quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Os melhores de 2016

Foram exatos 500 filmes vistos em 2016 (incluindo na conta as temporadas completas de séries). Deste universo, pincei duas dezenas que compõem as listagens abaixo. Quem me conhece ou acompanhou o blog em seus tempos áureos de postagem semanal vai reparar um par de novidades. Este ano, criei uma hierarquia de preferência, citando a partir do último colocado na lista dos melhores, ao passo que a relação dos piores continua em sequência decrescente, ou seja, o pior continua na cabeceira (e novamente é brasileiro, aliás, há outros três nacionais acompanhando). A outra novidade é que, pela primeira vez, desde que comecei a organizar essas listas, o melhor filme que vi no ano não é uma produção recente. Sinal de que o cinema feito hoje é ruim? Depende do ponto de vista. Para mim, é apenas a confirmação de que a Sétima Arte é ampla demais e sempre reserva tesouros que cabem a nós, cinéfilos, descobrir.

Os dez melhores filmes que vi em 2016 são:

10- ERA UMA VEZ EM PALILULA
Apesar do roteiro fraco e da narrativa episódica, esta produção romena consegue se impor como uma das fantasias mais interessantes dos últimos tempos. Com uma galeria de personagens cativantes e situações que por vezes beiram o surreal (também com toques fellinianos), consegue criar um universo bem particular, que, transitando de um delírio a outro, mantém o interesse do espectador até o final.

9- A FAMÍLIA BÉLIER

A aparente simplicidade do roteiro esconde um desses pequenos grandes filmes que fazem a alegria dos cinéfilos. O desenho banal do modo de vida típico de uma cidade do interior francês vai ganhando força dramática que culmina em um final arrebatador ao som de "Je vole", clássico de Michel Sardou. Risos e lágrimas se misturam numa narrativa agradável emoldurada por magníficas locações. A protagonista foi finalista do The Voice francês. 

8- CHÁ DE SANGUE E FIO VERMELHO
A melhor animação que vi em 2016 passa longe das fofices comerciais da Disney e da Pixar, embora também seja uma produção norte-americana. Sombria, violenta e por vezes assustadora para crianças menores, essa fábula passada numa estranha floresta e estrelada por dois clãs de ratos antagonistas é uma metáfora das relações de poder e marca a excêntrica contribuição de Christiane Cegavske para o gênero, com um estilo que lembra muito o de Tim Burton. Em seu site, é possível assistir a esta e outras de suas criações.

7- O QUE ACONTECEU, SRA. SIMONE?
A primeira produção original da Netflix a ser indicada ao Oscar (pouca gente comentou isso na ocasião) vai muito além de simplesmente traçar um retrato e promover uma espécie de resgate da cantora Nina Simone. Monta um interessante painel sobre a luta pelos direitos civis na conturbada América dos anos 60 e 70.

6- CREPÚSCULO
Nada a ver com a série dos vampirados adolescentes. Este é um suspense policial húngaro que se desenvolve em clima lúgubre, por vezes sufocante, ampliado pela claustrofóbica fotografia em preto e branco. Carrega fortes influências do cinema de Bela Tarr (com quem o diretor Gyorgy Feher trabalhou várias vezes e aqui assina como consultor): lento, contemplativo, com uma trama que, se não soluciona o mistério de forma satisfatória, mantém o espectador hipnotizado pela beleza de suas imagens.

5- BR 716
Aos 80 anos, Domingos Oliveira esbanja a vitalidade de um adolescente com essa amorosa autobiografia visual, na qual relembra sua juventude em uma agitada e romântica Copacabana pré-golpe de 64. Apesar do roteiro algo caótico, o filme flui em ritmo contagiante, embalado por bela trilha sonora e emoldurado por uma belíssima fotografia P&B. Consagrado em Gramado, de onde saiu com quatro Kikitos, incluindo filme e diretor.

4- SINFONIA DA NECRÓPOLE
Nascido como telefilme na TV Cultura, onde foi exibido com outro título, A ópera do cemitério. Esta versão final amplia as potencialidades daquele primeiro, que era um média de 50 minutos, e, sobretudo, torna mais claro o relacionamento entre o casal de protagonistas. Embora bem inseridos na trama, nem todos os números musicais funcionam, mas há dois antológicos: o inicial, com os coveiros, e o último, à noite, no cemitério. Divertido, original e com ótimo roteiro, tratando de um tema sério com leveza e inteligência. 

3- DARLING
Terror para quem gosta de terror. Esta produção extremamente simples é altamente eficiente na construção da atmosfera opressiva. A fotografia em preto e branco faz ótimo uso dos contrastes chiaroscuros e reforça o clima de insanidade que se instala e vai num crescendo de tensão quase insuportável. O diretor Mickey Keating mostra que aprendeu direitinho com os mestres do Expressionismo Alemão e brinca de criar clima apenas com truques de luz e cortes abruptos, que intensificam o clima de desajuste e incômodo. Ponto alto também é o adequado uso dos recursos sonoros, que pontuam a narrativa como se fossem acordes de uma sinfonia de pesadelo. O roteiro explora de maneira inteligente o surrado clichê da “casa mal-assombrada”, abrindo as mais variadas interpretações: tudo por ser apenas alucinação da protagonista… ou não. Há também algumas referências a Roman Polanski (Repulsa ao sexo, O bebê de Rosemary, O inquilino) que ajudam a construir um clima ainda mais perturbador. Nem a ceninha de sangueira explícita atrapalha o resultado. Uma obra-prima, um presente aos fãs deste gênero que se tornou tão desgastado e maltratado nos últimos anos.

2- VIDA ANIMADA
Owen Suskind estava condenado a uma existência silenciosa por conta do autismo. Até o dia em que passou a interagir com o mundo repetindo frases e diálogos das animações clássicas de Disney, que assistia sem parar. Lição de esperança, uma fábula da vida real, que mostra o poder do cinema sobre nossas vidas e até que ponto é possível configurarmos o mundo como o conhecemos a partir da Sétima Arte. Pré-selecionado ao Oscar de Documentário.

1- HAPPY END


O melhor filme que vi em 2016 é uma produção tcheca de 1967, praticamente esquecida pelo tempo, mas que serviu de inspiração a Amnésia (2001) e Irreversível (2002), que no fundo lhe prestam reverência. Mas é ainda mais radical que seus sucessores. Primeiro filme da história a romper com a estrutura narrativa tradicional:  seu enredo é montado de trás para frente. Começa com a cabeça decepada do narrador e vai retrocedendo, explicando os motivos que o levaram àquele destino. Os diálogos ditos de forma integral ganham novo contexto e a irônica narração em off praticamente reconstrói uma existência, ainda que "invertida", em que o final feliz do título é, na verdade, o começo de tudo. Cinema de invenção no sentido literal, uma ousadia do diretor Oldrich Lipsky (de Lemonade Joe, 1964). 

E os piores de 2016? Bem, destes, quanto menos se falar, melhor...

GAROTAS - O FILME: Lixo nacional. Como é bom gastar dinheiro público!
RIO PERDIDO: Decepcionante estréia do ator Ryan Gosling na direção, homenageando David Lynch da pior forma, com uma trama sem pé nem cabeça.
QUEDA LIVRE: Curioso que uma produção tão rara de chegar aqui, como a da Hungria, tenha conseguido emplacar um filme em cada pólo. Mas lá também se faz filme ruim. Como esta comédia dividida em esquetes que simplesmente são incapazes de fazer rir.
IN MEMORIUM: Imemorável, e ainda por cima serviu de inspiração para a série Atividade paranormal.
O CHEIRO DA GENTE: Mais um pobre exercício de onanismo cinematográfico cometido por Larry Clark.
UMA ABELHA NA CHUVA: Tão chato quanto o romance homônimo escrito por Carlos de Oliveira em 1953.
PORTA DOS FUNDOS - CONTRATO VITALÍCIO: Até que provoca risos, mas se perde num excesso de baixarias e piadas chulas. Comédia brasileira moderna, enfim.
OS TARADOS: O pior dos piores filmes dirigidos por Francisco Cavalcante, ou seja, além do fundo do poço.
A VIDA PRIVADA DOS HIPOPÓTAMOS: Documentário sobre nada.
O FIM: Gerard Depardieu pagando mais um mico nesse suspensinho descartável do embusteiro Guillaume Nicloux. É o fim da carreira mesmo - e aqui, o fim da lista.