quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Reflexos da inocência

O menino no espelho (2013)
Este era o filme brasileiro mais aguardado por mim este ano. Mesmo assim, fui ver O menino no espelho já temendo um desastre. Não é difícil adaptar Fernando Sabino, mas quando a gente gosta muito de um autor ou de uma obra, fica por natural excessivamente crítico em relação a qualquer adaptação que se faça. E tive uma surpresa.

O filme me agradou bastante, em que pese algumas liberdades narrativas tomadas pelo diretor Guilherme Fiúza Zenha (o último nome deve ter sido assumido para diferenciar do jornalista homônimo), mineiro como Fernando. Ele não levou o livro ao pé da letra, mas soube extrair a essência da história e criou uma obra capaz de dialogar com o texto, de certa forma ampliando o universo imaginado pelo escritor.

O romance é uma recriação ficcional da infância do autor, vivida na então pequena Belo Horizonte do começo dos anos 30. Nele, Sabino relembra fatos verdadeiros de seus tempos de menino, mas temperados com fartas doses de fantasia e imaginação, concedendo-lhes uma certa aura de aventura tão típica do universo infantil. O roteiro, escrito em parceria por Zenha, Cristiano Abud e André Carreira, abandona a estrutura episódica do texto e prefere apostar em uma narrativa mais linear. Funciona, embora o filme deixe no fim a impressão de estar algo incompleto, de que alguma coisa ficou de fora ou terminou sem solução.

Maluquinho é o outro! Favor não confundir.
Um dos grandes acertos do projeto foi a escalação de Lino Facioli no papel principal. Talentoso, o menino atua de forma bastante espontânea, interpretando uma criança de verdade, não um pequeno adulto como costumamos ver no cinema recente. Ele foi descoberto na série Game of Thrones, na qual interpreta o papel de Robin Arryn; tem alguns curtas em seu ainda pequeno currículo e esta é sua estréia em uma produção nacional, com grande potencial de fazer uma bela carreira, tanto aqui quanto lá fora mora em Londres há dez anos (está com 14). Aliás, todo o elenco infantil é muito bom, conseguindo uma química fundamental para que a história não só caminhe bem, mas também agrade ao público adulto, que se diverte com as estripulias da turminha sem se cansar ou se aborrecer.

Já o elenco adulto parece estar apenas enchendo cota, porque tem muito pouco a fazer. Mateus Solano e Regiane Alves são os pais do menino e em nada interferem no andamento, mal ocupam espaço na tela. Ele ainda tem algumas cenas em que transmite sua autoridade paterna em discursos moralizantes, mas Regiane, coitada, mal tem falas, um desperdício! Ricardo Blat é o oficial Pepe Vieira, chefe do núcleo local dos integralistas o roteiro cria boas piadas com o movimento, que infelizmente passarão despercebidas por grande parte do público, afinal, quem hoje se lembra ou sabe o que foi o Integralismo?

Quem não sonharia com uma prima assim?
Boa presença também de Laura Neiva, a prima adolescente que chega de São Paulo para passar uns dias com os tios. É ela quem inicia Fernando na arte do cinema, primeiro burlando a vigilância para assistirem a O anjo azul, que era proibido para crianças, e depois levando-o para ver Maridinho de luxo, ótima e esquecida comédia nacional dirigida por Luiz de Barros. Também é dela a cena mais bonita do filme. Depois de verem o clássico drama de Sternberg, ela aparece em um sonho do menino imitando Marlene Dietrich, uma visão equilibrada entre a poesia de uma admiração inocente e os primeiros impulsos sexuais.

Faço ressalvas quanto ao som. Deficiente, muito baixo, praticamente inaudível em algumas cenas, prejudicando a audição dos diálogos. Felizmente, o filme não precisa de muita conversa para ser compreendido em sua totalidade, e nenhum segredo fundamental se perde nessas horas. Essa falha é compensada pela boa recriação de época (locações em Cataguases, que ainda conserva traços urbanísticos próximos à BH dos anos 30), com destaque também para a cenografia de todos os ambientes.

Normalmente sou chato para adaptações literárias; esta, porém, credito como uma das melhores. Ao contrário de O grande mentecapto, O menino no espelho faz justiça à obra original e promove mudanças que a valorizam, em vez de subtrair sua força essencial. Um belo tributo à memória de Fernando Sabino.

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