhor pensarmos em outras alternativas. Afinal, de que adianta o sanduíche da bilheteria ser encorpado se o recheio não tem sabor?

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Quem quer ser um paraplégico?

Alguma vez você já pensou em passar o resto da sua vida em cima de uma cadeira de rodas? Já teve vontade de ficar paraplégico? Tem ou já teve fantasias sexuais envolvendo mulheres mutiladas ou amputadas? Antes que alguém pense se tratar de mais um assunto motivado por uma polêmica abordada pela novela de horário nobre, esclareço que são apenas questões levantadas pelo filme O outro lado, ainda inédito em DVD, mas que costuma ser exibido na TV a cabo.

O começo é instigante. Isaac Knott, um jovem repórter paraplégico de uma pequena rádio pública de Nova York, recebe uma denúncia sobre um homem que foi até o hospital da cidade e pediu que lhe amputassem as pernas. Intrigado, vai investigar, mas, por conta de sua condição física, ninguém parece lhe dar muito crédito. Porém, as denúncias continuam surgindo e, da segunda vez, ele chega até uma seita de pessoas que, embora aptas fisicamente, desejam se tornar limitadas (são chamadas de pretendentes) presas a cadeira de rodas ou aparelhos corretores. O que poderia motivá-las a tal intento? É neste momento que Isaac conhece Fiona, a autora das mensagens que o levaram à investigação. Ela é saudável e deseja se tornar deficiente, usando aparelho para coluna e até uma cadeira de rodas. A relação entre os dois personagens vai se estreitando, até Isaac descobrir um segredo obscuro, que muda sua vida e o faz repensar tudo o que já viveu até ali.

O problema do filme é que o roteiro abandona algumas ótimas premissas para se focar no relacionamento entre o repórter e a garota misteriosa, não se aprofundando no que poderia render discussões no mínimo polêmicas. A tal seita de pretendentes, por exemplo, é logo esquecida, e nem ficamos sabendo direito o que aquelas pessoas esperavam de fato, quais as implicações psicológicas ou psicanalíticas que as moviam. Lá pelo meio, o filme quase se perde em uma solução fantasiosa, quando Isaac compra um par de sapatos de dança, bicolores, “como os que Fred Astaire usava em seus filmes”, e que, uma vez calçados, fazem com que ele consiga, se não andar, ao menos ensaiar alguns passos. Um absurdo, claro, ainda mais grave se considerarmos o grau de realismo com que a história é tratada o tempo todo. O tom fica entre o drama humano e o suspense psicológico, mas, no final, é o primeiro que prevalece, com uma resolução coerente e que justifica os atos dos personagens, embora o final possa desagradar a muitos espectadores.

A mudança do foco narrativo – começa como um suspense investigativo e termina sendo uma história de redenção e sacrifício pessoal – pode ser percebida pelo título original, Quid pro quo, expressão latina que pode ser entendida de duas formas: como gíria para confusão (qüiproquó) e, se analisada individualmente, significa, em tradução livre, “uma coisa por outra”, ou seja, um favor por outro (embora haja uma explicação na Wikipédia, quem primeiro me esclareceu o termo foi o professor de Português e grande latinista Marcelo Bastos, amigo de longa data). E mais não se pode revelar, sob o risco de atrapalhar o espectador, que deve acompanhar a história e tirar suas próprias conclusões.

Nick Stahl, ex-ídolo juvenil (O exterminador do futuro 3 – a rebelião das máquinas e a série Carnivale), não compromete e se esforça para construir um personagem convincente, o que até consegue, garantindo a seriedade do projeto. Vera Farmiga faz um bom contraponto, mantendo uma característica enigmática, evitando o derramamento romântico que seria fácil imaginar. Ela já foi vista antes em Os infiltrados de Scorsese (um papel pequeno, era a esposa de Matt Damon) e acabou de ser indicada ao Globo de Ouro por Amor sem escalas, com grandes chances de ser também nomeada ao Oscar. Não é especialmente bonita, mas sempre uma presença marcante, muito talentosa.

O filme tem o mérito de mostrar os problemas enfrentados pelos portadores de necessidades especiais (este é o nome politicamente correto) em uma grande metrópole como Nova York. Isaac, por exemplo, nunca consegue sequer entrar em um táxi: todos o ignoram quando o vêem no ponto, fazendo sinal. Também sua vida afetiva é desastrosa: as garotas (que ele conhece por meio de um site de encontros) o rejeitam ao saberem de sua condição e sua ex-noiva, também paraplégica, o deixou (porque acredita que, em um casamento, um dos dois deve ser saudável, para poder agir em caso de emergência). Lá como cá, preconceitos há.

O diretor e roteirista Carlos Brooks , em sua estréia no cinema, demostra talento e segurança. Olho nele.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Eric Rohmer (1921 - 2010)

Anunciada a morte, na última segunda-feira (11/1), do veterano diretor francês Eric Rohmer (1921), um dos principais nomes da Nouvelle Vague, que influenciou gerações de cineastas nos anos 60 e promoveu uma verdadeira revolução na maneira de se ver e pensar um filme. Como se fosse um elemento narrativo do próprio movimento que integrou, Rohmer guardava enigmas até referentes à sua origem – sua data de nascimento varia, dependendo da fonte consultada, e mesmo seu nome verdadeiro não é oficialmente conhecido. Mas são pequenos detalhes constitutivos de uma personalidade que soube marcar seu nome no universo cinematográfico. Afinal, pode-se gostar ou não dos filmes de Rohmer, mas jamais permanecer indiferente.

Dentre a geração de cineastas que se formou naquele período, entre os quais Godard, Rivette, Resnais, Chabrol e outros, o nome de Eric Rohmer é um dos menos conhecidos pelo público em geral, mas, paradoxalmente, um dos mais cultuados pelos cinéfilos. Dono de um estilo muito pessoal, inconfundível, ele conseguiu se sobressair em meio a um grupo que, dentro de uma proposta de renovação da forma de fazer cinema, buscava uma conscientização política por meio da arte, exatamente remando contra essa maré.

O cinema de Rohmer é extremamente simples na forma. A câmera fica estática, nada de enquadramentos inovadores ou tomadas elaboradas. Não há trilha sonora, apenas os sons ambientes. Os roteiros não primam pela inventividade, apresentando sempre o mesmo assunto: questões afetivas envolvendo homens e mulheres de diversas idades. O amor é o traço em comum. A maneira como os personagens interagem, também. Portanto, nada de excepcional. O que chamava a atenção em Rohmer era justamente a capacidade de se renovar a cada nova experiência, a segurança com que abordava seu tema preferido.
Um dos destaques da obra de Rohmer é a série Comédias e Provérbios. Formada por meia dúzia de filmes, aborda vários desencontros amorosos sempre por um viés cômico, a partir de um mote, geralmente um dito popular que funciona como uma epígrafe cinematográfica. Claro que é um tipo de humor muito francês, sofisticado, por vezes cerebral, sutil. É um tipo de comédia que leva mais à reflexão do que à gargalhada, que se debruça sobre os aspectos mais patéticos dos relacionamentos afetivos. Um dos melhores filmes da série é Pauline na praia, em que uma adolescente vai passar férias na casa de veraneio da família e provoca uma disputa entre vários rapazes. Outro bom título é A mulher do aviador, que parte de uma premissa batida, mas sempre eficiente. Um casal que nunca consegue se encontrar por incompatibilidade de horários, causada por suas atribuições profissionais. Mesmo assim se apaixonam. Como conciliar a diferença? Menos cômico do que os demais, mas igualmente interessante, é O raio verde, premiado com o Leão de Ouro no Festival de Veneza em 1987. Nele, uma jovem secretária não sabe como aproveitar suas férias. Viaja para vários lugares, sempre insatisfeita; o que ela quer mesmo é encontrar um romance. A atuação de Marie Rivière, também roteirista do filme, confere uma simpática veracidade à sua personagem, que pode suscitar identificações entre os espectadores, por suas inseguranças e manias. Rivière, aliás, é uma das atrizes preferidas de Rohmer, já tendo estrelado diversos filmes do diretor, que costuma mesmo trabalhar com os mesmos nomes em grande parte de sua produção.

Da mesma forma que Beatrice Romand, que começou menina nos filmes do diretor e protagoniza Um casamento perfeito. No filme, ela é uma jovem que resolve abandonar o amante, um homem casado, e conhece um advogado, com o qual fará de tudo para se casar. Mas o destino reserva muitas surpresas. Como nos outros títulos da série, este mantém os diálogos espirituosos, cheios de observações aguçadas sobre os conflitos sentimentais.

Mas a obra de Rohmer vai muito além dessa série. Seu nome ganhou notoriedade em 1969, quando foi indicado ao Oscar de Roteiro Original por Minha noite com ela. No ano seguinte, assinou sua obra-prima O joelho de Claire, contando com a fotografia deslumbrante de Nestor Almendros. Claro que seu estilo seco e lento angariava mais detratores do que admiradores. Em 1975, no filme Um lance no escuro (dirigido por Artur Penn), o personagem de Gene Hackman explicitava o que era um consenso a respeito da obra do cineasta francês: “Eu vi um filme do Eric Rohmer uma vez. Foi como se eu estivesse assistindo tinta secando.” Por isso, Rohmer é mais um gosto adquirido.

Toda a obra de Eric Rohmer, que permaneceu inédita por aqui até em VHS, foi finalmente lançada em DVD pela Europa, em edições que bem mereciam maior cuidado (quase todas têm a imagem riscada e em mau estado de conservação, além de não trazerem qualquer extra, sequer trailer). Não é para todos os públicos, mas, sem dúvida, conhecê-la é uma experiência enriquecedora.

Sua última produção, Os amores de Astrea e Celádon (2007), só foi exibido por aqui no Festival do Rio, em apenas três sessões, todas lotadas (eu consegui estar presente em uma delas), permanecendo inédito em circuito e em DVD. É provável que agora venha a público, como derradeira homenagem a um dos grandes mestres da Sétima Arte em todos os tempos.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Os melhores de 2009

Vou abrir os trabalhos de 2010 da mesma forma como encerrei os de 2009: com uma lista. Numa época em que é comum pipocarem listas de melhores e piores, imagina se eu ia ficar de fora! Assim, relacionei os dez melhores filmes que vi no recém-encerrado ano. Não estranhem a presença de alguns títulos antigos na relação abaixo. Sempre seleciono o que assisti de melhor, independente de ser em cinema, DVD, televisão, mostra ou festival. Como sigo à risca a regra do cinéfilo – “filme novo é todo aquele que você ainda não viu”, o que engloba, portanto, produções de anos passados –, incluo tudo o que me agradou. Apenas, para manter um mínimo de critério, deixo de fora séries de televisão, ainda que alguma tenha me surpreendido mais do que muitos filmes.

Os dez melhores de 2009 para mim:

1- Somos todos diferentes
2- 500 dias com ela
3- O curioso caso de Benjamin Button
4- Anticristo
5- Simonal – ninguém sabe o duro que dei
6- Deixa ela entrar
7- A hora do show
8- Ganga bruta
9- O lutador
10- Um filme de ovos
Animação espanhola cheia de graça e humor, com história criativa sobre um ovo que tenta fugir de seu destino – a panela – e acaba liderando uma revolução entre seus pares. Vale conhecer.

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Escolher o pior é tão difícil quanto selecionar o melhor. E como toda moeda tem dois lados, não poderia me furtar a eleger os dez piores filmes que vi em 2009. Abaixo, as obras-primas da ruindade.

1- Amargo
2- O porão
Produção amadora que parece ter sido rodada por um grupo de amigos para baratear os custos. Cenografia paupérrima, muito sangue, elenco péssimo.
3- Eu sei quem me matou
Fundo do poço e fim de carreira para Lindsay Lohan. Não há retorno possível depois de trabalhar num lixo desses.
4- Perseguição assassina
Uma brincadeira de mau gosto com os filmes de psicopatas e o governo Reagan. Só mais um filmeco de sangueira explícita sem maiores recomendações.
5- Espertalhões
6- Memória de vôo
Documentário europeu sobre a criação de pombos-correio, treinados para competições esportivas continentais. Pelo tema, já se tem uma idéia de como o filme é vibrante.
7- As ruínas
8- Conceição – autor bom é autor morto
9- Samba-canção
Comédia mineira que tenta satirizar as dificuldades de se fazer cinema no país, mas sem qualquer qualidade. A julgar por esta fita, realmente não vale a pena financiar certas produções.
10- Gloss
Outra comedinha boba, sobre uma jovem russa que sonha ser modelo, cai na estrada e conhece figuras estranhas. É difícil dar um sorriso com essa história tão equivocada.

E quais serão as obras-primas, boas ou ruins, que o ano novo me reserva? Daqui a 52 semanas conto a vocês.