quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Os melhores filmes nacionais da década

Quem acompanha este espaço já percebeu que eu adoro uma lista. Não resisto mesmo! Seja para me servir de referência ou para comparar com minhas próprias preferências em determinado assunto. E o Segundo Caderno do jornal O Globo me forneceu mais munição no último domingo (13/12), ao publicar uma lista com os dez melhores filmes brasileiros da década que vem chegando ao fim. O júri foi formado por críticos de cinema e jornalistas da área cultural, entre eles Artur Dapieve, Marcelo Janot e Rodrigo Fonseca. O resultado final foi um interessante painel que resume bem o que de melhor se fez no Brasil nessa primeira dezena de anos do novo século.

O primeiro colocado, claro, foi Cidade de Deus (2002), que abriu as portas de uma carreira internacional para Fernando Meirelles e se tornou o filme brasileiro mais visto e comentado no exterior desde Pixote – a lei do mais fraco (1981). Entre os outros nove classificados, três são documentários: Edifício Master (2001), de Eduardo Coutinho, que terminou em segundo, Ônibus 174 (2001), de José Padilha, que fecha a lista, e ainda Serras de desordem (2003), de Andrea Tonacci, que, embora seja essencialmente documental, insere trechos ficcionais interpretados pelos próprios personagens da história que narra, a devastação de uma tribo indígena e a busca pelas origens do único sobrevivente. É também o único filme da dezena que não existe em DVD (alô, distribuidoras!), mas é exibido com freqüência na TV Brasil. Completam a relação de melhores da década: Tropa de elite (2007), também de Padilha – o único diretor a emplacar dois filmes na seleção – ; O invasor (2003), de Beto Brant; Cinema, aspirinas e urubus (2005), de Marcelo Gomes; Estômago (2007), de Marcos Jorge; O cheiro do ralo (2006), de Heitor Dhalia; e Lavoura arcaica (2001), de Luiz Fernando Carvalho.

Bem eclético, como se vê. Além destes, outros 42 filmes brasileiros lançados entre 2000 e 2009 foram lembrados, e o que me chama a atenção aqui é a ausência de alguns títulos que muitos dariam como certos em qualquer listagem do tipo. Por exemplo: Cidade baixa (2005), de Sérgio Machado, festivamente saudado quando de seu lançamento, vencedor do Troféu Redentor do Festival do Rio, eleito um dos dez melhores filmes daquele ano, foi apenas mencionado, terminando fora da seleção final. Será que não era tão bom assim? O mesmo aconteceu com Linha de passe (2007), de Walter Salles e Daniela Thomas, quase uma unanimidade entre os críticos, que, no entanto, preferiram “esquecer” a obra que ganhou prêmio de interpretação em Cannes (Melhor Atriz para Sandra Corveloni). Mais impressionante foi o esquecimento total relegado a O ano em que meus pais saíram de férias, que sequer foi citado! O grande vencedor do Grande Prêmio Brasil de Cinema não foi lembrado por nenhum dos jurados, provando que, quem sabe, não devia mesmo ser tão genial assim (e não é mesmo, trata-se de um filme bonito e sensível, mas longe de ser a obra-prima que muitos apregoaram na ocasião). Em compensação, houve quem votasse em Crime delicado, também de Beto Brant ,do qual, particularmente, tenho horror, não só pela proposta estética radical – e, a meu ver, errada – , mas sobretudo por desvirtuar completamente o romance original de Sérgio Sant’Anna. Lembraram também de obras bobinhas, como Houve uma vez dois verões e O homem que copiava, que, incensados à época do lançamento, não resistiram ao tempo, da mesma forma como não resistem a um revisão.

Não sei se Cidade de Deus é mesmo o melhor filme brasileiro da década. Não vou me animar a fazer uma lista semelhante. Em primeiro lugar, acho que ela está bem elaborada, bem representativa do que de melhor se fez no cinema nacional nesses dez anos. Em segundo lugar, as mudanças ocasionais seriam poucas. Eu tiraria Cinema, aspirinas e urubus (não gosto, acho um filme superestimado) e Lavoura arcaica (um filme belíssimo esteticamente, mas que se perde em seus excessos). No lugar, incluiria talvez O céu de Suely (terminou apenas entre os outros mais lembrados) e Simonal – ninguém sabe o duro que dei, uma verdadeira aula de documentário, e que também foi esquecido pelos votantes, não aparece nem entre os 50 melhores! Mas listas estão longe de serem perfeitas e, no final, servem para isso mesmo: gerar discussão. Ficou também uma curiosidade: muitos filmes de caráter mais popular, que contaram com grande divulgação na mídia, acabaram esquecidos e sequer foram citados pelos jurados. Casos de 2 filhos de Francisco, Meu nome não é Johnny, Os desafinados, Batismo de sangue e Cazuza - o tempo não pára, em que pese a inegável qualidade de alguns deles. Será que, daqui a dez anos, alguém vai se lembrar de Lula, o filho do Brasil?

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Com a proximidade das festas de final de ano, e a certeza de que grande parte das pessoas está com a cabeça nos panetones (não aqueles de Brasília) e nos foguetórios que anunciam o raiar de um novo ano, este blog dá um descanso, agradecendo a todos que o prestigiaram e por aqui passaram desde abril. Obrigado aos, creio, fiéis seguidores e eventuais leitores pela companhia. Volto no dia 6 de janeiro. Boas festas a todos!

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Clube dos pervertidos

John Waters é um dos raros cineastas que têm a coragem de criticar abertamente a hipocrisia e a falsa moralidade que encapam a sociedade norte-americana. E, a julgar por seus trabalhos, a cidade de Baltimore (onde se passam todas as suas histórias) é um antro de esquisitice e devassidão, habitada por um bando de tarados e desajustados. É a impressão que passa a quem assiste a Clube dos pervertidos, última e destruidora incursão do papa do cinema trash-alternativo, praticamente recuperando o fôlego do "bom e velho John" que não se via há muitos anos.
O diretor tem em seu currículo algumas das comédias mais insanas do cinema norte-americano, destacando-se entre elas o inqualificável Pink flamingos (1972). No entanto, desde que concebeu Mamãe é de morte (1993), parecia haver se rendido afinal ao sistema de Hollywood, abandonando seus roteiros ferinos e transgressores em nome da “decência” da indústria. Mesmo comportado, porém, ainda era possível identificar ali alguns traços contestadores típicos que fizeram sua fama. Seu filme seguinte, O preço da fama, mantinha o discurso timidamente atrevido, mas já não funcionou bem. A história parecia travada e pouco ou nada ali fazia lembrar o estilo agressivo do diretor. Será que um dos cineastas mais ousados e originais surgidos na América estaria afinal dominado pelo gosto médio dos grandes estúdios, caminhando a passos largos para a vala comum dos diretores certinhos e comerciais que tanto abundam por aí? Pois é, parecia. Com Clube dos pervertidos, no entanto, ele mostra que está mais vivo do que nunca.
Sylvia (Tracey Ullman) é uma quarentona sexualmente reprimida que vive com seu marido bem mais jovem e assanhadinho (Chris Isaak). Sua filha, Caprice (Selma Blair), que cumpre prisão domiciliar por crime contra a moral pública, é dançarina de um bar local e objeto de desejo de todos os homens da cidade por causa de seus seios gigantescos (exageradamente aumentados com silicone). Um dia, Sylvia sofre um acidente e bate com a cabeça, sendo socorrida por Ray Ray (Johnny Knoxville, o imbecil da série Jackass), um terapeuta sexual especializado em curar a frieza e a impotência das pessoas (sic). Com a transformação, Sylvia se torna uma ninfomaníaca e passa a querer transar com todos os homens que encontra, de todas as maneiras possíveis e imagináveis. Sua mãe, presidente da Liga Local Pela Decência e Bons Costumes, não se conforma com a situação e leva à filha para uma clínica de recuperação. A partir deste momento, a cidade se divide numa cruzada entre os puritanos, liderados pela velha que se escandaliza com tudo, e os liberais, representados por Ray Ray, que tem em Sylvia sua melhor publicidade.
O filme transpira a sexo por todos os poros, não livrando sequer os troncos das árvores da cidade, com seus nós desenhados de forma sugestiva nas cascas. Quando os personagens não estão fazendo sexo, estão falando em transar, e não há um único momento em que não haja uma cena envolvendo algum grau de perversão. Os puritanos “recuperados” por Ray Ray são todos carregados de taras e fetiches bizarros: um executivo que curte infantilismo, um casal que gosta de vomitar um no outro para obter prazer, um homem cujo maior prazer é defecar sem soltar descarga (e por isso é conhecido como “Bosta na privada”!) e por aí vai. Os mais engraçados, no entanto, são os amantes homossexuais que se tratam pelo apelido de “Ursos” (grandes, gordos e peludos) e formam uma grande família onde o sexo é a regra básica de convivência.
O filme é curto, mas tem um ritmo frenético, as piadas não param um minuto sequer. O humor não advém apenas das situações exageradas, mas sobretudo dos diálogos, carregados de termos chulos e grosseiros, que ficam engraçados pelo grau intrínseco de crítica que trazem em si. Afinal, Waters não tem papas na língua. Fala mesmo, deixa claras suas opções, ousa jogar na cara da conservadora e careta sociedade norte-americana o absurdo de sua falsa moral, onde guerra e violência são vistos como soluções e “afirmações” de virilidade, mas um debate acerca da sexualidade ainda é tabu e causa mal-estar. Também neste sentido, o filme diverte e pode até provocar discussões. Eu gostei muito, há tempos não assistia a uma comédia tão anárquica e corajosa. A ingênua trilha sonora tenta remeter aos filmes familiares e adocicados dos anos 50, sugerindo um clima de inocência que o filme se encarrega o tempo todo de desmentir. O elenco ainda traz as participações obrigatórias de vários nomes que já viraram figurinhas carimbadas nos filmes de Waters, entre elas a lendária Patty Hearst.
Um aviso: não é filme para todos os públicos. Quem conhece o diretor ou já teve algum contato inicial com sua obra saberá o que esperar deste aqui e vai se divertir bastante. Entretanto, quem procura um cartão de visitas de Waters deve começar por seus filmes mais acessíveis ou experimentar o anterior, Cecil bem demente. Espectadores mais sensíveis devem evitá-lo, e especialmente as mulheres podem considerá-lo ofensivo. Pena que a edição em DVD não traga qualquer extra além de trailers da distribuidora. Mas vale a locação. Arrisque-se e bom divertimento.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Sessão médica

Em virtude de uma cirurgia a que precisei ser submetido na semana passada, e cumprindo rigorosamente as ordens médicas que me prescreveram dez dias de repouso intenso, não postarei a coluna hoje. Contamos com vossa compreensão. Na semana que vem, retomamos com nossa programação normal.