quarta-feira, 26 de maio de 2010

Perdidos para sempre

Chegou ao fim no domingo (nos EUA; aqui no Brasil, ontem) a série mais influente e comentada dos últimos anos. Após seis emocionantes temporadas, todos (ou quase todos) os mistérios de Lost foram revelados. Todas as teorias foram desfeitas. Todas as especulações caíram por terra ante as explicações que motivavam os personagens. E agora? Agora, é encarar o mundo sem Lost.

A série não apenas entrou para a história da televisão como uma das mais bem sucedidas de todos os tempos. Foi um verdadeiro divisor de águas no universo das telesséries, introduzindo diversos elementos que, aos poucos, foram se tornando regulares em outras produções do gênero. O clima constante de mistério, por exemplo, e as inúmeras variações em torno do que seria ou representaria a ilha em que os personagens ficaram confinados se transformaram em ícones da criatividade, frutos da mente de J.J.Abrahms, hoje um reconhecido criador de histórias, já se aventurando pelo cinema (é dele o roteiro de Missão impossível III). Graças a essa fartura de idéias, a série conseguiu evitar um problema comum às produções similares: a repetição de temas. Cada novo episódio trazia uma informação diferente, que completava o que havia sido visto antes, ou, em muitos casos, ao contrário, negava o que já se dissera e lançava dados novos, que ajudavam a compreender a história como um todo. É verdade que houve um momento, entre a terceira e a quarta temporadas, em que cheguei a me cansar com tanta indefinição, a trama avançava e parecia não caminhar para lugar algum. Novos personagens surgiam, novos mistérios eram propostos – e resposta, que é bom, nada! Mas não se acompanha uma série como Lost apenas até a metade. Quem começou a assistir ia querer saber o que viria depois.

Lost foi a série que me apresentou ao universo das séries. Antes, eu não me ligava e nem fazia idéia de como era a estrutura do gênero – certo, houve Twin Peaks muitos anos atrás, mas, na época, eu não tinha noção de muita coisa. Acompanhei Lost desde o pioneiro episódio piloto, apresentado pela Globo no verão de 2006, numa sessão especial do Domingo Maior – há anos a emissora não promovia tanto uma produção estrangeira. Foram três anos varando as madrugadas para assistir aos capítulos na tevê aberta, sempre no começo do ano. Depois, migrei para a TV a cabo, onde pude seguir as seguintes três temporadas. Por conta própria, eu tentava desvendar os mistérios da ilha, e de propósito evitava ler sobre a série na internet, com medo de que vazasse alguma informação relevante e as surpresas acabassem. Ou seja, fui e sou uma espécie de “fã torto”, já que não queria saber das revelações antes da hora. Uma de minhas teorias, de certa forma, provou-se acertada: a ilha era um local em que as pessoas expurgavam seus pecados para que se transformassem em seres humanos melhores, sempre depois de superarem algum desafio pessoal. Muitas outras ficaram pelo caminho. Apesar de a cena final comprovar minha teoria inicial, a que formulei desde a primeira cena do episódio piloto.

O elenco da série foi um achado. Dificilmente conseguiremos olhar para os mesmos atores sem relacioná-los aos personagens interpretados na ilha. Matthew Fox já faz carreira no cinema (esteve em Ponto de vista, Speed Racer e Somos Marshall), mas alguém não verá o Dr. Jack Shephard quando vir o ator na tela? Michael Emerson se livrará da sombra de Benjamin Linus, por mais novos vilões que venha a interpretar? O gordo e bonachão Jorge García, talvez o mais simpático da turma, está marcado para sempre como o inesquecível Hugo Reyes. E o veterano Terry O’Quinn encontrou, com o seu enigmático John Locke – que, desde o começo, sempre me pareceu ser aquele com a ligação mais estreita com a ilha, o verdadeiro depositário de todos os segredos do lugar – , o papel de sua vida, o marco de uma carreira que, até então, se arrastava na obscuridade. Até então, seu personagem mais lembrado era o psicopata de um pequeno e modesto filme, O padrasto, que alcançou relativo sucesso no mercado de home vídeo no final dos anos 80. E muitos outros nomes que se tornaram mais conhecidos a partir de sua participação na série: Emilie de Ravin, Ian Somerhalder, Evangeline Lilly (que fez ponta em Guerra ao terror), Naveen Andrews. Repare que você pode encontrá-los em alguma produção, às vezes com certo destaque, lançada de 2004 para cá.

O jeito, agora, é adquirir todos os boxes da série e rever Lost com calma, fazendo anotações, atentando para detalhes que escaparam à primeira vista, e tentar não encaixar o quebra-cabeças que enfim foi montado, mas descobrir novos elementos filosóficos que compuseram o enredo da série.
Não sei quanto a vocês. Eu já estou com saudades. E agora, como ficam os meus começos de ano?

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Bitch slap

Os fãs de cinema extremo que assistem ou baixam filmes pela internet certamente já conhecem essa pérola da mediocridade cinematográfica. Run! Bitch run! (na tradução livre, “Corra, sua piranha, corra!”), de tão ruim, tem até um título alternativo, Bitch slap, como muitas vezes convém a um produto descartável que não se pretende mesmo levar a sério, mas nem um nem outro é capaz de redimi-lo de tamanha ruindade.

O rascunho de roteiro apresenta duas jovens estudantes de colégio religioso, a loura e recatada Catherine (Cheryl Lyone) e a morena e espevitada Rebecca (Christina Derosa), que resolvem sair por uma pequena cidade do interior dos EUA vendendo bíblias de porta em porta, mas são sistematicamente rechaçadas pelos moradores. Até que chegam a Moseley, onde quem dá as cartas é o alucinado Lobo, uma versão local do chefe miliciano. Corroído de drogas, ele acabou de assassinar uma das prostitutas que agencia. As duas, então, são seqüestradas por Lobo, estupradas e, depois, Rebecca ainda morre numa brincadeira de roleta russa promovida pela namorada do chefão, Marla (Ivet Corvea). Mas Catherine escapa, traumatizada, sendo internada no hospital de uma cidade próxima. Foge da internação e volta a Moseley em busca de vingança. Mas mesmo seu fim será trágico.

Tive o trabalho de resumir a história apenas por força do hábito. O encadeamento das ações é altamente previsível, desde o primeiro fotograma, e, ao contrário do que sugerem os minutos iniciais, nem há tanto erotismo. Aliás, parece que a proposta era se fazer uma versão ultra-alternativa do que Quentin Tarantino consagrou nos últimos anos, ou seja, aquela violência estilizada, escrachada, em tom pop, mas sempre com bom humor, o que não há aqui. Não pode nem mesmo ser considerado trash porque estes, em geral, costumam ser divertidos, ri-se da precariedade da produção, do nível de atuação do elenco, enfim, convida o espectador a entrar no espírito de farra. Aqui impera a boçalidade em todos os níveis, e se a idéia de diversão que o diretor Joseph Guzmán tem é essa, torna-se ainda mais complicado porque podemos estar diante de um caso patológico de sociopatia travestida de entretenimento.

É claro que ninguém deve procurar qualquer invocação psicanalítica no filme, que não se presta a qualquer leitura: é só a grossura pela grossura, sem conseqüência e sem limites. O tema da mocinha que desperta para a vida após ser vítima de um choque traumático só funciona como estopim de um festival de barbaridades, sem nenhum sentido moral. Confesso que nem o achei assim tão ofensivo, repulsivo, mesmo com várias cenas chocantes – o assassinato da prostituta, o estupro de Catherine, o esfaqueamento de um pervertido por ela ao retornar à cidade que, não satisfeita, ainda lhe arranca os olhos. Mas tudo isso é mostrado com um certo distanciamento, mal se vê direito o que acontece porque a câmera tem a percepção de evitar closes explícitos. E a maquiagem é péssima, muito mal-feita, evidenciando as falhas de realização, o que compromete mais ainda o resultado.

A escalada de sadismo segue num crescendo até o clímax, que não poderia ser outro – e não há prejuízo algum em revelá-lo aqui: Catherine esfaqueia Lobo várias vezes... no ânus. É um desfecho mais do que adequado a essa aberração. Aliás, todo o filme é feio, a cenografia, a fotografia suja, a música absurdamente neutra, que não marca nem sustenta cena alguma. As mulheres até se esforçam, mas não conseguem sequer fingir que são sensuais – Christina Derosa é a mais interessante, mas termina desperdiçada, morrendo logo. O elenco é totalmente desconhecido, e ninguém fez nada de importante além dessa bomba.

Por mais que eu goste de descobrir filmes alternativos, não dá para recomendar um produto tão ruim, burro, grosseiro, mal-feito, mal-acabado, que promove de maneira tão irresponsável o desvirtuamento moral da sociedade. Se é uma brincadeira, é de péssimo gosto. Um desses filmes que ficam melhor na obscuridade, sem o reconhecimento do público médio.


quarta-feira, 12 de maio de 2010

Duas rapidinhas

A ERA DO GELO 3 – Dirigida pelo brasileiro Carlos Saldanha, esta terceira aventura dos amigos Syd, Manny e Diego foi campeã de bilheteria no país, com mais de inacreditáveis 6 milhões de espectadores. Só mesmo o atrativo de ter um cineasta patrício por trás do projeto e o carisma dos personagens podem explicar tamanha resposta popular. É verdade que a técnica de animação chegou a um nível excepcional, sobretudo nos detalhes (visualmente, é o mais bem sucedido da série). Nesse sentido, tinha tudo para se tornar verdadeiramente memorável. Infelizmente, o roteiro é muito fraco e não acompanha a qualidade da animação. Aqui, a trama praticamente se esgota nos primeiros 20 minutos de filme. Nesse tempo, acompanhamos o mamute Manny às portas de se tornar pai, já que sua companheira Elly (com quem se casou no final do episódio anterior) está grávida. Isso faz com que os instintos paternais de Syd sejam despertados, e ganham força quando ele encontra três ovos de dinossauro em um ninho aparentemente abandonado. Mas é claro que a mãe biológica vai atrás para resgatar seus filhotes. Daí para diante, acabou-se a história e o que se vê então é uma série de peripécias vividas pelos bichos, com ênfase maior em Syd e Manny, enquanto o tigre Diego pouco tem a fazer e é quase relegado a um constrangedor segundo plano. Como não há mais a contar, o jeito é inventar várias aventuras que vão se encadeando para preencher a metragem, que nem é longa, pouco mais de 80 minutos. O filme só não desanda completamente graças à altíssima qualidade da animação e às boas piadas, tanto verbais (prefira a versão dublada, que é muito competente, com inflexões vocais engraçadas de Diego Vilela e Tadeu Mello) quanto visuais. São esses elementos que garantem o interesse da platéia até o final – é claro que estou me referindo ao público adulto, já que criança, em geral, não presta atenção nessas coisas e certamente vai se divertir bastante com o ritmo frenético da narrativa, e provavelmente também não perceberá algumas piadinhas mais pesadas (mas inofensivas). No final, termina sendo divertido, mas poderia ser muito mais que isso. Ao que parece, o sucesso da fita rendeu fôlego para uma quarta parte, já em produção, e também com direção de Saldanha.

NEW YORK, NEW YORK – Este é considerado o filme mais fraco da carreira de Scorsese, feito num período pessoal difícil do cineasta, então afundado nas drogas. O resultado parece saltar na tela. Não recebeu maior reconhecimento nem muita repercussão, e mesmo a música-tema terminou esquecida, só se tornando sucesso anos depois, quando Frank Sinatra resolveu gravá-la. Ou seja, tudo indicava que o filme ficaria relegado ao esquecimento, sendo apenas mera curiosidade cinematográfica, salvo de inglório destino com seu lançamento posterior em DVD. Tinha originalmente quatro horas de duração, finalmente reduzidas para duas horas e quarenta e três minutos. Conta a desinteressante história de um casal, ela uma jovem cantora em ascensão, ele um saxofonista talentoso, mas encrenqueiro. Juntos formam uma dupla que explode nos teatros e na cena musical de Nova York nos anos 40, após a II Guerra Mundial. Liza Minnelli, casada com Scorsese na época, capitaliza a fama alcançada anos antes por Cabaret. Vale conferir mais um grande desempenho de Robert De Niro, nos tempos em que ainda esbanjava talento – como todo mundo sabe, o ator não existe mais, hoje é só uma carcaça envelhecida que se arrasta indiferente em produções de segunda classe. Mas aqui estava em plena forma. O roteiro descosturado não consegue envolver o espectador e ainda comete o erro de desperdiçar o final, prolongando-se após o clímax.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Mr. Lonely

Exibido no Festival do Rio de 2007, este filme chegou com a credencial de ter causado sensação no Festival de Cannes daquele ano. Não é difícil entender o motivo. Infelizmente, seu sucesso deveu-se muito mais pela ousadia proposta pelo roteiro do que por sua realização.

A idéia é rica. Em Paris, durante um show em um asilo de idosos, um sósia de Michael Jackson, insatisfeito com sua vida, conhece uma sósia de Marylin Monroe. Ela o convida a passar um tempo em sua casa, nas ilhas escocesas. Lá, habitam outros sósias de várias personalidades de diversas áreas: Chaplin (o marido de Marylin), Abraham Lincoln, Papa João Paulo II, James Dean e Madonna, entre outros. Juntos, planejam a realização de um grande espetáculo. Do cruzamento entre todos estes personagens, poderia resultar um filme de alto nível. Mas o grande problema é que os irmãos Avi e Harmony Korine, autores do roteiro, não sabem o que fazer com o material que têm nas mãos e simplesmente jogam a história pela janela. Nada acontece de muito importante, nenhum conflito se impõe de fato. As cenas se alongam além do tempo, dando a impressão de estarem apenas espichando a metragem, e muitas sequer acrescentam algo à narrativa. Além disso, o filme mostra-se pretensioso por querer abarcar uma infinidade de temas e assuntos – a solidão humana, a necessidade da fé e da tolerância entre as pessoas, a fuga possível por meio dos disfarces – e nenhum deles é desenvolvido de maneira satisfatória. Nesse sentido, o que mais chama a atenção é a virulenta desconstrução do discurso religioso, quase sempre alvo de zombarias. Há inclusive uma subtrama envolvendo freiras que passam a exercitar sua fé da maneira mais radical, saltando de um avião em movimento, depois que uma delas conseguiu se salvar em um acidente. Este lado filosófico, contudo, se perde em meio a tantas idéias mal-aproveitadas, herméticas, mal explicadas. O que começa como uma comédia rasgada vai aos poucos se tornando cada vez mais sombrio – há uma tentativa de mudar o rumo da história quase ao final, após uma cena trágica, mas nem assim o resultado se modifica.

Visualmente, porém, o filme é um primor, com bons enquadramentos, uma direção de arte cuidadosa e uma fotografia deslumbrante, que tira o máximo proveito das locações. Outro destaque é a ótima trilha sonora, combinando músicas românticas famosas de diversas épocas (até dos anos 20!) com hinos religiosos e canções folclóricas. Ainda me lembro de uma canção executada quase ao final do filme, de forte apelo simbólico, traduzindo o estado de espírito do protagonista, mas infelizmente não consegui identificá-la nos créditos nem no IMDB. Enfim, fica a impressão de que houve uma excessiva preocupação em embelezar o filme, torná-lo atraente, para disfarçar sua total falta de assunto. É também desperdício de um elenco multinacional, composto de nomes talentosos (o espanhol Diego Luna, a inglesa Samantha Morton, que já foi indicada ao Oscar, o francês Dennis Lavant, o americano Brian Cox e até o diretor alemão Werner Herzog aparece no papel do missionário). A melhor cena é logo a inicial (que é também a final), que mostra o falso Michael Jackson andando de velocípede acompanhado por um macaquinho de pelúcia amarrado na traseira ao som da clássica “Mr. Lonely”. O espetáculo apresentado pelos sósias é de uma pobreza constrangedora, mas poderia servir como um excelente desfecho após o discurso da “Rainha da Inglaterra”. Só que nem isso souberam aproveitar: perderam a chance de ao menos fechar o filme com um mínimo de dignidade.

Uma pena que, com tantos elementos interessantes, a realização tenha se perdido no excesso de pretensão de seus realizadores. Harmony Korine é o mesmo que, nos anos 90, já havia levantado muita polêmica com Kids, um filme que o tempo se encarregou de sepultar e que hoje só é citado por ter marcado a estréia de Chloe Sevigny, outro embuste que chegou a ser indicada ao Oscar de Atriz Coadjuvante por Meninos não choram e só o que fez na carreira depois foi a escandalosa cena de felação em Vincent Gallo em The brown bunny. Ou seja, é mais um agitador do que um roteirista competente.

Entretanto, este filme é muito especial para mim. Foi o último que assisti no cinema com meu amigo Alan, outro cinéfilo de carteirinha, e que morreu de leucemia quatro meses depois. Como sempre, ele ajudou a tornar mais suportável a projeção, com suas piadinhas e comentários bem-humorados. Pena que nossa derradeira experiência cinematográfica juntos não tenha sido mais memorável.