quarta-feira, 30 de junho de 2010

Lírios d'água

Este filme foi exibido no Festival do Rio de 2006 com o título de Ninféias dentro da Mostra Gay. Na ocasião, o filme suscitou o interesse imediato dos cinéfilos mais libertinos graças à sinopse sugestiva: o despertar sexual de francesinhas de 15 anos. Ele entrou em circuito restritíssimo – apenas uma sala, e logo no Barra Point, ou seja, não era para ninguém ver mesmo – e, pelo menos por enquanto, não foi lançado em DVD. Fui assisti-lo em um Festival Varilux de Cinema Francês, tradicional mostra que acontece todos os anos por aqui.

O filme trata do assunto que consta na sinopse, e vale repetir: o despertar sexual de francesinhas de 15 anos. É isso mesmo, só que não apenas. Seria extremamente comercial e filosoficamente oco caso a história se resumisse a isso. E, sabemos, os amigos da terra de Balzac e Proust nunca se limitariam a realizar uma história se não pudessem se debruçar sobre ela e tingi-la de cores psicológicas, ainda que esmaecidas. O próprio título pode ter sido alterado quando do lançamento nos cinemas para evocar a poesia inerente à natureza do roteiro.

Não há muita originalidade na maneira como o tema é desenvolvido. O cinema francês mesmo já nos legou várias histórias semelhantes e Hollywood de vez em quando nos brinda com a mesma temática. O maior diferencial, assim, passa a ser o ponto de partida esportivo. Marie, uma adolescente desajustada, da qual nunca se vê a família (sabe-se que ela tem problemas em casa, o que é citado em uma cena, mas este detalhe não parece importar na construção do personagem nem no desenrolar da história), se sente atraída pela capitã da equipe escolar de nado sincronizado. Este é provavelmente o primeiro filme do mundo a enfocar o universo deste esporte. O que também acaba não fazendo diferença, pois poderia ser qualquer outro, até futebol – a escolha é óbvia, para que se justifique a citação do título e haja uma associação de idéias entre as ninfas e a água. O problema é que uma competição de nado sincronizado é tão bonita de se ver, e há fortes motivos estéticos para tal, quanto chato de acompanhar. Eta esporte sem emoção! Mas como serve apenas de pano de fundo, isso não atrapalha. Ao mesmo tempo em que precisa lidar com sua paixão mal-resolvida, a jovem Marie vai descobrindo as dores do crescimento, e termina se aborrecendo com sua melhor amiga, Anne, cujo comportamento infantil se choca com suas angústias afetivas – ela é gordinha, nem é especialmente bonita (lembra a ex-ginasta Luíza Parente com alguns quilos a mais), mas, mesmo assim, nutre uma paixão secreta pelo bonitão do colégio e sonha ser correspondida. Quando Marie se aproxima de Floriane (a atriz mais bonita do elenco, Adele Haenel), experimenta um turbilhão de emoções contraditórias, mas é com ela que irá descobrir seus primeiros impulsos sexuais.

Qual é o interesse em assistir a um filme que trata de um assunto já muito explorado pelo cinema, já que, à parte o aspecto esportivo, não traz nada de novo? O frescor com que a história é conduzida e a sinceridade das atuações. Há uma tensão sexual que permeia a maioria das cenas e pulsa viva em vários momentos: a masturbação entre Marie e Floriane, toda implícita, mas sugerida por olhares e expressões faciais, belamente coroada pela lágrima solitária que rola pelo rosto da segunda; o visível desconforto de Marie nas vezes em que acompanha os encontros entre Floriane e o namorado; a obsessão de Marie por Floriane, que alcança sua significação máxima na cena em que ela, após retirar um saco da lata de lixo da amada, mastiga o resto de uma maçã, tentando sentir nele o gosto da garota.

Um filme de erotismo contido, juvenil – e, talvez por isso, explosivamente sensual.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Sem reservas

Calma, o blog ainda é sobre cinema. Ao contrário do que o título da postagem sugere, não vou comentar sobre a falta de opções do Dunga no banco da Seleção Brasileira. Mas vou tratar de outro assunto igualmente insípido, sem emoção e nem um pouco entusiasmante. Mais uma das desenxabidas refilmagens que Hollywood insiste em realizar. Já escrevi uma coluna certa vez criticando essa moda que parece não passar mais em terras ianques, talvez para disfarçar a falta de criatividade geral que grassa por lá. O alvo, desta vez, é um simpático filme alemão, Simplesmente Martha, que foi exibido no Festival do Rio em 2002, entrou em cartaz no circuito alternativo, mas nunca foi descoberto como deveria, nem quando passou na televisão (mas aí se explica: a Globo escondeu o filme num Intercine qualquer, quando poderia tê-lo apresentado no Supercine, dando-lhe mais visibilidade). Mas, como está disponível em DVD, segue desde já a recomendação. Já o similar norte-americano...

A história centra-se em uma irascível chefe de cozinha (interpretada por Catherina Zeta-Jones, talvez o único atrativo do filme), que vê sua posição de estrela do restaurante onde trabalha ser ameaçada após a chegada de um outro cozinheiro, tão talentoso quanto ela. O papel é defendido de forma correta, mas sem maiores nuances, por Aaron Eckhart. Paralelamente, ela precisa tomar conta da sobrinha pré-adolescente (Abigail Breslin, a Pequena Miss Sunshine), que perdeu a mãe em um acidente de carro. Entre pratos de massa e receitas exóticas, não é difícil imaginar o que acontece na história.

Há vários erros na concepção do projeto. O primeiro, e mais óbvio, foi a refilmagem por si só. Acho impressionante a mania que os americanos têm de quererem copiar tudo que seja bom e vindo de fora, quererem fazer do jeito deles, às vezes simplificando bastante a trama, que é exatamente o que acontece aqui. No original, o novo cozinheiro era italiano, o que servia como realce ao inevitável choque intercultural. Aqui, tentam uma variação – o chefe bonachão, que canta ópera na cozinha, em oposição à chefe chata, que leva uma vida regrada e não admite ser contrariada, nem ouve reclamações do clientes, preferindo partir para o confronto quando dizem que seu bife não é mal-passado o suficiente. Mas não funciona, porque não acrescenta nada ao conflito de egos dos personagens. Também a menina é passiva demais, e sua dificuldade de adaptação a nova casa quase inexiste, há uma ou outra frase mais ácida dita por ela, mas os problemas sequer se impõem de fato. A trilha sonora, que poderia ser um ponto forte, é outro erro, já que copia rigorosamente todas as canções do filme original – nem músicas novas tiveram capacidade de criar! Pior: tratam-se de regravações, ou seja, com outro timbre, outro andamento, no que também perde na comparação com o original alemão. Lá, as músicas compõem um consistente pano de fundo para o estado de espírito dos personagens; aqui, é tudo vazio e redundante. E, como não poderia deixar de ser, o final foi também modificado, edulcorado, bem como americano gosta, destruindo de vez a força do roteiro original. Um desperdício de bons atores. Não sei como Catherina aceitou participar de um projeto tão equivocado, que não resulta em nada memorável.

Pensando bem, em termos de criatividade, até que a Seleção do Dunga apresenta mais alternativas do que o roteiro chinfrim dessa comedinha de segunda.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

A noite fantástica

Enquanto esteve sob ocupação nazista, a França produziu uma infinidade de filmes que, se não podem exatamente ser classificados como “cinema de resistência”, já que não havia neles qualquer mensagem de defesa dos valores pátrios contra o invasor estrangeiro, eram sem dúvida o típico cinema de fruição, feito para um país em guerra, cuja finalidade maior era distrair a população dos dramas reais, dando-lhe a oportunidade de sonhar e se divertir diante da tela. Nenhuma novidade nisso, já que os norte-americanos usavam igual artifício no mesmo período, caracterizado como a época de ouro dos musicais hollywoodianos. Este aqui é um bom exemplo do que se produziu naquele tempo.

Um jovem empregado de uma mercearia sonha todas as noites com uma misteriosa mulher vestida de branco. Com a recorrência, ele acaba se apaixonando por ela e, numa noite, termina por penetrar em seu próprio sonho, interagindo com os demais personagens; vai atrás dela, mas acaba vivendo uma aventura, como diz o título, fantástica. A história é narrada como se fosse de fato um sonho a que estejamos assistindo, e essa impressão é realçada pela concepção visual, por meio de cenários enevoados e uma fotografia que brinca o tempo todo com o jogo de luzes e sombras, aliás, dois elementos comuns do film noir, que também começava a ganhar força nos EUA. O futuro diretor Bernard Blier integra um eficiente elenco de nomes pouco conhecidos. É um filme com bons diálogos, engraçado e com um final apropriadamente romântico. Merecia ser conhecido do grande público.

O filme circulou por aqui há cinco anos, em uma mostra do Festival do Rio. Não existia em VHS e continua inédito em DVD.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

A redonda no retângulo

Em clima de Copa do Mundo, resolvi listar alguns filmes brasileiros que tratam de futebol. Seria de se esperar que o cinema nacional abordasse com mais freqüência o assunto. Mesmo puxando pela memória, não consegui relacionar muitas produções. Claro que a lista abaixo é incompleta, não definitiva – há filmes mais antigos que sumiram, não foram lançados em VHS nem em DVD, o que contribui para seu esquecimento. Quem quiser entrar no ritmo da Copa a partir de produções que tenham a gorduchinha como protagonista, pode experimentar alguns dos títulos a seguir.

O corintiano (66)
O bolão (70)
Asa Branca, um sonho brasileiro (81)
Treze pontos (85)
Os Trapalhões e o rei do futebol (86)
Boleiros – era uma vez o futebol (98)
Uma aventura do Zico (98)
Casseta e Planeta – a taça do mundo é nossa (03)
Garrincha – estrela solitária (05)
O casamento de Romeu e Julieta (05)
O ano em que meus pais saíram de férias (06)
Boleiros 2 – vencedores e vencidos (08)
Show de bola (09)

Curtas:
Uma história de futebol

Decisão
Rádio gogó
Unido vencerás

Se a oferta de filmes ficcionais sobre futebol é pequena, o mesmo não se observa com os documentários, um filão pródigo na cinematografia brasileira sobre o assunto.

Garrincha, alegria do povo (63)
Tostão, a fera de ouro (70)
Os subterrâneos do futebol (70)
Isto é Pelé (74)
Todos os corações do mundo (94)
Ronaldo – manual de vôo (96)
Botafogo, o Glorioso (96)
Papão de 54 (04)
Pelé eterno (05)
Ginga – a alma do futebol brasileiro (05)
O dia em que o Brasil esteve aqui (05)
A batalha dos Aflitos (06)
Gigante (07)
Heróis da nação (07)
Zico na rede (08)
1958 – o ano em que o mundo descobriu o Brasil (08)

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Todo mundo ainda perdido

Mais de uma semana depois, ainda há quem discuta o final de Lost. O tópico sobre o assunto, na comunidade oficial da série no Orkut, já conta com mais de oito mil postagens. Pena que alguns pseudo-intelectuais de última hora confundam as coisas e, convencidos de uma esperteza que nem sabem se de fato possuem, chamem de burros ou imbecis quem não entendeu o fim da série. Nem é coisa de fã exacerbado, é falta de educação mesmo. Mas evidentemente não ocuparei meu tempo com isso. Relendo a postagem da semana passada, constatei que, no fim das contas, não apresentei a minha versão dos fatos. Então, hoje, encaminho abaixo a minha interpretação.

Todos os personagens morreram na queda do avião. A ilha seria uma espécie de purgatório, onde eles precisariam expurgar seus pecados, expiar suas culpas pelos erros cometidos em suas vidas, o que é revelado pelos flashbacks da série. O fato de estarem todos mortos é reforçado por um aspecto visual e em um momento específico. No começo da quarta temporada, quando Hurley e outros encontram Zoe no meio da mata (que, depois se descobrirá, está em missão de resgate empreendida por Charles Widmore), eles se apresentam como sobreviventes da queda do vôo 815 da Oceanic, ela responde, categórica: "Não houve sobreviventes!". Além disso, embora em uma ilha, os personagens não se vestiam como náufragos, de calção ou biquíni. Todos se mantiveram trajados exatamente como estavam no momento da queda, ou permaneceram usando roupas comuns, algo impensável para alguém naquela situação. De acordo com algumas correntes do pensamento espiritual, sabe-se que, em casos de visões de espíritos de pessoas mortas, estas sempre se mostravam vestidas com as roupas que usavam quando foram enterradas, o que reforça, portanto, a impressão inicial de que, de fato, não havia sobreviventes entre o grupo de personagens.

A realidade paralela, apresentada na última temporada, foi um truque narrativo para reforçar a conclusão inicial. Nela, os personagens levavam a vida que teriam, caso não tivessem morrido no desastre. É assim que Jack cria um filho e, aparentemente, se dá bem com ele (uma forma de não repetir o abismo existente entre ele e o pai); Sawyer seria policial; Benjamin Linus, professor de curso secundário – e Alex, sua "filha" na ilha, uma de suas brilhantes alunas. E assim por diante. Essa realidade paralela foi deflagrada no momento em que Juliet explodiu a bomba de hidrogênio, no fim da quinta temporada. Aliás, Juliet, nessa nova realidade, seria a esposa de Jack, como ele deixou escapar em uma fala rápida. Uma coisa meio fora de sentido, mas tudo bem.

Isso foi o que entendi. É claro que muitas coisas continuariam sem resposta. Aí cairíamos no terreno das especulações. Há quem defenda a tese de que, com o aumento da audiência na televisão americana, e o conseqüente repuxo financeiro que veio na trilha dessa audiência, os criadores teriam sido impelidos a inventarem uma série de subtramas para garantir a assistência – ou seja, muita coisa do que se teria visto em temporadas passadas seria apenas uma forma de prolongar a história além do necessário. No fim, nada importava, nem Iniciativa Dharma, nem urso polar, nem coisa alguma. Seria uma explicação coerente, mas simplista demais.

Daria para escrever várias colunas comentando sobre isso, mas, para mim, o assunto, por ora, se esgotou. Uma coisa ninguém pode negar: Lost se tornou um marco na televisão e na cultura ocidental de maneira geral. Daqui a quinze, vinte anos, ainda haverá quem esteja discutindo seu final e tentando decifrar seus enigmas. E não é assim que uma obra-prima se pereniza no tempo? Mantendo-se viva também pelas dúvidas insolúveis que suscita? Machado de Assis já sabia disso, desde o século passado.

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Juro que nunca atinei para essa possibilidade em nenhum momento das seis temporadas de Lost. Mas depois fiquei pensando: já pensaram se David Lynch tivesse sido convidado para dirigir um episódio da série?

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Dica literária: As catilinárias, de Amelie Nothomb. Humor absurdo e cruel numa história que, a exemplo de Lost, se presta a diversas (mas não tantas) leituras. Tive vontade de adaptá-la para o cinema.