Nunca entendi esse fanatismo
religioso que caracteriza alguns povos ao redor do mundo. Talvez por ser ateu
ou viver em um país que permite a livre expressão de credos e crenças, onde
umbandistas, católicos e evangélicos convivem em harmonia, desde que, logicamente,
respeitadas as convicções de cada um. Na Escócia, por exemplo, de tão
inflamadas, as diferenças religiosas chegam a extrapolar e invadir o campo
esportivo. O clássico nacional entre Celtic e Glasgow Rangers é mais do que um
jogo de futebol. Para muitos torcedores, é a oportunidade de provar no gramado
a superioridade de uma religião sobre outra, já que os times são historicamente
identificados com protestantes e católicos, respectivamente. Não raro os
encontros terminam em pancadaria e violência generalizada.
No Oriente Médio, nem é preciso
falar. Como, repito, não entendo esse fanatismo que move as ações de judeus,
árabes e israelenses uns contra os outros, fico me perguntando para que tanta
guerra, tanta intolerância, por que essa necessidade quase animalesca de
eliminar os devotos de uma e de outra religião. Ouço falar em guerra santa
desde que eu era pirralho e a cada semana surge “mais do mesmo”: atentados,
homens-bomba, destruição de templos etc. Será que esse povo nunca se cansa?
Será que isso nunca vai ter fim? Mata-se mais em nome de Deus do que se vive
sob seus princípios. Se essa matança infinda ocorre por ordens dele, então é
muita sorte que o resto da humanidade ainda não tenha sucumbido, porque um Deus
assim, que prega a destruição, é de meter medo!
O leitor eventual do espaço deve estar se
perguntando o que esse assunto tão pesado está fazendo no blog que tem, por
princípio, ocupar-se de temas voltados à cultura. Explico. Há alguns dias,
várias embaixadas norte-americanas no Oriente Médio foram atacadas por
fundamentalistas islâmicos, resultando em mortes, incluindo alguns diplomatas
ianques. O estopim teria sido a veiculação de um filme que conteria diversas
injúrias contra o islamismo. Algumas: mostra-se Maomé em forma humana, interpretado
por um ator, conferindo-lhe, portanto, um rosto, o que é proibido pelas leis
islâmicas. Mais grave: esse próprio “Maomé” afirmaria que tal religião é um
câncer, exorta seus seguidores a assassinar crianças e escravizar pessoas, além
de fazer piada com outros dogmas sagrados das crenças locais.
O filme em questão se chama A inocência dos muçulmanos, na verdade
um curta-metragem de 14 minutos de duração, que até a semana passada estava
disponível em diversos sites de compartilhamento – hoje já foi varrido de quase
todos eles, mas o leitor que tiver interesse pode procurar na rede que talvez
encontre; assista por sua conta e risco. Trata-se de uma patetice
despropositada, visivelmente amadora, levada em tom de comédia, com o único
objetivo de debochar do islã, chamando-os de terroristas que propagam o mal e
espalham destruição. O escritor Salman Rushdie classificou o vídeo como “um
lixo”. Outras autoridades condenaram a produção tanto pela pobreza da
realização quanto pela gratuidade das ofensas proferidas. Atores e equipe
técnica que participaram do filme se disseram enganados pelos produtores, pois
haviam sido contratados para rodar um épico chamado Guerreiro do deserto e se surpreenderam ao ver o resultado. Nem
vale a pena comentar outros aspectos dessa sandice.
Sou inteiramente a favor da
liberdade de expressão. Cada um tem o direito de se manifestar a respeito do
que bem entender, da forma que quiser. Mas é preciso que haja um propósito, uma
mensagem a ser passada. O que se vê nos 14 minutos da produção é um ataque
gratuito a uma religião, sem qualquer estofo dramático consistente que o
justifique. O diretor disse que fez um filme político, não religioso, mas não é
o que se pode constatar. Além disso, é difícil separar uma coisa da outra em
uma região como o Oriente Médio, em que ambos os assuntos estão estreitamente
ligados.
A identidade do autor de A inocência dos muçulmanos permanece
envolta em mistério, embora pipoquem no território livre da internet algumas
versões para sua origem. Sabe-se que Sam Bacile, o nome com o qual foi
inicialmente identificado, não existe. Este seria um pseudônimo de Nakoula
Basseley Nakoula, um judeu copta de 55 anos (algumas fontes citam 45). Mas
também não é oficial. Outras versões dizem que o diretor verdadeiro é Alan
Roberts, que tem longa carreira no cinema pornô, embora também não conste nada
a seu respeito no IMDB. Atores e atrizes que atuam no filmete também seriam
egressos do universo de produções adultas, sendo que uma delas, Amina Noir,
chegou a ser modelo da TV Playboy. Tudo especulação.
Há muitos outros aspectos mal
explicados. Como uma produção amadora, que nunca foi lançada comercialmente, em
tese foi pouco ou mal vista, pode ter deflagrado uma onda de violência tão
grande? A versão conhecida tem 14 minutos, com cortes evidentes; existe uma
versão completa? A montagem feita tira a obra de seu contexto original ou a
idéia era mesmo atacar o islã? Por que não há informações concretas sobre os
intérpretes? Tudo nebuloso. Essa falta de pistas é de certa forma simbólica. Talvez
seja mesmo o melhor destino para essa aberração: o anonimato e a obscuridade
eternos.
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