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Apnéia (2014) |
Desde
que foi reaberto, em 2011, o pequeno e simpático Cine Jóia, em Copacabana, vem
se firmando como uma das salas mais interessantes da cidade. Com programação
alternativa, apresenta filmes normalmente desprezados pelo circuito, além de
lançar títulos exclusivos e resgatar outros antigos, exibidos em Festivais do
Rio de priscas eras (ou nem tanto). De uns tempos para cá, o horário também se
tornou alternativo, com as sessões começando as 10h da manhã! Às quais devem atrair um público de aposentados ou de pessoas que, como eu, têm a sorte de poder
trabalhar em casa e escolher seus horários de descanso sem prejuízo
profissional.
E
foi numa dessas sessões alternativas, não às 10h, mas às 12h10, que fui
conferir Apnéia (o título oficial não
tem o acento, já que o Acordinho mandou, tá mandado, mas comigo não!), drama
dirigido por Maurício Eça, que já havia passado pelo mesmo Jóia pouco tempo
antes e voltou depois à grade da sala – outra
característica do cinema, trazer de volta produções que foram pouco vistas num primeiro
momento. Com apenas sete pessoas na sessão, sendo seis mulheres, foi mais fácil
me concentrar na história, livre de conversinhas paralelas e, aleluia!, brilho
de visores de celular.
O
foco é Cris (Marisol Ribeiro), estudante de Artes Plásticas, que sofre de apnéia, a interrupção do fluxo respiratório durante o
sono e que pode, evidentemente, levar à morte. Assim, passa o dia em estado constante de sonolência e se arrasta para as aulas. Pouco afeita à rotina acadêmica,
Cris prefere se afundar nas inúmeras carreiras de cocaína que preenchem seu
tempo. Num dos intervalos de aula, conhece Júlia (Thaila Ayala), da turma de
Design. Tornam-se amigas inseparáveis e, juntas à Giovana (Marjorie Estiano),
passam a freqüentar as baladas mais loucas de São Paulo, flertando com a alta
prostituição, a ponto de serem confundidas com profissionais do ramo. Tudo é
muito divertido, mas as meninas atingirão uma situação-limite da qual não é
possível retornar.
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Fumar, cheirar, comprar. Ê, vida boa! |
Não
há muita novidade no tratamento conferido ao tema. Em alguns momentos, cheguei
a pensar que estava assistindo a um episódio da série O negócio tratando da adolescência das, hum, funcionárias da Oceano
Azul. Há muita droga, muita bebida, muito consumo de tabaco – praticamente todas as cenas têm um personagem
fumando ou empunhando um cigarro. Naturalmente, também há nudez, discreta e
pouco erótica. Curiosamente, o retrato mais eficiente é o da personagem Júlia:
filha de um empresário riquíssimo, sempre ausente, que mora em um luxuoso
apartamento na Zona Sul paulista, fica claro que se arrasta para aquele mundo
de devassidão movida por seu vazio interior; parece ser o mal de gente rica que
vive à toa. De Cris, só se sabe o que se vê. Ou seja, tanto pode ser uma
patricinha desesperada por novas emoções ou por uma vida de risco quanto uma
jovem inconseqüente querendo viver ao máximo.
O
roteiro enreda as três protagonistas em uma espiral de tragédias que vão se
sucedendo, tratando de temas caros ao universo feminino: traição amorosa, pais
ausentes, construção de identidades sociais, gravidez indesejada. Tudo atinge
um ápice dramático que, no entanto, é resolvido de forma reducionista e
conservadora no final. A última cena, aliás, oferece uma ambigüidade
interpretativa, embora os elementos visuais não deixem muita dúvida de que é
aquilo mesmo. Ou será que não? No fim, a simbologia da apnéia para representar
o universo e o trajeto da vida de Cris acaba se revelando muito acertada. Seu risco de morte não se restringe ao prolema durante o sono; sua vida inteira é uma interminável suspensão da normalidade.
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Confessa, nós somos de parar a respiração, né? |
Marisol
Ribeiro parece mesmo estar tão drogada quanto sua personagem, o que poderia ser
um elogio, considerando o papel, mas não é. Sua atuação é acima do tom. Não dá
para sentir pena da sua Cris, nem antipatia, nem nada – é só uma jovem perdida sem rumo na vida. Thaila
acompanha a colega, exagerada nas caras e bocas. Só Marjorie consegue imprimir
um mínimo de normalidade à sua personagem, não por acaso, a única cujos
problemas internos parecem não ser tão complicados.
Maurício
Eça tem larga experiência em videoclipes, tendo dirigido cerca de 120 deles, o
que o torna o recordista do formato no país, segundo a MTV. Por isso, muitas
imagens de Apnéia guardam semelhanças
com esta estética musical. Esta é sua estréia na condução de um longa-metragem;
antes, havia assinado dois curtas e codirigido um documentário, Universo paralelo (2004), exibido no É
Tudo Verdade.
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