Assiste-se muita coisa ruim no
Festival do Rio, mas é possível também se encantar com pérolas que justificam a
cinefilia de qualquer um. Foi assim que descobri esse pequeno drama rodado no
Canadá, Tudo que você tem, que não
estava na minha programação original e acabou entrando meio de improviso, para
encher o tempo entre uma sessão e outra. Ou seja, o tipo de tesouro escondido
que nos dá prazer dobrado em descobrir.
Objeto de uma mostra há alguns
anos no Festival do Rio, o cinema canadense costuma reservar boas surpresas aos
cinéfilos. Poucos são os filmes a chegar até o circuito da cidade, mas, quando
isso acontece, vale ficar atento. Ano passado, tivemos o devastador Incêndios, cujas imagens até hoje,
muitos meses depois de assisti-lo, ainda ressoam na minha cabeça. Também quem
teve a paciência de descobrir um pequeno drama nostálgico de nome gaiato, Mamãe foi ao salão, da diretora Lea Pool
(cultuada pelo mundo, mas pouco conhecida aqui), se deparou com uma história
forte e sensível ao mesmo tempo. Este aqui é outro filme sem qualquer apelo
exibidor, mas até que pode ter chance no circuito alternativo, dada a boa
repercussão que gerou no boca-a-boca.
O reservado Pierre é um jovem
professor de literatura desencantado com o universo acadêmico. Ele resolve
tirar licença por tempo indeterminado e se dedicar a traduzir poemas de um
autor polonês pouco conhecido, mas adorado por ele, chamado Edward Stachura. Ao mesmo tempo, passa
por um drama pessoal, já que seu pai, com quem nunca manteve boas relações,
está moribundo de câncer. Ele recusa o dinheiro da herança que o pai lhe deixa
por considerá-lo fruto de negócios escusos, mas é obrigado a aceitar por uma
cláusula testamental. Um dia, voltando de um sebo para onde fora vender alguns
livros, Pierre reconhece uma mulher em um restaurante. É uma namorada dos
tempos da faculdade, a quem abandonou 12 anos atrás, quando ela ficou grávida.
Junto a ela, está a menina, sua filha, que ele não conheceu nem sabia de sua existência (havia pedido que a namorada fizesse um aborto). Pierre
foge, mas a menina segue seus passos, descobre onde ele mora e tenta se
aproximar. Ele reluta, a princípio, mas, quando resolve se abrir para a nova
vida que tem diante de si, seus erros do passado vêm à tona. O mundo do
professor, que começava a se abrir, volta a encolher.
O temperamento do personagem acaba
sendo moldado de certa forma pelos poemas que ele traduz. Fui pesquisar e
descobri que o poeta em questão, Edward Stachura, realmente existiu, embora me
pareça que seja mais um gosto adquirido por pequeno número de leitores que
conhecem seu estilo muito triste, de versos que falam de perdas, renúncias,
dores de existir, ou seja, quase uma antipoesia. Todo o filme é pontuado por
esses versos, que conferem ainda mais melancolia ao roteiro. O maior acerto é
que todos os poemas que aparecem na tela combinam com o estado de espírito do personagem.
Criminosamente, não há nada em português de Stachura, que pelo visto continuará
desconhecido do público – a menos que o filme entre em cartaz, seja um grande
sucesso de público e chame a atenção de alguma editora para sua obra. Um
processo muito hipotético e mesmo assim lento. O jeito é se contentar com suas
traduções em inglês ou espanhol. Descobri um site no qual é possível conhecer um pouco mais
de sua vida e obra, bem como ler alguns de seus poemas: http://duszenko.northern.edu/stachura/. Atenção para o belíssimo "A letter to the remaining", que conclui o filme de forma brilhante.
O filme sequer possui registro no
IMDB, embora seja possível localizar seu ator principal, Patrick Drolet (foto à esquerda), e o
diretor, Bernard Émond, também autor do roteiro. Ambos têm certa experiência no
cinema local, Drolet com mais créditos, inclusive aparece em ponta em uma
produção obscura, Resgate de alto risco,
lançada em DVD no Brasil (vá entender). Já Émond dispõe de seis trabalhos (com
este, sete), basicamente rodados de 2001 para cá, mas nenhum também conhecido
do público brasileiro. Então, fica difícil avaliar se seu estilo é assim mesmo
ou se é uma obra diferenciada dentro de sua carreira. Centrando-se apenas no
drama em questão, é um nome a ser conhecido.
Só resta torcer para que alguma
distribuidora se anime e lance o filme por aqui.
Parece bem bonito. Pena que tão escondidinho, né?
ResponderExcluirAliás, por falar em escondidinho, por que você não comentou dele na Lista???
Beijão, delicioso fds.
Oi, Sheila, eu fico meio sem graça de postar comentários dos filmes que vejo na lista, leio tantas análises bacanas que fico inibido. Além de ser também uma forma de "chamar" o povo para ler meu blog (rs).
ResponderExcluirBeijão!