quarta-feira, 31 de março de 2010

A caixa

O diretor Richard Kelly se tornou conhecido do público cinéfilo por conta de seu primeiro filme, o cultuado Donnie Darko (2001), estrelado por Jake Gyllenhall e Drew Barrymore. O filme, um suspense apocalíptico e enigmático, até hoje rende acaloradas discussões nas listas da internet graças a seu roteiro intrincado e engenhoso. Mas o que poderia representar o surgimento de um novo grande nome do cinema norte-americano não se confirmou, e Kelly passou os anos seguintes no ostracismo. Reapareceu em 2006 com um equívoco abissal, o inqualificável Southland tales – O fim do mundo. Mas agora se recupera com outro trabalho asfixiante, A caixa, no qual volta a exercitar sua habilidade na construção de uma história formada de diversas camadas narrativas, mas com um único vértice conversor.

Como em seu filme de estréia, este aqui também se passa nos anos 70, mais precisamente em 1976. Num belo dia, a professora Norma Lewis (Cameron Diaz, já evidenciando a idade) recebe a visita do misterioso Arlington Steward (Frank Langella), um homem horrivelmente mutilado por uma espécie de queimadura que lhe destruiu parte do rosto. Ele leva consigo uma caixa e lhe faz uma proposta: se ela apertar o botão que há no objeto, ganha um milhão de dólares; porém, ao mesmo tempo, em algum lugar do mundo, uma pessoa morrerá. Norma leva a questão a seu marido, Arthur (James Mardsen), um discreto funcionário da Nasa. Instintivamente, ela pressiona o botão, recebe a recompensa, mas, a partir daí, suas vidas entram em uma espiral de estranhos acontecimentos. Paralelamente, Arthur descobre informações sobre o passado de Steward, que pode estar diretamente ligado a um episódio ocorrido na Nasa alguns anos antes.

O roteiro, baseado em um conto do especialista Richard Matheson, que já forneceu matéria-prima para muitos outros filmes de Hollywood, consegue construir um clima tenso e sufocante na maior parte do tempo, sempre alimentando a dúvida do espectador a respeito da identidade daquele homem estranho, o que o move realmente, e qual a finalidade de suas experiências. Assim, o espectador mais atento vai descobrir logo o mistério da trama, que não chega a ser tão surpreendente, mas, até chegar lá, haverá boas doses de suspense, com alguns sustos e muito clima. No entanto, é esse mesmo roteiro que quase põe tudo a perder lá pelo meio, com uma cena particularmente ridícula (que acontece após a reunião na biblioteca), inclusive com o que me pareceu um erro grosseiro de montagem. Mas o diretor comprova sua competência segurando a história, evitando que ela descambe para o absurdo absoluto que chega a ameaçar.

O final cíclico é carregado de uma crueldade extrema, mas dá o que pensar e faz o espectador sair do cinema com várias questões morais na cabeça. E isso já é muito para um filme nos dias de hoje.

quarta-feira, 24 de março de 2010

A notável Bettie Page

De vez em quando o Festival do Rio traz filmes relacionados à indústria pornográfica norte-americana. Há alguns anos foi John Holmes – tudo isso é você? Em 2004, foi a vez de Crimes em Wonderland, que enfocava um episódio criminal ocorrido com o mesmo ator. A escolha de 2007 foi a lendária Bettie Page, a mais famosa pin-up (modelo de fotos eróticas) de todos os tempos, especialmente conhecida e cultuada no meio BDSM, uma subdivisão do universo sadomasoquista. Esta produção da HBO tem, além da tradicional qualidade artística que é a marca da emissora, o mérito de simplesmente narrar os fatos, deixando que o espectador tire suas próprias conclusões.

Bettie foi criada no seio de uma família interiorana de sólida formação cristã, era católica fervorosa, freqüentava a missa aos domingos – isso o filme deixa bem claro. Após um casamento infeliz, separa-se e parte para Nova Iorque, onde tenciona se tornar atriz. Passa a trabalhar como modelo de trajes de banho, mas sua vida toma outro rumo ao conhecer o fotógrafo John Willie, que a transforma na mais famosa estrela de uma série de filmes de bondage – técnica sexual que consiste na imobilização total ou parcial do parceiro. A partir daí, Bettie é involuntariamente arremessada no olho de um furacão, combatida por todas as ligas pela decência e saneamento moral então bastante radicais na conservadora sociedade ianque dos anos 50. A questão é que Bettie não via maldade alguma no trabalho que realizava, entendendo-o como o resultado de um dom que lhe havia sido concedido por Deus. Sua carreira entra em declínio após ela se tornar a protagonista involuntária de um crime cometido nas mesmas circunstâncias sugeridas por suas fotos. Não chegou a cair em desgraça, apenas se decepcionou com os rumos que sua vida estava tomando.

O roteiro, escrito pela diretora Mary Herron e por Guinevere Turner, figura conhecida do meio SM (estrelou Clube do fetiche), não se aprofunda nos dilemas morais da personagem, preferindo enfatizar a inocência com que encarava sua tarefa profissional. Há mesmo algumas passagens mal-explicadas (o estupro de que foi vítima e que parece não ter deixado qualquer marca, uma sugestão de abuso paterno). Mas ganha pontos por mostrar toda uma cultura do submundo (não confundir com subcultura) raramente mostrada com seriedade pelo cinema. As representações dos filmes de bondage estrelados por Bettie hoje podem soar ingênuas e até cômicas; são, porém, um registro interessante do tipo de perversão consumida por parcela significativa da sociedade, ao mesmo tempo em que era combatida pelos mesmos que se diziam defensores da moralidade. Como bondager assumido, gostei muito de ver essa "tara" reproduzida de forma séria, permitindo um debate sobre os limites do que pode ser considerado normal na natureza humana. É mesmo o maior tributo que o cinema já prestou a esse fetiche, mostrando-o sem sensacionalismos, procurando inseri-lo em um contexto psicologicamente aceitável. Assim, minha simpatia pelo filme cresceu muito por esta razão.

Quando vi o filme na sessão de abertura do festival daquele ano, no hoje extinto Cine Palácio, fiquei imaginando quantas pessoas, dentre as que estavam na platéia, entendiam ou também curtiam aquele fetiche e até onde elas se sentiam chocadas ou excitadas com as idéias sugeridas. A julgar pelos risos, muito poucas – ou então o bondage realmente é um fetiche que ainda não ousa dizer seu nome. O filme tem um boa reconstituição de época, fotografia caprichada e excelente trilha sonora, composta de sucessos da década de 50. Gretchen Mol tingiu os cabelos de preto para interpretar a personagem.

Bettie Page morreu ano passado, aos 84 anos, em São Francisco, onde vivia como... pregadora evangélica! Mas deixou uma legião de fãs que até hoje cultuam sua imagem nas diversas comunidades dedicadas a ela espalhadas pelo Orkut. Também é possível assistir a alguns filmetes estrelados por Bettie no Youtube.

O filme não passou dos cinemas brasileiros, e, curiosamente, sequer foi exibido pela HBO, que o produziu. Mas saiu em uma caprichada edição dupla pela Casablanca.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Desejo e obsessão

Embora mais veterana, a diretora francesa Claire Denis tem um estilo de filmar que hoje pode ser comparado ao da argentina Lucrecia Martell (do engodo O pântano e do bom Santa menina): planos fechados, ritmo lento, economia de diálogos, roteiro por vezes descosturado. Além disso, utiliza com sobriedade um recurso narrativo que geralmente é relegado a um segundo plano no cinema comercial, o tempo, marcado por silêncios que pontuam a narrativa e preenchem as ações dos personagens, que assim compensam suas poucas falas. Num certo sentido, um tipo de cinema de ação, só que ao modo francês. Sem pressa e com pleno domínio de sua técnica, Denis comanda cada um destes elementos com invejável segurança. E todos eles aparecem combinados de maneira arrebatadora no magnífico Desejo e obsessão.

Em Paris, o médico Leo Semenault (Alex Descas), especialista em pesquisas sobre o comportamento sexual, mantém enclausurada em sua casa a esposa, Cora (Beatrice Dalle, a Betty Blue), que sofre de uma estranha e rara doença e está fora de controle. Paralelamente, um amigo, o jovem médico americano Shane (Vincent Gallo) chega à cidade para sua lua-de-mel. Ele procura Leo para que este lhe auxilie no tratamento da mesma doença que o acomete. Tanto Shane quanto Cora gostam de atacar a dentadas seus parceiros durante o ato sexual, matando-os num ritual canibalístico, numa busca insana do paroxismo do prazer. Uma série de contratempos encaminha este estranho caso de amor rumo a um explosivo desfecho.

É uma história trágica e tristíssima sobre a força do desejo e as pulsões que movem o ser humano a satisfazê-lo, ao mesmo tempo em que precisa controlá-lo ou mesmo abortá-lo em nome de uma suposta normalidade social, mesmo que isso o leve a estados mentais de desequilíbrio e abandono. Pois é o desejo, multiplicado pelo desespero, que arrasta o casal de canibais (Cora e Shane) aos limites de sua sanidade, confrontando-os com as convenções estabelecidas e expondo o sofrimento de ambos em sua inócua tentativa de controlar o que os mantêm vivos.

A magnífica abertura do filme dá uma boa dica do que se verá a seguir. Após uma rápida transa clandestina dentro de um carro estacionado em uma estrada deserta, uma atônita Beatrice Dalle (cuja bocarra sensual nunca esteve tão bem aproveitada no cinema e tão adequada a um papel) caminha por um descampado, enquanto um corte de cena flagra o alvorecer em algum bairro residencial nos subúrbios de Paris, com os primeiros raios de sol refletidos no lago, linda imagem realçada pela primorosa fotografia e emoldurada por uma oportuna trilha sonora. Outra grande cena é a que reúne Cora e uma eventual conquista, um desocupado que invade sua casa, atraído por sua beleza, durante o ato sexual, e onde a bela deixa aflorar seus instintos canibalescos, atacando com todo seu incontrolável desejo o rosto de seu amante. A cena é mostrada na penumbra, mas a tudo se vê, a tudo se assiste, chocado com a crueza da imagem, extasiado com a intensidade de tanto desejo – e, por que não dizer, comovido diante da constatação do fim melancólico que fatalmente aguarda a protagonista. Não há concessões. A seqüência é coroada com uma performance de loucura de Cora, banhada de sangue, andando sem rumo pelo quarto coalhado de tinta vermelha escorrendo das paredes, na boca restos carnais do homem a quem amara até poucos minutos atrás. Assustador e arrebatador.

O restante do elenco também está muito bem, com destaque para Vincent Gallo, bom ator que parece estar se especializando em papéis de personagens marginalizados. É ele o responsável pela cena final de canibalismo, fazendo explodir a tensão de que o filme se carregou até então. De certa forma, seu personagem funciona como uma espécie de contraponto dramático à Cora de Dalle. Enquanto esta foge de casa e luta para buscar o prazer à custa de um preço a ser pago por sua concretização, aquele trava dentro de si uma batalha feroz pelo controle de seus desejos. Neste sentido, o nome do personagem ganha em dimensão simbólica, sendo Shane o cowboy por excelência eternizado no faroeste Os brutos também amam (1953), de George Stevens, e cuja principal característica é a solidão que marca seu relacionamento com o mundo e com as pessoas com as quais se envolve. Não é por outro motivo que o Shane de Denis, embora se mostre sempre carinhoso e apaixonado pela jovem esposa, não consegue consumar a expressão física deste amor. Shane prefere se masturbar – em uma cena, ele se levanta no meio da noite e se tranca no banheiro enquanto do lado de fora a mulher ouve, chorando, os gemidos do marido em sua brincadeira onanista – a dar vazão a seus impulsos e desejos, ferindo assim o objeto de sua afeição. É a impossibilidade de viver este desejo, e de consumá-lo em sua totalidade, que atormenta Shane e o lança num exercício de desespero contido.

A derradeira e sintomática fala da história é um desfecho mais do que adequado e que simboliza de forma compacta todos os desejos experimentados pelos personagens ao longo da narrativa. Uma obra-prima carregada de simbologias, simplesmente espetacular.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Oscar 2010 - final

  • Confesso que quando Preciosa foi anunciado como vencedor de Roteiro Adaptado, tive esperança de que mais vitórias viessem, sobretudo na categoria principal. Afinal, fora uma surpresa o triunfo sobre o grande favorito Amor sem escalas. Porém, meu entusiasmo foi arrefecendo na medida em que os prêmios se sucediam. Seria mesmo querer demais: um filme pequeno, estrelado por negros, com uma história difícil, ser consagrado como o melhor do ano. Repetindo o que escrevi aqui neste espaço outro dia: "A América de Obama ainda não chegou a tal nível de igualdade". Mas fiquei feliz, no final das contas. Ao menos, o Oscar ficou no nosso planeta, e não em um mundo virtual, cheio de magia e encantamento, mas vazio de significados.
  • Parabéns à Academia, pela maturidade de conferir o prêmio máximo do cinema a um filme sem grandes ousadias narrativas ou visuais, que se sustenta em seu roteiro e não em invencionices tecnológicas. Parabéns pela escolha de um filme que, mesmo não sendo excepcional, dá o que pensar depois que o assistimos. Parabéns por escolher um filme que mostra gente real, de carne e osso, como eu e você, vivendo problemas reais, em vez de contemplar aberrações extraterrestres. O megabadalado blockbuster de James Cameron até pode ser muito bem intencionado em sua mensagem ecológica, mas somente consigo entendê-lo como um produto voltado única e exclusivamente ao puro entretenimento mercantilista, cuja bilheteria mundial não reflete exatamente suas qualidades dramáticas.
  • Nem preciso dizer que detestei Avatar, desde o trailer, que vi ainda em novembro e já havia me tirado todo o interesse em assisti-lo (e que já não era grande mesmo). Mas tampouco acho Guerra ao terror um grande filme, como todos podem confirmar pelos comentários que fiz aqui no blog, em postagens passadas. Porém, entre uma farsa tão vazia que necessita de toda a promoção de sua tecnologia para servir de chamariz e um filme que coloca na tela o drama de pessoas comuns, fico com este último.
  • O grande problema é que Guerra ao terror corre o sério risco de se tornar um dos menos memoráveis ganhadores de Oscar. Daqui a cinco, dez anos, todos falarão de Avatar, mas não sei se alguém vai se lembrar da fita de Bigelow. Isso não é bom para o prêmio, que pode acumular mais um caso de escolha equivocada. Só o tempo dirá.
  • Tudo bem, Sandra Bullock é uma atriz querida em Hollywood, todo mundo gosta e a Academia já vinha querendo premiá-la há um bom tempo. Mas foi a primeira vez em que uma atriz ganhou, ao mesmo tempo, o Oscar de Melhor Atriz e o Framboesa de Ouro de Pior Atriz! Quem quiser conferir o desempenho de Sandra no filme que lhe rendeu o primeiro, deve esperar até o dia 26, quando Um sonho possível chega às telas brasileiras. Mas quem quiser vê-la justificando sua escolha no segundo, pode procurar nas locadoras Maluca paixão, uma dessas escolhas erradas que ela tanto fez ao longo da carreira.
  • E ainda não foi desta vez que vi Meryl Streep ganhar o Oscar... (sua última vitória foi em 1983, quando eu não assistia à premiação). Mas tudo bem: ano que vem, ela está lá de novo. Alguma dúvida?
  • Na semana passada fui ver O segredo dos seus olhos. Saí maravilhado com o novo trabalho de Juan José Campanella, de quem já conhecíamos O filho da noiva e Clube da lua. E pensei: vai ser um páreo duro com A fita branca, mas até o último momento acreditei que o ótimo filme de Michael Haneke fosse confirmar seu favoritismo. Mas quem viu ambos os trabalhos sabe que o prêmio ficou em ótimas mãos. O segredo dos seus olhos é um filme espetacular, com excelentes atuações, uma seqüência já antológica, rodada com câmera na mão, durante um jogo de futebol, e um dos finais mais dolorosos e chocantes dos últimos tempos. Merecido. E vibrei com o prêmio conquistado. É a segunda vez que a Argentina ganha o Oscar de Filme Estrangeiro. Enquanto isso, o Brasil sequer consegue emplacar um representante entre os finalistas. E vai continuar assim enquanto insistirem com produções de qualidade duvidosa, achando que só filme de violência urbana tem algum valor. Sugestão para a Ancine: ano que vem, pensem com carinho em Os famosos e os duendes da morte, de Esmir Filho. Não tem tiroteio, nem bandido, nem chacina em grandes cidades. Mas tem inteligência e criatividade. Serve?
  • Outra surpresa: a derrota da dupla Wallace e Gromit. E justamente para Logorama, em quem eu originariamente teria apostado, mas desisti, certo da força que os personagens da Aardman têm no Oscar. Mas foi justo, o filme é um primor. Esperemos por ele no Anima Mundi.
  • Muito legal a homenagem prestada aos filmes de terror. Mas alguém me explica por que a Academia pagou tributo a um gênero que ela mesma sempre desprezou? Mistério...
  • Sobre a festa. Gostei do visual do palco, despojado, mais limpo, sem aqueles penduricalhos que desviavam a atenção. Não gostei da "novidade" deste ano, de não apresentar as canções indicadas. Quem já não as tivesse escutado antes ficou sem as conhecer e sem um parâmetro de comparação. Também não sei quem teve a idéia esdrúxula de ressuscitar a antipática frase "And the winner is...", que já estava esquecida há décadas. Pior: alguns artistas anunciavam os prêmios da outra forma, "And the Oscar goes to...". Afinal, o que estava valendo? É preciso rever isso para o ano que vem.
  • Acertei 15 palpites que cravei aqui na semana passada, meu melhor desempenho em todos os tempos.
  • Para finalizar. Se a Rede Globo não tem interesse em transmitir o Oscar, devia deixar a tarefa a outra emissora aberta mais competente, como o SBT, que, todas as vezes em que exibiu a festa, sempre o fez com total brilhantismo. Minha sorte é que pude acompanhar tudo pela TNT, mas e quem não tem a mesma sorte? Pelo visto, podemos imaginar que todo cinéfilo é, antes de tudo, um BBBmaníaco e não se importa de perder grande parte da cerimônia para acompanhar os interessantíssimos debates protagonizados pelas novas sumidades da vida nacional. Oscar de Desrespeito é isso aí.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Oscar 2010 - IV

Chegou a hora! Neste domingo, serão conhecidos todos os vencedores do Oscar, o mais aguardado prêmio do cinema mundial. Depois de passar o mês inteiro comentando e analisando alguns dos indicados de maneira geral, agora vou dar meus palpites para os premiados.

FILME
Todos os prognósticos apontam para a vitória de Avatar, o filme mais rentável da história do cinema, que popularizou o sistema 3D e lançou novos rumos para o futuro da Sétima Arte. Mas a tarefa não é tão simples, pois Guerra ao terror vem na surdina colecionando prêmios e elogios. Os americanos estão encantados com um filme absolutamente comum e que, no fundo, é uma celebração do espírito belicista típico da nação, com uma mensagem estranha de que a guerra é mais importante do que a família! Enfim, a disputa está polarizada entre estes dois. Correndo por fora, vem Bastardos inglórios e o meu favorito, Preciosa, mas dificilmente um deles vai surpreender.

DIRETOR
Aqui deveremos assistir à quebra de um tabu: Kathryn Bigelow deve se tornar a primeira mulher a ganhar o Oscar da categoria (é apenas a quarta indicada da história do prêmio). Já levou o DGA, o que é sempre um termômetro confiável, e deve deixar seu ex-marido James Cameron vendo extraterrestres azuis na noite da premiação. Eu até torço por Quentin Tarantino, mesmo que Bastardos inglórios não seja o filme que lhe mereça render o Oscar.

ATOR
Jeff Bridges é uma das barbadas do ano. O único risco é o "fator Mickey Rourke" ocorrer novamente.

ATRIZ
Aqui também não tem jeito: Sandra Bullock já deve até ter ensaiado o discurso de agradecimento. Ela é o tipo de atriz carismática, que até funciona como chamariz de bilheteria, mas que nunca se espera que ganhe prêmio algum dia. Mas a Academia quer premiá-la há algum tempo, em reconhecimento por sua carreira. Verdade que está bem em Um sonho possível, mas, a meu ver, a grande atuação entre as indicadas é a de Gabourey Sidibe. Também seria legal ver Meryl Streep levar mais um Oscar para casa (ela tem dois, mas não ganha desde 1983, embora tenha sido nomeada com freqüência nos últimos anos e agora chegue à sua 16ª. indicação, um recorde que dificilmente será batido ou mesmo igualado). Enfim, Sandra é a Julia Roberts da vez.


ATOR COADJUVANTE
Christoph Waltz. E ponto final.

ATRIZ COADJUVANTE.
Mo’Nique, assustadora como a mãe desnaturada de Preciosa. No fim das contas, deve ser o único prêmio concedido ao filme. Porém, com extrema justiça.

FILME ESTRANGEIRO
Ganhador da Palma de Ouro, o estupendo A fita branca (Alemanha) elevará enfim o nome de Michael Haneke ao patamar dos grandes realizadores. A curiosidade é a presença, entre os indicados, de outro vencedor (este de Berlim), o peruano A teta assustada. Foi o único filme produzido naquele país no ano passado. Enquanto isso, o Brasil não consegue sequer escolher um filme decente para disputar uma vaga na categoria. Até quando vão continuar insistindo com a temática da violência urbana? Não temos mais nada para mostrar?

FILME DE ANIMAÇÃO
Up – altas aventuras é vitória garantida.

ROTEIRO ORIGINAL
Por já ter vencido o WGA, Guerra ao terror leva nessa categoria. Insisto: apenas porque os americanos estão cobrindo de loas este filme. Minha torcida é por Bastardos inglórios. Mas a Academia esqueceu-se de 500 dias com ela, o melhor roteiro de 2009.

ROTEIRO ADAPTADO
Amor sem escalas, também repetindo o Globo de Ouro.

DIREÇÃO DE ARTE
Primeiro dos outros prêmios técnicos que caberão a Avatar. Merecido, porque a concepção visual de Pandora é mesmo impressionante. Minha torcida é por O mundo imaginário do Dr. Parnassus, outro delírio cenográfico assinado por Terry Gilliam.

FOTOGRAFIA
Também aposto em Avatar, embora Guerra ao terror possa surpreender. Eu gostaria que ganhasse A fita branca, com seu esplêndido preto e branco.

FIGURINOS
Parece óbvio que Coco antes de Chanel seja o vitorioso nesta categoria. Porém, A jovem Vitória, o filme de época da vez, não deve ser descartado.

MAQUIAGEM
Para muitos o melhor filme de 2009, Star Trek acabou relegado apenas às categorias técnicas. E deve ganhar nesta aqui, favorecido pela estranha ausência de Avatar.

TRILHA SONORA
Outro prêmio para Up – altas aventuras. Na maior prova do prestígio alcançado por Guerra ao terror, o filme conseguiu a proeza de ser indicado na categoria sem ter trilha sonora!!!!

CANÇÃO
Basta uma audição para perceber que "Almost there" (de A princesa e o sapo) tem cara de Oscar. Mas o prêmio ficaria em boas mãos se caísse para "The weary kind", um solo poderoso e muito melancólico, que cresce absurdamente no filme Coração louco. Já "Take it all" (de Nine) peca por ser algo inconclusa.

MONTAGEM
Fico com Guerra ao terror.

EFEITOS ESPECIAIS
Alguma dúvida sobre a vitória de Avatar? Estranho a ausência de 2012, que tinha justamente nos efeitos especiais o grande trunfo de sua narrativa frouxa.

SOM
Mais um para Guerra ao terror.

EFEITOS SONOROS
Mais um para Avatar.

DOCUMENTÁRIO
The cove, sobre a matança de golfinhos, dará o toque ecologicamente correto da noite.

DOCUMENTÁRIO CURTO
Aqui começa o festival de chutes absolutos, já que pouco ou nada se sabe a respeito dos indicados desta e das categorias seguintes. Meu voto é para China’s unnatural disaster: the tears of Sichuan province. Mas é puro palpite.

CURTA-METRAGEM
O indiano Kavi vai navegar nas águas da popularidade que seu país recebe desde o ano passado.

CURTA DE ANIMAÇÃO
O francês Logorama é uma obra-prima, mas não vai ganhar, em parte por expor ao ridículo um símbolo da cultura norte-americana (Ronald Mcdonald aparece como ladrão de banco!), mas principalmente porque terá a companhia de Wallace e Gromit – um caso de miolo e morte. A dupla de massinha da Aardman é adorada em Hollywood e nunca foi derrotada no Oscar – já ganhou outras três vezes na categoria e ainda em Filme de Animação. Praticamente imbatíveis.

Ano passado acertei 13 palpites; quantos serão este ano? Aguardemos as respostas. Em virtude da urgência dos comentários sobre a premiação, a atualização do blog, na próxima semana, será feita na terça-feira.