quarta-feira, 1 de julho de 2009

Introdução ao cinema indiano

Como todo assunto abordado na novela das nove, a cultura indiana está na moda. As pessoas comentam sobre chai, vacas sagradas e costumes sócio-religiosos com uma intimidade desconcertante. (Ah, como seria legal uma novela em que os personagens passassem os capítulos inteiros exigindo o cumprimento de leis, brigando por seus direitos básicos de cidadãos, chamando a atenção para as mazelas de nosso país, para as quais o governo faz vista grossa e o povo, em que pese ter razão nas reclamações, também ajuda a perpetrar. Talvez assim, e só assim, se conseguisse operar de fato uma mudança de pensamento na população. A emissora-do-bairro-que-é-um-jardim já deu mostra de sua força persuasiva nos anos 90, quando, incentivadas pelas imagens de rebeliões populares mostradas na minissérie Anos rebeldes, massas de estudantes saíram às ruas pedindo a renúncia de um certo presidente... Mas isso já é história e não vem ao caso aqui. Perdoem a digressão.)

Não assisto à trama das nove, mas, outro dia, zapeando, caí em uma cena que me chamou a atenção. Estavam os personagens em um cinema quando, do nada, parte da platéia se levantou das poltronas e começou a dançar, enquanto o filme seguia sendo projetado na tela. A imagem, bastante inusitada para nós, brasileiros, é comum por lá e traduz de certa forma o sentimento do povo em relação à Sétima Arte. O indiano ama cinema, ama os filmes que são feitos em seu país. E tem do que se orgulhar. Afinal, como já se sabe hoje em dia, a Índia é a maior produtora mundial de cinema, com cerca de 900 títulos produzidos ao ano, um número que impressiona, sobretudo se levarmos em conta a quantidade de enlatados norte-americanos que deságuam semanalmente nas locadoras daqui, que já é expressiva. O grande problema, em termos cinéfilos, é que nós não temos acesso a essa filmografia. Os produtos de Bollywood, como é chamada a poderosa indústria local – sim, lá é possível cunhar-se este termo para designar a atividade cinematográfica – simplesmente não chegam ao Brasil.

Bem que há um esforço de algumas distribuidoras no sentido de tornar o cinema indiano mais conhecido e acessível ao grande público. Nos anos 50 e começo dos 60, o nome de Satyajit Ray soava familiar, por conta de sua Trilogia de Apu, formada por A canção da estrada (1955), O invencível (1956) – vencedor do Festival de Veneza – e O mundo de Apu (1959). Considerados perdidos por décadas, os filmes foram recuperados e lançados em DVD, em mais uma bem sucedida empreitada da Silver Screen Collection, que vem nos legando o resgate de várias obras importantes e fundamentais da história do cinema, permitindo que os espectadores não só possam conhecê-las, mas também ampliar seu horizonte estético e cultural. Foi um momento de afirmação mundial para o cinema produzido na Índia. Não se manteve, porém, regularidade no lançamento de filmes indianos. Aliado a isso, a necessidade do mercado exibidor de se render às imposições comerciais, dando preferência às produções norte-americanas, contribuiu para que o cinema daquele país asiático caísse no esquecimento durante anos a fio.

Uma pena, porque o cinema indiano merece ser conhecido e mais divulgado, sobretudo nos dias de hoje, em que Bollywood é capaz de produzir histórias tão divertidas, repletas de romantismo, ação e humor – não se espante: é assim mesmo, tudo junto num único filme, estendido ao longo de três ou quatro horas de projeção, uma característica da indústria local. (Continua)

2 comentários:

  1. O problema é que os filmes de Satyajit Ray e outros da Índia não são produzidos em Bollywood, mas são obras esporádicas de diretores independentes. Bollywood e as outras indústrias de cinema indiano produzem 99% de todos os filmes do país, não sobrando espaço e investimento aos independentes. E esses 99%, infelizmente, não são bem aceitos no ocidente, pela sua estética própria, muito diferente do que estamos acostumados no cinema.

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  2. De fato, os filmes do Ray não se alinham com a estética bollywoodiana. Como se depreende pelo texto, não há conexão entre o diretor e o cinema indiano de indústria (Bollywood); citei-o para ressaltar a importância da cinematografia daquele país, sendo ele o diretor local mais conhecido no Ocidente. Agradeço pelo comentário, que esclarece e enriquece o assunto abordado.

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