sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Grande Prêmio Cinema Brasil 2012 - A noite do palhaço

Realizada no último dia 15 de outubro, a entrega do Grande Prêmio Cinema Brasil 2012 - Troféu Grande Otelo consagrou O palhaço, segundo longa dirigido por Selton Mello. O filme recebeu 11 das 13 estatuetas a que concorria, perdendo apenas nas categorias de Atriz Coadjuvante e Som. Arrebatou ainda o Prêmio pelo Voto Popular (categoria na qual a animação Rio recebeu o troféu de Filme Estrangeiro). É um recorde na história do prêmio e podem estar certos de que vai levar muito tempo até que seja superado. A vitória dá mais força ao filme, oficialmente indicado pelo Brasil para concorrer ao Oscar de Filme Estrangeiro no ano que vem - e finalmente a Ancine fez a escolha certa, depois de anos se restringindo aos "favela-movie" e quejandos, como se cinema brasileiro fosse só violência.

A essa altura, todo mundo já sabe quais foram os premiados nas demais categorias. Mas como informei aqui no blog no dia em que os concorrentes foram anunciados, em junho, segue abaixo a lista completa de todos os vencedores do Grande Prêmio Cinema Brasil 2012.


FILME: O palhaço
DIRETOR: Selton Mello (O palhaço)
ATOR: Selton Mello (O palhaço)
ATRIZ: Deborah Secco (Bruna Surfistinha)
ATOR COADJUVANTE: Paulo José (O palhaço)
ATRIZ COADJUVANTE: Drica Moraes (Bruna Surfistinha)
ROTEIRO ORIGINAL: Selton Mello e Marcelo Vindicatto (O palhaço)
ROTEIRO ADAPTADO: Antônia Pellegrino, Homero Olivetto e José Carvalho (Bruna Surfistinha)
DOCUMENTÁRIO: Lixo extraordinário
FILME ESTRANGEIRO: Meia-noite em Paris (EUA)
FILME INFANTIL: Uma professora muito maluquinha
FILME DE ANIMAÇÃO: Não houve premiação
DIREÇÃO DE ARTE: O palhaço
FOTOGRAFIA: O palhaço
FIGURINOS: O palhaço
MAQUIAGEM: O palhaço
SOM: O homem do futuro
TRILHA SONORA ORIGINAL: O palhaço
TRILHA SONORA: Rock Brasília – era de ouro
MONTAGEM: O palhaço
MONTAGEM DE DOCUMENTÁRIO: Lixo extraordinário
EFEITOS ESPECIAIS: O homem do futuro
CURTA-METRAGEM: Pra eu dormir tranqüilo
CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO: O céu no andar de baixo
DOCUMENTÁRIO DE CURTA-METRAGEM: A verdadeira história da bailarina de vermelho
FILME - VOTO POPULAR: O palhaço
FILME ESTRANGEIRO - VOTO POPULAR: Rio (EUA)

Por coincidência, está chegando às lojas uma edição especial do filme, em DVD duplo, trazendo um disco só de extras, incluindo o documentário Palhaço.doc, cenas de bastidores e entrevistas. Uma edição à altura da qualidade do filme.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Um mundo além de palavras


Assiste-se muita coisa ruim no Festival do Rio, mas é possível também se encantar com pérolas que justificam a cinefilia de qualquer um. Foi assim que descobri esse pequeno drama rodado no Canadá, Tudo que você tem, que não estava na minha programação original e acabou entrando meio de improviso, para encher o tempo entre uma sessão e outra. Ou seja, o tipo de tesouro escondido que nos dá prazer dobrado em descobrir.

Objeto de uma mostra há alguns anos no Festival do Rio, o cinema canadense costuma reservar boas surpresas aos cinéfilos. Poucos são os filmes a chegar até o circuito da cidade, mas, quando isso acontece, vale ficar atento. Ano passado, tivemos o devastador Incêndios, cujas imagens até hoje, muitos meses depois de assisti-lo, ainda ressoam na minha cabeça. Também quem teve a paciência de descobrir um pequeno drama nostálgico de nome gaiato, Mamãe foi ao salão, da diretora Lea Pool (cultuada pelo mundo, mas pouco conhecida aqui), se deparou com uma história forte e sensível ao mesmo tempo. Este aqui é outro filme sem qualquer apelo exibidor, mas até que pode ter chance no circuito alternativo, dada a boa repercussão que gerou no boca-a-boca.

O reservado Pierre é um jovem professor de literatura desencantado com o universo acadêmico. Ele resolve tirar licença por tempo indeterminado e se dedicar a traduzir poemas de um autor polonês pouco conhecido, mas adorado por ele, chamado Edward Stachura. Ao mesmo tempo, passa por um drama pessoal, já que seu pai, com quem nunca manteve boas relações, está moribundo de câncer. Ele recusa o dinheiro da herança que o pai lhe deixa por considerá-lo fruto de negócios escusos, mas é obrigado a aceitar por uma cláusula testamental. Um dia, voltando de um sebo para onde fora vender alguns livros, Pierre reconhece uma mulher em um restaurante. É uma namorada dos tempos da faculdade, a quem abandonou 12 anos atrás, quando ela ficou grávida. Junto a ela, está a menina, sua filha, que ele não conheceu nem sabia de sua existência (havia pedido que a namorada fizesse um aborto). Pierre foge, mas a menina segue seus passos, descobre onde ele mora e tenta se aproximar. Ele reluta, a princípio, mas, quando resolve se abrir para a nova vida que tem diante de si, seus erros do passado vêm à tona. O mundo do professor, que começava a se abrir, volta a encolher.

O temperamento do personagem acaba sendo moldado de certa forma pelos poemas que ele traduz. Fui pesquisar e descobri que o poeta em questão, Edward Stachura, realmente existiu, embora me pareça que seja mais um gosto adquirido por pequeno número de leitores que conhecem seu estilo muito triste, de versos que falam de perdas, renúncias, dores de existir, ou seja, quase uma antipoesia. Todo o filme é pontuado por esses versos, que conferem ainda mais melancolia ao roteiro. O maior acerto é que todos os poemas que aparecem na tela combinam com o estado de espírito do personagem. Criminosamente, não há nada em português de Stachura, que pelo visto continuará desconhecido do público – a menos que o filme entre em cartaz, seja um grande sucesso de público e chame a atenção de alguma editora para sua obra. Um processo muito hipotético e mesmo assim lento. O jeito é se contentar com suas traduções em inglês ou espanhol. Descobri um site no qual é possível conhecer um pouco mais de sua vida e obra, bem como ler alguns de seus poemas: http://duszenko.northern.edu/stachura/. Atenção para o belíssimo "A letter to the remaining", que conclui o filme de forma brilhante.

O filme sequer possui registro no IMDB, embora seja possível localizar seu ator principal, Patrick Drolet (foto à esquerda), e o diretor, Bernard Émond, também autor do roteiro. Ambos têm certa experiência no cinema local, Drolet com mais créditos, inclusive aparece em ponta em uma produção obscura, Resgate de alto risco, lançada em DVD no Brasil (vá entender). Já Émond dispõe de seis trabalhos (com este, sete), basicamente rodados de 2001 para cá, mas nenhum também conhecido do público brasileiro. Então, fica difícil avaliar se seu estilo é assim mesmo ou se é uma obra diferenciada dentro de sua carreira. Centrando-se apenas no drama em questão, é um nome a ser conhecido.

Só resta torcer para que alguma distribuidora se anime e lance o filme por aqui.



quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Pílulas do Festival do Rio 2012 - segunda parte

Felizmente diminuíram as falhas técnicas e cancelamentos de sessões e a segunda semana do Festival transcorreu sem maiores incidentes. Fechei com 45 filmes, minha segunda melhor marca (teria chegado aos 50 não fossem os problemas). Eis o que vi.

TABU – Filme português. Tem uma estrutura narrativa interessante, com a história se resolvendo na primeira parte e, na segunda, retomando a origem dos personagens, justificando e explicando suas ações. Ao contrário da maioria, gostei mais dessa segunda parte. Um ótimo par de atrizes (a idosa e sua criada), bela fotografia em preto e branco e um momento surreal e antológico, com a banda tocando à beira de uma piscina vazia. * * *

O QUADRO – Muito criativa e original, essa animação francesa se passa toda dentro de um quadro, com os personagens - as pinturas - divididos em três castas, os "todopintados" detentores do poder, os "pelametade" excluídos do "convívio social" e os rabiscos, que nem são considerados. Nada a ver com Disney-Pixar, mas tem um visual belíssimo, com uma qualidade impressionante da animação, excelente uso das cores e uma história que, se peca por não ter tanto humor, traz uma mensagem moralmente positiva, de aceitação das diferenças e superação dos preconceitos. Afinal, somos todos iguais, mesmo que às vezes "pela metade", "incompletos". * * * *

HOJE – Cansativo. O filme parte de uma premissa absurda (o personagem sabe que vai morrer naquele dia) e não caminha para lugar algum. É apenas a lenta caminhada de um homem cujo destino está traçado e revê pessoas e situações pela última vez. Podia ter rendido um drama eficiente, mas optou pela emoção mínima. *

PENITÊNCIAS – Minissérie da TV japonesa exibida na íntegra. Gasta 4h30 para decifrar uma charada que poderia ter sido resolvida na metade do tempo. Misto de drama de suspense com história de vingança, muito lento, com situações desnecessárias (o caso da boneca) que só alongam a metragem e humor involuntário inadequado. No fim, a penitência mesmo é do espectador que assistiu a essa maratona um tanto cansativa. * *

HOLY MOTORS – Um dos títulos mais aguardados do evento. É uma forma original de falar sobre cinema. Leos Carax cria uma história cuja homenagem é perceptível a qualquer cinéfilo, transitando por vários gêneros, com inúmeras autorreferências. Um pouco estranho no princípio, mas depois que o espectador supera o primeiro momento e percebe a proposta do roteiro, funciona. Mas é meio ame ou odeie. Eu estava muito cansado e não pude apreciar o filme como deveria, preciso revê-lo para que a boa impressão se confirme. * *

IMAGINE – Espécie de Sociedade dos poetas mortos da deficiência visual. Um professor cego chega a uma clínica de cegos e tenta fazer com que seus alunos adquiram confiança e independência. Usa métodos inusitados, muitas vezes mal compreendidos, e a história tem algumas soluções improváveis. Mas escapa da pieguice e dos riscos de fazer comédia que uma história com esse tema poderia correr. Bem contado, tem boa comunicação com público. * * *

BRANCO COMO NEVE – Bom passatempo com belas imagens e só. * *

APENAS O VENTO – O filme é o final. Passa 80 minutos preparando o espectador para ele, e quando surge na tela, é uma porrada, uma catarse, chega a causar nojo a idéia de preconceito, de ódio étnico, sem sentido, e no que ele pode causar. Este final redime o filme, que nada tem de espetacular, mas é muito bem conduzido e interpretado. * * *

O GORILA – "Oh, céus, mataram o Kenny de novo!". Vou me alongar neste aqui em postagem mais adiante. Sem classificação.

SIMON ASSASSINO – Enquanto rumina o chute que levou da namorada, jovem se esconde em Paris para resolver o que quer da vida. Lá, se envolve com uma stripper e a usa para cometer pequenos golpes. Um filme sobre as escolhas que fazemos na vida e as conseqüências que podem advir delas. Entre as muitas cenas de sexo, uma curiosa que mostra uma ousada sugestão de inversão sexual. * *

A BELEZA – Apenas mediano. O contraste entre a perda da cultura da garota índia e a festa da menina branca filha da patroa é menos impactante do que deveria. * *

O ÚLTIMO ELVIS – Ouvi muitos elogios favoráveis a este filme antes do festival. Fui cheio de expectativa e não me arrependi. Um filmaço! Carlos Gutierrez é fanático por Elvis Presley e trabalha como seu cover em bares e asilos de idosos. Velho e gordo, se acha o próprio rei do rock, refugiando-se nessa fantasia para se preservar da triste realidade em que vive.Quando sua esposa sofre um acidente de carro, "Elvis" Gutierrez resolve tomar a única decisão que vislumbra para sua vida naquele momento. Ecos de Tony Manero embalam essa comédia dramática, que mostra como a alienação pode moldar o destino de uma pessoa comum. A seqüência final é de arrepiar. Comovente, divertido, imperdível. É torcer para entrar em cartaz e outras pessoas possam descobri-lo. * * * * *

TERRA DE SANGUE E MEL – A estréia de Angelina Jolie na direção é uma grata surpresa. Ela optou por tratar de um tema espinhoso, a guerra na Bósnia (certamente sua atuação como embaixadora da ONU pesou na escolha do tema), centrando-se em um romance proibido entre um militar sérvio e uma pintora muçulmana, e ampliando o foco para os terríveis desdobramentos daquele conflito, que atingiram todas as mulheres locais, vítimas de constantes estupros. Um tema difícil tratado com segurança e seriedade. Jolie mostra qualidades na direção (também não inventa nada), não poupa a heroína de cenas fortes e surpreende com os rumos que dá à história. * * *

O INTERVALO – Casal de adolescentes confinado em um prédio passa hora e meia de papo furado e abusando da paciência do espectador. Um filme sem interesse. *

STARLET – No começo, parece mais um retrato daqueles "junkiezinhos" perdidos na vida, mas há o diferencial de mostrar a garota com bom coração. O roteiro quase abandona o ponto de partida, que mesmo assim não chega a ser bem explorado. A amizade entre as duas mulheres soa forçada e algo improvável. Mas a cena final dá outra dimensão à história. Starlet é o nome do cachorrinho da protagonista Independente até a medula. * *

PAULINE DETETIVE – Comédia policial francesa francamente comercial, dá até para imaginar a refilmagem americana. É valorizada por uma montagem ágil que confere fluência á narrativa, diálogos inspirados e um roteiro redondinho, com tudo no lugar. Nada especial, mas é ótima diversão. * * *

O CLUBE DO VAMOS-FAZER-A-PROFESSORA-ABORTAR – Até agora não entendi a proposta do roteiro. Não sei se a intenção foi fazer uma comédia trash de humor negro ou um suspense baseado em um fato supostamente real. Funciona como comédia, mas fazer graça com sangue e aborto, convenhamos, é meio pesado. Uma bizarrice mal-feita. *

O SOM AO REDOR – Kléber Mendonça Filho estréia no formato longa com a mesma genialidade de seus curtas. É o melhor diretor do Brasil. Com uma engenhosa carpintaria de imagens, aprisiona seus personagens nos enquadramentos e faz do espectador cúmplice de todas aquelas ações, como se fôssemos todos vizinhos, testemunhas silenciosas do que acontece no nosso bairro. Inteligente uso do som, que comenta os fatos com precisão cirúrgica. Uma crônica urbana margeada pelo pesadelo. Um filme quase perfeito, que só erra por ser um pouco longo demais. * * * *

A RAINHA DE VERSALHES – No futuro, este será o registro documental de uma época difícil marcada pela recessão econômica. O filme acompanha uma família que faz o caminho oposto ao sonho americano e vai da riqueza à bancarrota em pouco tempo. Mesmo assim, o casal e seus sete filhos tentam manter as aparências, mesmo que para isso vivam se endividando. Cena surreal: a mulher (a tal rainha do título) enchendo três carrinhos de supermercado só com brinquedos e bugigangas, mesmo sem ter condições de arcar com todas as despesas. * * *

COLEGAS – Marcelo Galvão volta a provocar com um tema incômodo. Aqui, escala três atores com síndrome de Down que fogem do orfanato onde vivem e caem na estrada em busca de liberdade. O trio central está ótimo e o filme é narrado em tom de fábula, com diversas referências que os cinéfilos identificarão. Respeitoso e engraçado, é meio travado no meio, mas depois segue fluente até o final. * * *

WOODY ALLEN, O DOC – Tipo mingau às avessas: o quente está nas bordas – no caso, nos primeiros e últimos 20 minutos, quando Allen revela detalhes familiares, inclusive com fotos da infância, e mostra seu processo criativo. No meio, morno, críticos e produtores analisam sua obra. Fartamente ilustrado com cenas de quase todos os seus filmes. Um pouco cansativo, mas os fãs gostarão bastante. * * *

FOXFIRE – Não consegui simpatizar com nenhuma daquelas meninas, que se revoltam com o tratamento que recebem da sociedade, mas sempre tomam as atitudes erradas. O feminismo latente do roteiro resulta equivocado. Elas querem respeito, mas saem barbarizando pela cidade onde vivem. Precisam de dinheiro e aplicam golpes em homens para subtraí-los. Ser mulher é isso? A sugestão final de fábula política é uma piada. Só não é um desastre completo por causa da boa reconstituição de época, expressa na cenografia e nos figurinos. * *

PUSHWAGNER, A IRA DO ARTISTA – Foca-se no processo judicial movido pelo artista contra um ex-colaborador (não se explica direito a razão). Pouco se fala sobre sua carreira e sua vida, ao que parece regada a drogas e álcool. Pushwagner é um artista no sentido romântico do termo, muito excêntrico, desbocado, polêmico. O estilo visual do filme acompanha a personalidade do biografado. Mas fiquei com vontade de conhecer mais sobre ele e entender sua obra. E isso, para mim, é o motor de qualquer documentário. * *

A FLORESTA DE JONATHAS – “Muito prazer, Brasil, eu sou o Amazonas”, é o que parece saltar de cada fotograma dessa produção local. De fato, às vezes parece que estamos mesmo assistindo a um desses filmes de arte feitos no Camboja ou em Cingapura, que os críticos adoram. É quase um Tio Boonmee... tropical. O roteiro se alonga na completa falta de assunto, com diálogos péssimos e furos na história. O diretor parece mais preocupado em mostrar exotismos visuais do que contar uma trama minimamente consistente. Só vale pela curiosidade de ver um filme feito no Amazonas e pela linda atriz ucraniana. *


JOVEM E LOUCA – AS AVENTURAS DE UMA NINFOMANÍACA – A grade ousadia dessa comédia chilena é a coragem de fazer piada com a religião evangélica, o que lhe renderá a condenação de jamais ser exibida no circuito nacional. Mas o filme tem pouca graça e o roteiro peca pela inconclusão. A julgar pelas atrizes, o Chile tem as mulheres mais lindas e interessantes da América do Sul. * *

A REPÚBLICA DE MININUS – Alegoria política que parece inspirada no “Gbala”, um antigo samba-enredo da Vila Isabel. A presença de Danny Glover é a marca de qualidade de um projeto mais voltado às crianças. Adultos podem se aborrecer com a ingenuidade da história. * *

MANÍACO – Desnecessária refilmagem de uma fita obscura e ruim dos anos 80, da qual pouca gente se lembra. O diretor Aja imprime maneirismos visuais graças à opção da câmera subjetiva, que reforça o impacto de algumas cenas. O atropelamento é especialmente engraçado. Diversão trash melhor que o original, o que não significa muito. Elijah Wood já condenado a viver personagens malucos. * *

UMA HISTÓRIA DE AMOR E FÚRIA – O ousado roteiro do diretor Luiz Bolognesi cobre 600 anos da história do Brasil, desde a era pré-descoberta até o ano de 2096, quando imagina um futuro assustadoramente possível, sobretudo para o Rio de Janeiro. A qualidade da animação é ótima, embora eu ache os personagens graficamente mal resolvidos. Inteligente e engenhoso, lembra um pouco Fonte da vida por tratar de um romance que atravessa os tempos. * * * *

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Pílulas do Festival do Rio 2012 - primeira parte

Muitas falhas técnicas à parte, com sessões canceladas e suspensas em profusão (merece até uma coluna só sobre isso), o Festival do Rio vem cumprindo seu papel de apresentar o que de melhor e pior se faz nos cinemas do mundo. Em vez de postar diariamente, artifício que se revelou inútil em 2009, quando cobri o evento aqui no blog, achei melhor dividir os comentários sobre os filmes vistos em duas partes, esta e a outra, quando ele se encerra. Por conta das falhas, não estou vendo tantos filmes quanto gostaria e planejei. Vamos ao que vi na primeira semana.

18 COMIDAS – O cinema espanhol parece gostar de histórias que tenham a comida como elemento central (Dieta mediterrânea, Bom apetite). O problema é que são todos insossos. Aqui são várias histórias que se cruzam tendo como ponto de partida alguma refeição específica: café da manhã, almoço e jantar. Mas com tanta fartura gastronômica na tela, o roteiro não tem sabor nenhum. São tramas paralelas que se encontram em algum ponto, mas só uma (a dos irmãos) é resolvida a contento. E o casal de idosos, o que faz ali? Estrategicamente programado para o primeiro dia da maratona, mas não me abriu o apetite. * *

TUDO QUE VOCÊ TEM – Professor se desencanta do universo acadêmico e se isola para traduzir um poeta polonês que ninguém conhece. Vive melancólico até descobrir que tem uma filha pré-adolescente, fruto de relacionamento da juventude. Isso abala seu mundo, mas os erros do passado cobrarão seu preço. Belo, triste e dolorido. Adorei, talvez por certa identificação com o protagonista. Voltarei a este aqui mais adiante. * * * *

A VIRGEM, OS COPTAS E EU – O diretor resolve fazer um filme sobre aparições da Virgem Maria em um vilarejo do Irã, das quais sua mãe teria sido testemunha. Exercício de intimismo pessoal, sem interesse para o espectador em geral. O filme é salvo da irrelevância absoluta pelo bom humor que o próprio diretor imprime à narrativa, sobretudo na parte final, a da encenação das aparições da virgem. A mãe do rapaz é uma grande figura e critica o filho o tempo todo por só fazer filmes ruins. * *

SONHOS DE UMA VIDA – A história era intrigante. Uma mulher morre sozinha em casa e só três anos depois descobrem o corpo, sem que ninguém tenha dado pela falta dela. A diretora investiga o que levou a tamanha indiferença. Por que ninguém procurou aquela mulher, nem sentiu sua falta ao longo de três anos? O problema foi a opção de mesclar documentário (entrevistas com pessoas que conheceram e conviveram com ela) e ficção (recriação dramatizada de alguns fatos descritos), que prejudicou o resultado final. Podia ter sido um belo estudo sobre a invisibilidade que a vida urbana confere a todos nós. * *

MONTY PYTON - A AUTOBIOGRAFIA DE UM MENTIROSO – A grande sacada foi contar a biografia de Graham Chapman no estilo das animações que nos acostumamos a ver nos filmes do grupo e em forma de esquetes, ou seja, total identificação com o biografado. O estilo das animações muda de acordo com o momento descrito na tela, indo do mais infantil ao visualmente rebuscado. O melhor momento é a luta de boxe simbólica para representar os problemas de alcoolismo enfrentados pelo comediante. Final emocionante. Inteligente, ousado e criativo, mas não exatamente original. Pena que o excesso de humor, às vezes, prejudique o resultado e comprometa o aspecto documental. * * * *

BAIKONUR – Filme do Cazaquistão. Jovem acolhe em sua casa uma cosmonauta francesa que se acidentou e se esqueceu quem era. Ele então a convence de que são noivos e estão para casar. Comédia simpática, que tem bons momentos na primeira parte, mas descamba para uma fantasia romântica improvável na segunda metade. O roteiro poderia ter explorado mais o choque de culturas entre a jovem francesa e a aldeia cazaque no meio do nada onde ela vai parar. Lembrei de Tulpan, outra comédia singela feita naquele país há alguns anos e que chegou a passar nos cinemas daqui. * *

SALA 514 – Uma jovem oficial do exército israelense interroga um general acusado de cometer abuso contra uma família. Aos poucos, vai percebendo que a verdade pode não ser aquilo em que ela acredita. Praticamente todo rodado em um único ambiente, a tal sala do título, onde acontecem os interrogatórios, sempre carregados de agressividade e sarcasmo. Tenso, seco e claustrofóbico. * * *

SELVAGENS – Podem acusar Oliver Stone de ser exagerado e descontrolado, mas não há como negar sua habilidade na condução de uma história. Bem ao seu estilo, tem muita violência, mas é valorizado pelo ritmo incessante, pela fotografia contrastante em cores quentes e pela excelente direção de arte. Benício Del Toro assustador. Salma Hayek tenta, mas não consegue passar toda a suposta vilania de sua personagem, a madrinha de um império mexicano das drogas. Já o trio central é de uma inexpressividade notável. Em cartaz nesta sexta-feira. * * * *

AS SESSÕES – A primeira obra-prima do festival até aqui. O jornalista Mark O'Brian passou seus 38 anos de vida imobilizado a uma maca, vítima de poliomielite. Sabendo que seu tempo de vida é curto, resolve perder a virgindade. Para isso, contrata os serviços de uma terapeuta sexual para deficientes, a quem aos poucos vai se afeiçoando. Uma história quase inacreditável (baseada em fatos reais) que tinha tudo para afundar na pieguice e na grosseria é contada em ritmo de alto astral, com o bom humor transparecendo em ótimos e inspirados diálogos. John Hawkes esplêndido no papel principal e Helen Hunt em atuação corajosa, aparecendo em várias cenas de nu frontal. Olho neste aqui que pode ser lembrado no Oscar em algumas categorias. Lição de vida e humanidade. Imperdível. * * * * *

MOONRISE KINGDOM – Este é um dos filmes mais elogiados por quase todo mundo que o viu. Permitam-me o direito de discordar. Pra começar, não gosto do diretor Wes Anderson, então, já fica difícil logo de cara apreciar alguma coisa que ele faz (gosto muito de O fantástico Sr. Raposo e só). Não sei dizer exatamente o porquê. Talvez não curta seu humor, que acho meio bobinho, pretensioso, meio triste. O fato é que tenho dificuldade para embarcar nos seus filmes, "comprar" a proposta. Esse Moonrise kingdom não me comoveu nem me tocou em momento algum, bem como a história não me disse nada. OK, para uma trama ambientada nos anos 60, é claro que tinha de haver a idéia de liberdade, de mudanças, no caso representada pelo casal pré-adolescente que tem problemas pessoais parecidos: ele órfão, ela reprimida, se apaixonam (do nada) e resolvem fugir juntos. Acabam capturados e pra mim a história acaba aí. A segunda metade, quando as autoridades constituídas tentam afastar o casalzinho, chegou a ser penosa de assistir, uma enrolação com algumas piadinhas visuais, até bem sacadas. Difícil dar ao menos um sorriso. É uma aventurinha infanto-juvenil que se fosse dirigida por outro diretor, nem passaria por aqui. De que adianta reunir um elenco tão competente? Bruce Willis regular, até contido demais, Edward Norton tentando fazer graça, Bill Murray desperdiçado, Tilda Swinton e FrancesMcDormand sem o que fazer. Os dois protagonistas pioram as coisas. O menino ainda tem certa expressividade, mas a menina passa o filme todo com uma única expressão de tédio, em qualquer situação. Respeito muito a opinião dos colegas que gostaram, mas sinceramente não sei o que viram tanto aqui - e os aplausos muito tímidos no final da sessão podem indicar que a maioria também se decepcionou. Ou vai ver sou eu mesmo que tenho má vontade com Wes Anderson. Mesmo assim, está sendo apontado como possível finalista em várias indicações ao Oscar. * *

A PINTURA DE GEHRARD RICHTER – Eu ia ver outro filme, mas uma falha na produção (foram muitas até agora, chega a irritar) trocou os arquivos de vídeo e acabou exibindo esse documentário sobre um pintor alemão do qual, perdoem-me a ignorância, nunca tinha ouvido falar. Parece que ele é meio recluso e só por isso o filme tem lá seu valor histórico, já que Richter aparece dando entrevistas e comentando seu processo criativo. Para quem conhece o artista, um prato cheio. Para mim, um tapa-buraco com gosto de pepino. * *

DEPOIS DE LÚCIA – Vencedor do Câmera D’Or em Cannes. Pai e filha pré-adolescente se mudam para a Cidade do México e tentam reconstruir suas vidas após a morte da esposa/mãe. Enquanto ele se refugia no trabalho duro, ela sofre bullying na escola. As cenas de bullying são cruéis e difíceis de ver. Nada especial, mas com ótimo final. * * *

9,79 – Documentário convencional que parte da final dos 100m rasos nas Olimpíadas de 1988 para apresentar um panorama sobre a onda de doping que assombrou o atletismo entre as décadas de 70 e 90. Todos os finalistas daquela prova são entrevistados nos dias atuais e dão suas versões para o caso. Curiosidade: dos oito atletas em questão, cinco tiveram problemas com doping e alguns foram banidos para toda a vida, como o vencedor daquele ano, Ben Johnson, num dos maiores escândalos esportivos de todos os tempos. O título é a marca estabelecida por Johnson, que não foi homologada e hoje já foi muito superada por Usain Bolt. Produção da ESPN Filmes, brevemente na sua TV a cabo. * *

PIETÁ – Este era o filme mais aguardado da primeira semana do festival. Todas as sessões lotadas. Mas o vencedor do Festival de Veneza é um pouco frustrante. Um cobrador de dívidas para agiotas que usa métodos violentos para fazer seu trabalho se surpreende com a aparição de uma mulher que diz ser sua mãe. O estilo contemplativo do diretor temperado com pitadas de sangue e violência, mas em proporção bem menor do que fez supor a imprensa. Para mim, pareceu uma mistura entre Mother e Oldboy, com algumas referências de outros filmes recentes, inclusive a Trilogia da Vingança de Park Chan-Wook. Quem conhece o estilo de Kim Ki-Duk vai estranhar o visual do filme, que é sujo, degradado e triste. É bom, mas fica abaixo do que se esperava. * * *

VIOLA – Não adianta o festival fazer estardalhaço de 450 filmes na programação se pega qualquer coisa produzida em audiovisual e joga na tela. Os incautos compram e embarcam na maior canoa furada. Começa com um exaustivo ensaio de peça de Shakesperare, vira uma breve historinha sobre amizade feminina e termina sem conclusão. Um filme absolutamente inútil, que não diz nada e nunca deixa clara sua proposta. Desperdício de tempo. Prova que o Festival do Rio está se afundando num gigantismo desnecessário, graças a exibição de fitas ridículas como esta. Embora muito curto, é cansativo e repetitivo. Sem classificação.

QUARTO 237, TEORIAS LOUCAS SOBRE "O ILUMINADO" – Historiadores, pesquisadores e fãs do clássico de Kubrick expõem suas teorias acerca das mensagens e símbolos ocultos que o diretor espalhou ao longo dos 144 minutos de seu filme. Inteiramente editado com cenas de filmes do diretor; os entrevistados nunca aparecem, só se ouve suas vozes. Algumas teorias são perturbadoras, outras ridículas. Dá vontade de rever O iluminado para conferir - e formular as próprias. Divertido, mas um pouco longo demais. * * *

PLANETA SOLITÁRIO – Jovem casal perto de se casar sai em excursão pelas montanhas da Geórgia tendo a companhia apenas de um guia local. Planos longos, poucos e irrelevantes diálogos, algumas cenas constrangedoras. Gael García Bernal arranha mais uma vez sua condição de estrela e se mete numa produção sem muito sentido. Salvam-se as belas locações, a atriz ruiva (Hani Furstenberg) e a musiquinha vibrante que toca logo no começo. * *