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O menino no espelho (2013) |
Este era o filme brasileiro mais aguardado por mim este ano. Mesmo assim, fui ver O menino no espelho já temendo um
desastre. Não é difícil adaptar Fernando Sabino, mas quando a gente gosta muito
de um autor ou de uma obra, fica por natural excessivamente crítico em relação
a qualquer adaptação que se faça. E tive uma surpresa.
O
filme me agradou bastante, em que pese algumas liberdades narrativas tomadas
pelo diretor Guilherme Fiúza Zenha (o último nome deve ter sido assumido para
diferenciar do jornalista homônimo), mineiro como Fernando. Ele não levou o livro
ao pé da letra, mas soube extrair a essência da história e criou uma obra capaz
de dialogar com o texto, de certa forma ampliando o universo imaginado pelo
escritor.
O
romance é uma recriação ficcional da infância do autor, vivida na então pequena
Belo Horizonte do começo dos anos 30. Nele, Sabino relembra fatos verdadeiros
de seus tempos de menino, mas temperados com fartas doses de fantasia e
imaginação, concedendo-lhes uma certa aura de aventura tão típica do universo
infantil. O roteiro, escrito em parceria por Zenha, Cristiano Abud e André
Carreira, abandona a estrutura episódica do texto e prefere apostar em uma
narrativa mais linear. Funciona, embora o filme deixe no fim a impressão de
estar algo incompleto, de que alguma coisa ficou de fora ou terminou sem
solução.
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Maluquinho é o outro! Favor não confundir. |
Um
dos grandes acertos do projeto foi a escalação de Lino Facioli no papel
principal. Talentoso, o menino atua de forma bastante espontânea, interpretando
uma criança de verdade, não um pequeno adulto como costumamos ver no cinema
recente. Ele foi descoberto na série Game
of Thrones, na qual interpreta o papel de Robin Arryn; tem alguns curtas em
seu ainda pequeno currículo e esta é sua estréia em uma produção nacional, com
grande potencial de fazer uma bela carreira, tanto aqui quanto lá fora – mora em Londres há dez anos (está com 14). Aliás,
todo o elenco infantil é muito bom, conseguindo uma química fundamental para
que a história não só caminhe bem, mas também agrade ao público adulto, que se
diverte com as estripulias da turminha sem se cansar ou se aborrecer.
Já
o elenco adulto parece estar apenas enchendo cota, porque tem muito pouco a
fazer. Mateus Solano e Regiane Alves são os pais do menino e em nada interferem
no andamento, mal ocupam espaço na tela. Ele ainda tem algumas cenas em que
transmite sua autoridade paterna em discursos moralizantes, mas Regiane,
coitada, mal tem falas, um desperdício! Ricardo Blat é o oficial Pepe Vieira,
chefe do núcleo local dos integralistas – o roteiro cria
boas piadas com o movimento, que infelizmente passarão despercebidas por grande
parte do público, afinal, quem hoje se lembra ou sabe o que foi o Integralismo?
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Quem não sonharia com uma prima assim? |
Boa
presença também de Laura Neiva, a prima adolescente que chega de São Paulo para
passar uns dias com os tios. É ela quem inicia Fernando na arte do cinema,
primeiro burlando a vigilância para assistirem a O anjo azul, que era proibido para crianças, e depois levando-o
para ver Maridinho de luxo, ótima e
esquecida comédia nacional dirigida por Luiz de Barros. Também é dela a cena
mais bonita do filme. Depois de verem o clássico drama de Sternberg, ela
aparece em um sonho do menino imitando Marlene Dietrich, uma visão equilibrada
entre a poesia de uma admiração inocente e os primeiros impulsos sexuais.
Faço
ressalvas quanto ao som. Deficiente, muito baixo, praticamente inaudível em
algumas cenas, prejudicando a audição dos diálogos. Felizmente, o filme não
precisa de muita conversa para ser compreendido em sua totalidade, e nenhum
segredo fundamental se perde nessas horas. Essa falha é compensada pela boa
recriação de época (locações em Cataguases, que ainda conserva traços urbanísticos próximos à BH dos anos 30), com destaque também para a cenografia de todos os
ambientes.
Normalmente sou chato para adaptações literárias; esta, porém, credito como uma das melhores. Ao contrário de O grande mentecapto, O
menino no espelho faz justiça à obra original e promove mudanças que a
valorizam, em vez de subtrair sua força essencial. Um belo tributo à memória de
Fernando Sabino.
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