Há alguns anos, escrevi um conto intitulado
“Não estamos sós”. Nele, um rapaz descobria a existência de um outro planeta
Terra, em tudo igual ao nosso, inclusive habitado por versões mais evoluídas e
bem-sucedidas de nós mesmos. Esta era a diferença: lá, os “outros eus” levavam
a vida que nós gostaríamos de levar, se todos os nossos planos tivessem se
concretizado de forma satisfatória. Perturbado com essa descoberta, passa a
viver segundo o que considera auspícios astrais, influenciado (sem se dar
conta) por ações de seu “duplo” no outro planeta. Como esse conto nunca foi
publicado em lugar nenhum, só pode ter sido uma grande coincidência que o
diretor Mike Cahill tenha realizado um filme que é praticamente a versão em
celulóide do que escrevi. Infelizmente, o resultado ficou aquém do que poderia
– e se me permitem um raro exercício de pretensão, não é a adaptação que eu
gostaria de ver de um conto meu.
A jovem Rhoda Williams (Brit
Marling, também roteirista, junto com o diretor) tem um futuro promissor. Aos
17 anos, acaba de ingressar em uma das mais prestigiadas instituições de ensino
tecnológico dos Estados Unidos. Na mesma noite em que fica sabendo disso, causa
um acidente enquanto guia seu carro e provoca a morte da mulher e do filho do
professor John Burroughs (William Mapother, de Lost). Fica presa por quatro anos, o mesmo tempo que teria passado
na universidade, e, ao ser libertada, não tem mais alternativas. Vai trabalhar
como faxineira em uma escola, mas ganha um novo alento ao descobrir o endereço
do professor. Consegue se aproximar, oferecendo-se para limpar sua casa uma vez
por semana. Ele não sabe quem ela é, e os dois acabam se envolvendo
afetivamente. Mas o passado cobra um preço e Rhoda precisará renegar seu futuro
pela segunda vez. Agora, em nome de sua redenção.
Paralelamente, a ciência anuncia
a descoberta de outro planeta Terra, logo chamado de Terra II, no qual,
acredita-se, vivam duplos de todos os habitantes do nosso pobre e doente
planetinha. Essa revelação servirá para abalar o frágil equilíbrio emocional
que sustenta Rhoda em sua zona de conforto. Ela se sente responsável pelas
vidas que destruiu e crê que em algum lugar da galáxia possa remediar seu erro.
Assim, se inscreve em um concurso lançado pelo governo norte-americano para
viajar para a Terra II (sic), já que somente lá será possível um recomeço.
O ritmo lento da narrativa ajuda
a inserir o espectador no universo solitário e melancólico de Rhoda, uma mulher
que desperdiçou sua vida e agora passa seus dias assombrada pela culpa. A
monotonia de seu cotidiano é traduzida em imagens que dissecam uma existência
vazia, que se arrasta na monocórdia batida da trilha sonora, com especial
acompanhamento da canção instrumental “The first time I saw Júpiter”, do grupo
Fall On Your Sword. Enquanto isso, o agora ex-professor Burroughs se enclausura
em sua casa, afastada do centro urbano, jogando videogame, também sem
perspectiva. Do encontro entre esses dois personagens destroçados pelo destino
comum surgirá uma centelha de esperança.
O roteiro poderia ter explorado
mais o sugerido paralelismo existente entre os dois planetas. Assim, as ações
de uma segunda Rhoda influenciariam, e estariam diretamente relacionadas a,
suas ações na nossa Terra. Mas o diretor preferiu seguir por uma trilha mais
metafísica, não aprofundando os pontos em comum que poderiam surgir dessa
duplicata planetária. O resultado não chega a empolgar, embora no todo o filme
não desagrade. Ficou no meio do caminho. No meu conto, optei exatamente por
essa alternativa que o diretor descartou.
A edição em DVD é melhor do que a
média que vem sendo lançada, já que há tempos as distribuidoras desistiram de
caprichar nos bônus e limitam-se ao trivial. Traz cenas eliminadas, algumas com
comentários do diretor, que explica as razões para o corte, duas breves
entrevistas (muito curtas, podiam ser mais extensas), clipe da música principal
e trailer, este sem legendas.
Excelente crítica.
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