Muitas falhas técnicas à parte,
com sessões canceladas e suspensas em profusão (merece até uma coluna só sobre
isso), o Festival do Rio vem cumprindo seu papel de apresentar o que de melhor
e pior se faz nos cinemas do mundo. Em vez de postar diariamente, artifício que
se revelou inútil em 2009, quando cobri o evento aqui no blog, achei melhor
dividir os comentários sobre os filmes vistos em duas partes, esta e a outra,
quando ele se encerra. Por conta das falhas, não estou vendo tantos filmes
quanto gostaria e planejei. Vamos ao que vi na primeira semana.
18 COMIDAS – O cinema espanhol parece
gostar de histórias que tenham a comida como elemento central (Dieta mediterrânea, Bom apetite). O problema é que são todos insossos. Aqui são várias
histórias que se cruzam tendo como ponto de partida alguma refeição específica:
café da manhã, almoço e jantar. Mas com tanta fartura gastronômica na tela, o
roteiro não tem sabor nenhum. São tramas paralelas que se encontram em algum
ponto, mas só uma (a dos irmãos) é resolvida a contento. E o casal de idosos, o
que faz ali? Estrategicamente programado para o primeiro dia da maratona, mas
não me abriu o apetite. * *
TUDO QUE VOCÊ TEM – Professor se
desencanta do universo acadêmico e se isola para traduzir um poeta polonês que
ninguém conhece. Vive melancólico até descobrir que tem uma filha pré-adolescente,
fruto de relacionamento da juventude. Isso abala seu mundo, mas os erros do
passado cobrarão seu preço. Belo, triste e dolorido. Adorei, talvez por certa
identificação com o protagonista. Voltarei a este aqui mais adiante. * * * *
A VIRGEM, OS COPTAS E EU – O diretor
resolve fazer um filme sobre aparições da Virgem Maria em um vilarejo do Irã,
das quais sua mãe teria sido testemunha. Exercício de intimismo pessoal, sem
interesse para o espectador em
geral. O filme é salvo da irrelevância absoluta pelo bom
humor que o próprio diretor imprime à narrativa, sobretudo na parte final, a da
encenação das aparições da virgem. A mãe do rapaz é uma grande figura e critica
o filho o tempo todo por só fazer filmes ruins. * *
SONHOS DE UMA VIDA – A história
era intrigante. Uma mulher morre sozinha em casa e só três anos depois
descobrem o corpo, sem que ninguém tenha dado pela falta dela. A diretora investiga
o que levou a tamanha indiferença. Por que ninguém procurou aquela mulher, nem
sentiu sua falta ao longo de três anos? O problema foi a opção de mesclar
documentário (entrevistas com pessoas que conheceram e conviveram com ela) e
ficção (recriação dramatizada de alguns fatos descritos), que prejudicou o
resultado final. Podia ter sido um belo estudo sobre a invisibilidade que a
vida urbana confere a todos nós. * *
MONTY PYTON - A AUTOBIOGRAFIA DE
UM MENTIROSO – A grande sacada foi contar a biografia de Graham Chapman no
estilo das animações que nos acostumamos a ver nos filmes do grupo e em forma
de esquetes, ou seja, total identificação com o biografado. O estilo das
animações muda de acordo com o momento descrito na tela, indo do mais infantil
ao visualmente rebuscado. O melhor momento é a luta de boxe simbólica para
representar os problemas de alcoolismo enfrentados pelo comediante. Final
emocionante. Inteligente, ousado e criativo, mas não exatamente original. Pena
que o excesso de humor, às vezes, prejudique o resultado e comprometa o aspecto
documental. * * * *
BAIKONUR – Filme do Cazaquistão. Jovem
acolhe em sua casa uma cosmonauta francesa que se acidentou e se esqueceu quem
era. Ele então a convence de que são noivos e estão para casar. Comédia
simpática, que tem bons momentos na primeira parte, mas descamba para uma
fantasia romântica improvável na segunda metade. O roteiro poderia ter
explorado mais o choque de culturas entre a jovem francesa e a aldeia cazaque
no meio do nada onde ela vai parar. Lembrei de Tulpan, outra comédia singela feita naquele país há alguns anos e
que chegou a passar nos cinemas daqui. * *
SALA 514 – Uma jovem oficial do
exército israelense interroga um general acusado de cometer abuso contra uma
família. Aos poucos, vai percebendo que a verdade pode não ser aquilo em que
ela acredita. Praticamente todo rodado em um único ambiente, a tal sala do
título, onde acontecem os interrogatórios, sempre carregados de agressividade e
sarcasmo. Tenso, seco e claustrofóbico. * * *
SELVAGENS – Podem acusar Oliver
Stone de ser exagerado e descontrolado, mas não há como negar sua habilidade na
condução de uma história. Bem ao seu estilo, tem muita violência, mas é
valorizado pelo ritmo incessante, pela fotografia contrastante em cores quentes
e pela excelente direção de arte. Benício Del Toro assustador. Salma Hayek
tenta, mas não consegue passar toda a suposta vilania de sua personagem, a
madrinha de um império mexicano das drogas. Já o trio central é de uma
inexpressividade notável. Em cartaz nesta sexta-feira. * * * *
AS SESSÕES – A primeira
obra-prima do festival até aqui. O jornalista Mark O'Brian passou seus 38 anos
de vida imobilizado a uma maca, vítima de poliomielite. Sabendo que seu tempo
de vida é curto, resolve perder a virgindade. Para isso, contrata os serviços
de uma terapeuta sexual para deficientes, a quem aos poucos vai se
afeiçoando. Uma história quase inacreditável (baseada em fatos reais) que
tinha tudo para afundar na pieguice e na grosseria é contada em ritmo de alto
astral, com o bom humor transparecendo em ótimos e inspirados diálogos. John
Hawkes esplêndido no papel principal e Helen Hunt em atuação corajosa,
aparecendo em várias cenas de nu frontal. Olho neste aqui que pode ser lembrado
no Oscar em algumas categorias. Lição de vida e humanidade. Imperdível. * * * *
*
MOONRISE KINGDOM – Este é um dos
filmes mais elogiados por quase todo mundo que o viu. Permitam-me o direito de
discordar. Pra começar, não gosto do diretor Wes Anderson, então, já fica
difícil logo de cara apreciar alguma coisa que ele faz (gosto muito de O fantástico Sr. Raposo e só). Não sei
dizer exatamente o porquê. Talvez não curta seu humor, que acho meio bobinho,
pretensioso, meio triste. O fato é que tenho dificuldade para embarcar nos seus
filmes, "comprar" a proposta. Esse Moonrise kingdom não me comoveu nem me tocou em momento algum, bem
como a história não me disse nada. OK, para uma trama ambientada nos anos 60, é
claro que tinha de haver a idéia de liberdade, de mudanças, no caso
representada pelo casal pré-adolescente que tem problemas pessoais parecidos:
ele órfão, ela reprimida, se apaixonam (do nada) e resolvem fugir juntos.
Acabam capturados e pra mim a história acaba aí. A segunda metade, quando as
autoridades constituídas tentam afastar o casalzinho, chegou a ser penosa de
assistir, uma enrolação com algumas piadinhas visuais, até bem sacadas. Difícil
dar ao menos um sorriso. É uma aventurinha infanto-juvenil que se fosse
dirigida por outro diretor, nem passaria por aqui. De que adianta reunir um
elenco tão competente? Bruce Willis regular, até contido demais, Edward Norton
tentando fazer graça, Bill Murray desperdiçado, Tilda Swinton e
FrancesMcDormand sem o que fazer. Os dois protagonistas pioram as coisas. O
menino ainda tem certa expressividade, mas a menina passa o filme todo com uma
única expressão de tédio, em qualquer situação. Respeito muito a opinião dos
colegas que gostaram, mas sinceramente não sei o que viram tanto aqui - e os
aplausos muito tímidos no final da sessão podem indicar que a maioria também se
decepcionou. Ou vai ver sou eu mesmo que tenho má vontade com Wes Anderson. Mesmo
assim, está sendo apontado como possível finalista em várias indicações ao
Oscar. * *
A PINTURA DE GEHRARD RICHTER – Eu
ia ver outro filme, mas uma falha na produção (foram muitas até agora, chega a
irritar) trocou os arquivos de vídeo e acabou exibindo esse documentário sobre
um pintor alemão do qual, perdoem-me a ignorância, nunca tinha ouvido falar. Parece
que ele é meio recluso e só por isso o filme tem lá seu valor histórico, já que
Richter aparece dando entrevistas e comentando seu processo criativo. Para quem
conhece o artista, um prato cheio. Para mim, um tapa-buraco com gosto de
pepino. * *
DEPOIS DE LÚCIA – Vencedor do Câmera
D’Or em Cannes. Pai
e filha pré-adolescente se mudam para a Cidade do México e tentam reconstruir
suas vidas após a morte da esposa/mãe. Enquanto ele se refugia no trabalho
duro, ela sofre bullying na escola. As cenas de bullying são cruéis e difíceis
de ver. Nada especial, mas com ótimo final. * * *
9,79 – Documentário convencional
que parte da final dos 100m rasos nas Olimpíadas de 1988 para apresentar um
panorama sobre a onda de doping que assombrou o atletismo entre as décadas de
70 e 90. Todos os finalistas daquela prova são entrevistados nos dias atuais e
dão suas versões para o caso. Curiosidade: dos oito atletas em questão, cinco
tiveram problemas com doping e alguns foram banidos para toda a vida, como o
vencedor daquele ano, Ben Johnson, num dos maiores escândalos esportivos de
todos os tempos. O título é a marca estabelecida por Johnson, que não foi homologada e hoje já foi muito superada por Usain Bolt. Produção da ESPN Filmes, brevemente na sua TV a cabo. * *
PIETÁ – Este era o filme mais
aguardado da primeira semana do festival. Todas as sessões lotadas. Mas o
vencedor do Festival de Veneza é um pouco frustrante. Um cobrador de dívidas
para agiotas que usa métodos violentos para fazer seu trabalho se surpreende
com a aparição de uma mulher que diz ser sua mãe. O estilo contemplativo do
diretor temperado com pitadas de sangue e violência, mas em proporção bem menor
do que fez supor a imprensa. Para mim, pareceu uma mistura entre Mother e Oldboy, com algumas referências de outros filmes recentes,
inclusive a Trilogia da Vingança de Park Chan-Wook. Quem conhece o estilo de
Kim Ki-Duk vai estranhar o visual do filme, que é sujo, degradado e triste. É bom, mas
fica abaixo do que se esperava. * * *
VIOLA – Não adianta o festival
fazer estardalhaço de 450 filmes na programação se pega qualquer coisa
produzida em audiovisual e joga na tela. Os incautos compram e embarcam na
maior canoa furada. Começa com um exaustivo ensaio de peça de Shakesperare,
vira uma breve historinha sobre amizade feminina e termina sem conclusão. Um
filme absolutamente inútil, que não diz nada e nunca deixa clara sua proposta.
Desperdício de tempo. Prova que o Festival do Rio está se afundando num
gigantismo desnecessário, graças a exibição de fitas ridículas como esta.
Embora muito curto, é cansativo e repetitivo. Sem classificação.
QUARTO 237, TEORIAS LOUCAS SOBRE
"O ILUMINADO" – Historiadores, pesquisadores e fãs do clássico de
Kubrick expõem suas teorias acerca das mensagens e símbolos ocultos que o diretor espalhou ao
longo dos 144 minutos de seu filme. Inteiramente editado com cenas de filmes
do diretor; os entrevistados nunca aparecem, só se ouve suas vozes. Algumas
teorias são perturbadoras, outras ridículas. Dá vontade de rever O iluminado para conferir - e formular
as próprias. Divertido, mas um pouco longo demais. * * *
PLANETA SOLITÁRIO – Jovem casal perto de se casar sai em excursão pelas montanhas da Geórgia tendo a companhia apenas de um guia local. Planos longos, poucos e irrelevantes diálogos, algumas cenas constrangedoras. Gael García Bernal arranha mais uma vez sua condição de estrela e se mete numa produção sem muito sentido. Salvam-se as belas locações, a atriz ruiva (Hani Furstenberg) e a musiquinha vibrante que toca logo no começo. * *
PLANETA SOLITÁRIO – Jovem casal perto de se casar sai em excursão pelas montanhas da Geórgia tendo a companhia apenas de um guia local. Planos longos, poucos e irrelevantes diálogos, algumas cenas constrangedoras. Gael García Bernal arranha mais uma vez sua condição de estrela e se mete numa produção sem muito sentido. Salvam-se as belas locações, a atriz ruiva (Hani Furstenberg) e a musiquinha vibrante que toca logo no começo. * *
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