quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Fast Fritas - O amor é um sonho

A NOITE FANTÁSTICA
(La nuit fantastique)
França, 1942, 103 minutos. Direção de Marcel L'Herbier. Com: Fernand Gravey, Micheline Presle, Saturnin Fabre, Charles Granval, Bernard Blier, Marcel Levesque.
Sinopse: Jovem empregado de uma mercearia sonha todas as noites com uma misteriosa mulher de branco; apaixona-se por ela e termina entrando no próprio sonho.
Comentários: Enquanto esteve sob ocupação nazista, a França produziu uma infinidade de filmes que, se não podem exatamente ser classificados como “cinema de resistência”, já que não havia neles qualquer mensagem de defesa dos valores pátrios contra o invasor estrangeiro, eram sem dúvida o típico cinema de fruição, feito para um país em guerra, cuja finalidade maior era distrair a população dos dramas reais, dando-lhe a oportunidade de sonhar e se divertir diante da tela. Nenhuma novidade nisso, já que os norte-americanos usavam igual artifício no mesmo período, a época de ouro dos musicais hollywoodianos.
Este aqui é um bom exemplar do que se produziu naquele tempo em terras européias. Denis é um jovem empregado de uma mercearia que se apaixona pela dama que aparece de forma recorrente em seus sonhos, invade o próprio universo onírico e vai se encontrar com ela, uma idéia que pode ter servido de inspiração a Woody Allen anos depois, quando rodou A rosa púrpura do Cairo, com a diferença de que lá a história tinha como ponto de partida o cinema. Depois que entra no próprio sonho, Denis passa a interagir com os demais personagens e acaba vivendo uma aventura, como diz o título, fantástica.
A história é narrada como se fosse de fato um sonho a que estejamos assistindo, e essa impressão é realçada pela concepção visual, por meio de cenários enevoados e uma fotografia que brinca o tempo todo com o jogo de luzes e sombras, aliás, dois elementos comuns do filme noir, que também começava a ganhar força nos EUA.
O elenco é eficiente, mas composto de nomes pouco conhecidos, exceção talvez para Bernard Blier, que se tornaria razoavelmente famoso graças à sua prolífica carreira de quase 200 filmes (morreu em 1989), alguns muito festejados, como A grande guerra (1959), Loiro alto de sapato preto (1972), Meus caros amigos (1975) e Coquetel de assassinos (1979). Destaque também para Micheline Presle, a dama sonhada, ainda na ativa aos 92 anos, com mais de 180 créditos na carreira. É um filme com bons diálogos, engraçado e com um final apropriadamente romântico. Merecia ser conhecido do grande público. E de alguma distribuidora de DVD, que nunca o descobriu.

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O CineComFritas entra em recesso a partir de hoje. Estarei de volta dia 8 de janeiro, com as aguardadas listas dos melhores e piores filmes de 2014. Até lá!

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Respiração artificial

Apnéia (2014)
Desde que foi reaberto, em 2011, o pequeno e simpático Cine Jóia, em Copacabana, vem se firmando como uma das salas mais interessantes da cidade. Com programação alternativa, apresenta filmes normalmente desprezados pelo circuito, além de lançar títulos exclusivos e resgatar outros antigos, exibidos em Festivais do Rio de priscas eras (ou nem tanto). De uns tempos para cá, o horário também se tornou alternativo, com as sessões começando as 10h da manhã! Às quais devem atrair um público de aposentados ou de pessoas que, como eu, têm a sorte de poder trabalhar em casa e escolher seus horários de descanso sem prejuízo profissional.

E foi numa dessas sessões alternativas, não às 10h, mas às 12h10, que fui conferir Apnéia (o título oficial não tem o acento, já que o Acordinho mandou, tá mandado, mas comigo não!), drama dirigido por Maurício Eça, que já havia passado pelo mesmo Jóia pouco tempo antes e voltou depois à grade da sala outra característica do cinema, trazer de volta produções que foram pouco vistas num primeiro momento. Com apenas sete pessoas na sessão, sendo seis mulheres, foi mais fácil me concentrar na história, livre de conversinhas paralelas e, aleluia!, brilho de visores de celular.

O foco é Cris (Marisol Ribeiro), estudante de Artes Plásticas, que sofre de apnéia, a interrupção do fluxo respiratório durante o sono e que pode, evidentemente, levar à morte. Assim, passa o dia em estado constante de sonolência e se arrasta para as aulas. Pouco afeita à rotina acadêmica, Cris prefere se afundar nas inúmeras carreiras de cocaína que preenchem seu tempo. Num dos intervalos de aula, conhece Júlia (Thaila Ayala), da turma de Design. Tornam-se amigas inseparáveis e, juntas à Giovana (Marjorie Estiano), passam a freqüentar as baladas mais loucas de São Paulo, flertando com a alta prostituição, a ponto de serem confundidas com profissionais do ramo. Tudo é muito divertido, mas as meninas atingirão uma situação-limite da qual não é possível retornar.

Fumar, cheirar, comprar. Ê, vida boa!
Não há muita novidade no tratamento conferido ao tema. Em alguns momentos, cheguei a pensar que estava assistindo a um episódio da série O negócio tratando da adolescência das, hum, funcionárias da Oceano Azul. Há muita droga, muita bebida, muito consumo de tabaco praticamente todas as cenas têm um personagem fumando ou empunhando um cigarro. Naturalmente, também há nudez, discreta e pouco erótica. Curiosamente, o retrato mais eficiente é o da personagem Júlia: filha de um empresário riquíssimo, sempre ausente, que mora em um luxuoso apartamento na Zona Sul paulista, fica claro que se arrasta para aquele mundo de devassidão movida por seu vazio interior; parece ser o mal de gente rica que vive à toa. De Cris, só se sabe o que se vê. Ou seja, tanto pode ser uma patricinha desesperada por novas emoções ou por uma vida de risco quanto uma jovem inconseqüente querendo viver ao máximo.

O roteiro enreda as três protagonistas em uma espiral de tragédias que vão se sucedendo, tratando de temas caros ao universo feminino: traição amorosa, pais ausentes, construção de identidades sociais, gravidez indesejada. Tudo atinge um ápice dramático que, no entanto, é resolvido de forma reducionista e conservadora no final. A última cena, aliás, oferece uma ambigüidade interpretativa, embora os elementos visuais não deixem muita dúvida de que é aquilo mesmo. Ou será que não? No fim, a simbologia da apnéia para representar o universo e o trajeto da vida de Cris acaba se revelando muito acertada. Seu risco de morte não se restringe ao prolema durante o sono; sua vida inteira é uma interminável suspensão da normalidade.  

Confessa, nós somos de parar a respiração, né?
Marisol Ribeiro parece mesmo estar tão drogada quanto sua personagem, o que poderia ser um elogio, considerando o papel, mas não é. Sua atuação é acima do tom. Não dá para sentir pena da sua Cris, nem antipatia, nem nada é só uma jovem perdida sem rumo na vida. Thaila acompanha a colega, exagerada nas caras e bocas. Só Marjorie consegue imprimir um mínimo de normalidade à sua personagem, não por acaso, a única cujos problemas internos parecem não ser tão complicados.

Maurício Eça tem larga experiência em videoclipes, tendo dirigido cerca de 120 deles, o que o torna o recordista do formato no país, segundo a MTV. Por isso, muitas imagens de Apnéia guardam semelhanças com esta estética musical. Esta é sua estréia na condução de um longa-metragem; antes, havia assinado dois curtas e codirigido um documentário, Universo paralelo (2004), exibido no É Tudo Verdade.