Quando
esta coluna estiver entrando no ar, o Festival do Rio já vai ter começado.
Literalmente. Vários títulos em exibição estão disponíveis na rede há meses
para quem quiser procurar. Já escrevi aqui o que penso a respeito do
compartilhamento de arquivos pela internet, mas nunca é demais repetir. Uma
coisa é baixar um filme que acabou de entrar em cartaz, é deixar de ir ao
cinema para assisti-lo em casa. Outra bem diferente é ter acesso a um filme que
nunca foi lançado por aqui e dificilmente será. Não se trata de justificar o
condenável, mas de reconhecer a importância desse tipo de prática.
Acaba
sendo uma vantagem, já que abre mais o leque de filmes vistos ao longo do
evento. Além disso, com tantas falhas de organização, tanto descaso com quem
gasta dinheiro comprando os passaportes (todo ano dá algum problema), não deixa
de ser uma pequena "vingança". Afinal, se eles não se importam em
oferecer um serviço decente, também não devem reclamar se optarmos por vermos
os filmes de outra forma.
Abaixo, o que já vi antes de o festival começar.
Abaixo, o que já vi antes de o festival começar.
O
CIÚME - Garrel
filma a mesma história de amor de sempre, cozinhada em banho-maria por
personagens frágeis, que se escoram uns nos outros para disfarçar seu vazio
interior. Mais do mesmo. Nem a fotografia em preto e branco tem algum destaque.
Mas é bastante curto e, se não empolga, também não chega a aborrecer. * *
SÉTIMO
- Exercício
de suspense que funciona na maior parte do tempo, mostrando a busca desesperada
de um pai pelos filhos que desaparecem enquanto descem as escadas do prédio
onde moram. O roteiro se prolonga um pouco além do necessário e apresenta uma
explicação meio frouxa para a motivação do caso. Ricardo Darín está bem, mas
nada de excepcional. Osvaldo Santoro, que faz Rosales, é a cara do técnico
espanhol Vicente Del Bosque! * *
GOD
HELP THE GIRL -
Garota escocesa tenta superar seu desequilíbrio emocional escrevendo músicas,
artifício que a faz ter nova perspectiva de vida. Conhece um casal e tentam
formar uma banda. A dura realidade em que ela vive tem seus momentos de
escapismo nos números musicais, quase uma homenagem/referência aos anos
dourados do gênero. O problema é que o roteiro não tira o pé do concreto, não
cria delírios audiovisuais que permitam também ao espectador experimentar
aquele alívio fantasista tão comum a esse tipo de filme. Culpa, talvez, da
pouca experiência do diretor, Stuart Murdoch, líder do grupo Belle & Sebastian,
em sua estréia como realizador (não é por acaso que há tantas músicas da banda
na trilha sonora). Essa indefinição narrativa compromete uma história que tem
qualidades: locações fotogênicas, figurinos inspirados, diálogos inusitados,
alguns beirando o nonsense. Mas
Murdoch mostra certa criatividade na condução da história. As canções são muito
agradáveis, embora nenhuma seja memorável. Emily Browning (Beleza adormecida), em mais uma tentativa de mostrar versatilidade, se sai melhor cantando
do que atuando. * *
MATAR
UM HOMEM -
Revoltado com a leniência judicial, um pacato cidadão caça o arruaceiro que
ameaça sua família. Quase uma versão chilena de Desejo de matar, com a sempre questionável defesa da justiça pelas
próprias mãos como única ferramenta de equilíbrio social e solução para a
criminalidade urbana. Também notei ecos do mais recente (e igualmente latino) Depois de Lúcia, exibido há dois anos.
Seco e direto, com boa atuação de Daniel Candía, cujo protagonista vai se
brutalizando aos poucos por força das necessidades. Baseado em fatos reais, o
que torna tudo mais assustador. * * *
JORNADA
AO OESTE -
Poema visual assinado por Tsai Ming Liang, que nunca foi um diretor fácil e
aqui testa todos os limites da platéia. O close inicial em um Denis Lavant
estático, por exemplo, dura quase sete minutos. Como o público do cinema vai reagir a
isso? Em ritmo lento e com imagens contemplativas, opondo os aspectos
espiritual e físico do mundo atual, convida o espectador a refletir sobre a
condição humana na sociedade contemporânea. Belo e com simbolismos visuais poderosos.
Mas tem pinta de ser o maior espantalho do festival. * * *
BELLE
E SEBASTIEN -
Belle é uma cadela vira-lata adotada pelo menino Sebastien. A ação transcorre
nos Alpes franceses em julho de 1943, época da II Guerra Mundial e do avanço
nazista na região. Mais um produto do subgênero "menino-e-bichinho",
tem locações deslumbrantes, mas um roteiro que não consegue definir seu
público: é aborrecido para os adultos e um tanto pesado para as crianças.
Bonita a canção-tema e boa presença do veterano Tchéky Karyo, como o avô. * *
IDA
-
Mais uma pequena surpresa vinda da Polônia, país cuja filmografia recente tem
se mostrado muito interessante e que merece atenção. Com um rigor narrativo
absurdo, apresenta um bom debate entre fé e vida mundana, mas oferece algumas
propostas visuais estranhas, com personagens escondidos na parte inferior da
tela ou cortados da cena. * * *
FRANK
-
Jovem consegue vaga de tecladista em uma banda obscura, cujo líder usa uma
cabeça falsa (!), a qual nunca tira (!!). Humor absurdo e boas piadas que
satirizam o universo musical, com o misterioso Frank (defendido por Michael Fassbender) sintetizando todas as
excentricidades comuns aos astros do pop e rock. Mas o roteiro tem contornos sombrios e,
por vezes, perturbadores. Quem superar a estranheza da situação central vai se
divertir. * * *
COLD
IN JULY (que
antipatia desses títulos não traduzidos!) - Apesar de o roteiro seguir
fielmente a cartilha de um bom policial, com minúcias investigativas,
reviravoltas e pistas falsas, a história nunca chega a envolver o espectador.
Também prejudicado por um final fraco. A sina de Michael C. Hall (o eterno
Dexter) parece que é mesmo matar! * *