quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Clube dos pervertidos

John Waters é um dos raros cineastas que têm a coragem de criticar abertamente a hipocrisia e a falsa moralidade que encapam a sociedade norte-americana. E, a julgar por seus trabalhos, a cidade de Baltimore (onde se passam todas as suas histórias) é um antro de esquisitice e devassidão, habitada por um bando de tarados e desajustados. É a impressão que passa a quem assiste a Clube dos pervertidos, última e destruidora incursão do papa do cinema trash-alternativo, praticamente recuperando o fôlego do "bom e velho John" que não se via há muitos anos.
O diretor tem em seu currículo algumas das comédias mais insanas do cinema norte-americano, destacando-se entre elas o inqualificável Pink flamingos (1972). No entanto, desde que concebeu Mamãe é de morte (1993), parecia haver se rendido afinal ao sistema de Hollywood, abandonando seus roteiros ferinos e transgressores em nome da “decência” da indústria. Mesmo comportado, porém, ainda era possível identificar ali alguns traços contestadores típicos que fizeram sua fama. Seu filme seguinte, O preço da fama, mantinha o discurso timidamente atrevido, mas já não funcionou bem. A história parecia travada e pouco ou nada ali fazia lembrar o estilo agressivo do diretor. Será que um dos cineastas mais ousados e originais surgidos na América estaria afinal dominado pelo gosto médio dos grandes estúdios, caminhando a passos largos para a vala comum dos diretores certinhos e comerciais que tanto abundam por aí? Pois é, parecia. Com Clube dos pervertidos, no entanto, ele mostra que está mais vivo do que nunca.
Sylvia (Tracey Ullman) é uma quarentona sexualmente reprimida que vive com seu marido bem mais jovem e assanhadinho (Chris Isaak). Sua filha, Caprice (Selma Blair), que cumpre prisão domiciliar por crime contra a moral pública, é dançarina de um bar local e objeto de desejo de todos os homens da cidade por causa de seus seios gigantescos (exageradamente aumentados com silicone). Um dia, Sylvia sofre um acidente e bate com a cabeça, sendo socorrida por Ray Ray (Johnny Knoxville, o imbecil da série Jackass), um terapeuta sexual especializado em curar a frieza e a impotência das pessoas (sic). Com a transformação, Sylvia se torna uma ninfomaníaca e passa a querer transar com todos os homens que encontra, de todas as maneiras possíveis e imagináveis. Sua mãe, presidente da Liga Local Pela Decência e Bons Costumes, não se conforma com a situação e leva à filha para uma clínica de recuperação. A partir deste momento, a cidade se divide numa cruzada entre os puritanos, liderados pela velha que se escandaliza com tudo, e os liberais, representados por Ray Ray, que tem em Sylvia sua melhor publicidade.
O filme transpira a sexo por todos os poros, não livrando sequer os troncos das árvores da cidade, com seus nós desenhados de forma sugestiva nas cascas. Quando os personagens não estão fazendo sexo, estão falando em transar, e não há um único momento em que não haja uma cena envolvendo algum grau de perversão. Os puritanos “recuperados” por Ray Ray são todos carregados de taras e fetiches bizarros: um executivo que curte infantilismo, um casal que gosta de vomitar um no outro para obter prazer, um homem cujo maior prazer é defecar sem soltar descarga (e por isso é conhecido como “Bosta na privada”!) e por aí vai. Os mais engraçados, no entanto, são os amantes homossexuais que se tratam pelo apelido de “Ursos” (grandes, gordos e peludos) e formam uma grande família onde o sexo é a regra básica de convivência.
O filme é curto, mas tem um ritmo frenético, as piadas não param um minuto sequer. O humor não advém apenas das situações exageradas, mas sobretudo dos diálogos, carregados de termos chulos e grosseiros, que ficam engraçados pelo grau intrínseco de crítica que trazem em si. Afinal, Waters não tem papas na língua. Fala mesmo, deixa claras suas opções, ousa jogar na cara da conservadora e careta sociedade norte-americana o absurdo de sua falsa moral, onde guerra e violência são vistos como soluções e “afirmações” de virilidade, mas um debate acerca da sexualidade ainda é tabu e causa mal-estar. Também neste sentido, o filme diverte e pode até provocar discussões. Eu gostei muito, há tempos não assistia a uma comédia tão anárquica e corajosa. A ingênua trilha sonora tenta remeter aos filmes familiares e adocicados dos anos 50, sugerindo um clima de inocência que o filme se encarrega o tempo todo de desmentir. O elenco ainda traz as participações obrigatórias de vários nomes que já viraram figurinhas carimbadas nos filmes de Waters, entre elas a lendária Patty Hearst.
Um aviso: não é filme para todos os públicos. Quem conhece o diretor ou já teve algum contato inicial com sua obra saberá o que esperar deste aqui e vai se divertir bastante. Entretanto, quem procura um cartão de visitas de Waters deve começar por seus filmes mais acessíveis ou experimentar o anterior, Cecil bem demente. Espectadores mais sensíveis devem evitá-lo, e especialmente as mulheres podem considerá-lo ofensivo. Pena que a edição em DVD não traga qualquer extra além de trailers da distribuidora. Mas vale a locação. Arrisque-se e bom divertimento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário