Reportagem
publicada no Segundo Caderno do jornal O Globo há algumas semanas informa sobre
a gradual extinção das videolocadoras de bairro, asfixiadas pela concorrência
de novas tecnologias, como Netflix, TV a cabo e até (principalmente?) a troca
de arquivos pela internet. Sem condições de se manterem, as lojas vão fechando
em efeito cascata e hoje são poucas as que resistem. Para elas, o futuro é uma
fita de VHS.
Acredito
que todo cinéfilo, um dia, já foi rato de locadora. Por anos, um dos meus programas
favoritos nos fins de semana foi alugar filmes, normalmente quatro por vez,
para preencher cada hora livre do sábado e do domingo. Foi ali, em meio àquelas
prateleiras multicoloridas pelas capinhas dos títulos em exposição, que forjei
muito da minha cinefilia. Comecei a desenvolver gosto pelo cinema,
ironicamente, por meio da leitura. No final dos anos 80, a Editora Abril
começou a lançar guias de vídeo, aproveitando a nova onda de lazer que surgia no
Brasil, então os videocassetes - aliás, chega a ser cruel perceber como a vida
útil de certas tecnologias foi sendo abreviada com tanta rapidez. O
videocassete chegou ao país em meados daquela década e sua popularização se deu
justamente poucos anos depois, com o surgimento também dos primeiros videoclubes.
Em pouco mais de 15 anos, já no final da década de 90, o VHS havia perdido
espaço para os então futurosos DVDs, cuja existência durou ainda menos, logo
substituídos pelo Blu-ray e sabe-se lá mais o que vem por aí.
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Escolher filmes e amolar facas já são coisa do passado. |
O
primeiro guia saiu em 1988, um livro grosso de capa vermelha, que descobri meio
por acaso na casa de uma prima em Minas Gerais, e o qual devorei em poucas
horas, anotando cada título que me interessava pela sinopse, ou simplesmente
tomando nota daqueles que vinham com a recomendação de "clássico",
"obra-prima" ou "imperdível" justaposta ao verbete. Depois,
de vota ao Rio, ia até uma pequena locadora que funcionava a poucas quadras de
onde resido e caçava os títulos aos poucos, me atualizando e me
"educando". Foi assim que vi Laranja
mecânica pela primeira vez. Foi também nessa época que vi O homem elefante, O último tango em Paris, Betty
Blue, O gabinete do Dr. Caligari,
Tempos modernos, A felicidade não se compra e muitos outros considerados
fundamentais na formação de um autêntico apreciador da Sétima Arte.
Com
o tempo, fui diversificando as locações. A cada clássico que eu punha na
cestinha, intercalava com algum filme mais moderno, podia ser até uma besteira,
uma comedinha inconseqüente, um filmeco de horror barato, para equilibrar,
afinal, não dava para ser "cabeça" demais. Fui assim misturando as
referências, tarantinando sem me dar conta, abrindo meu arco de visões sobre
cinema. São dessa época também filmes que o tempo sepultou na lembrança de quem
viu, como Pin - Uma jornada além da loucura,
Disfarce cruel, Hardware - O destruidor do futuro (que logo logo vai sair em DVD),
e outros ainda menos cotados. O que sou hoje é o resultado desses meus anos de
formação. Não deixo de assistir àquele clássico dos anos 40 que nunca tive a
chance de ver, mas também me atualizo com boa vontade com alguns lançamentos,
mesmo que dificilmente algum deles vá acrescentar alguma coisa a mim. Em certo
sentido, aquela locadora (que não existe mais, foi das primeiras a fechar aqui
no bairro) foi o meu Ateneu: por ela, conheci o mundo.
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Um dia, este lugar já foi o paraíso. |
Também
é curioso observar como, apesar de o DVD estar em um processo de morte lenta e
de o Blu-ray estar cada vez mais presente na vida dos consumidores de
audiovisual (embora eu continue achando que é mais na marra, a indústria
praticamente obriga o cidadão a trocar seu equipamento, lança edições especiais
apenas no formato etc.), os filmes neste formato ainda atraem, acho que posso
usar o termo, multidões quando são oferecidos a preços populares ou justos. Na
última segunda-feira (2/12), a Vídeo Estação, locadora do Grupo Estação e uma
das mais antigas da cidade, com quase 30 anos de existência, começou a liquidar
seu imenso e valioso acervo. O horário de atendimento já estava encurtado, com
a loja abrindo somente às 14h. No dia, por motivos pessoais, só pude chegar no
local às 16h20 e fui surpreendido com uma extensa fila na porta da locadora.
Era gente demais para entrar! E o espaço, por ser pequeno, só comportava uma
quantidade limitada de pessoas por vez, coisa entre 10 ou 12. Esperei
pacientemente na fila por uma hora e meia. Quando enfim consegui entrar, foi
meio decepcionante, porque os principais títulos já haviam sido arrematados,
claro, quem entrou primeiro se deu bem - havia um rapaz que devia ter cerca de
120 DVDs para levar! Mesmo assim, deu para trazer Incêndios, História real (do
Lynch, praticamente esgotado), a primeira edição de Fanny e Alexander (que saiu em bancas, há anos fora de catálogo), e
outros menos chamativos.
O
fechamento do Vídeo Estação é emblemático dos novos tempos a que, forçosamente,
temos de nos acostumar. Tempos em que ir à locadora da esquina já não
representa nada, porque qualquer um daqueles milhares de títulos que nos cercam
lá dentro podem ser facilmente encontrados a um clique de distância, a um custo
bastante baixo. Como cinéfilo formado nesses pequenos cineclubes individuais, é
com muita tristeza que vejo o ciclo se fechar. Como colecionador, porém,
esfrego as mãos na expectativa pelo fechamento de outra grande locadora que
resiste por aqui. Por quanto será que eles venderão o acervo?
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