quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Pílulas do Festival do Rio 2012 - primeira parte

Muitas falhas técnicas à parte, com sessões canceladas e suspensas em profusão (merece até uma coluna só sobre isso), o Festival do Rio vem cumprindo seu papel de apresentar o que de melhor e pior se faz nos cinemas do mundo. Em vez de postar diariamente, artifício que se revelou inútil em 2009, quando cobri o evento aqui no blog, achei melhor dividir os comentários sobre os filmes vistos em duas partes, esta e a outra, quando ele se encerra. Por conta das falhas, não estou vendo tantos filmes quanto gostaria e planejei. Vamos ao que vi na primeira semana.

18 COMIDAS – O cinema espanhol parece gostar de histórias que tenham a comida como elemento central (Dieta mediterrânea, Bom apetite). O problema é que são todos insossos. Aqui são várias histórias que se cruzam tendo como ponto de partida alguma refeição específica: café da manhã, almoço e jantar. Mas com tanta fartura gastronômica na tela, o roteiro não tem sabor nenhum. São tramas paralelas que se encontram em algum ponto, mas só uma (a dos irmãos) é resolvida a contento. E o casal de idosos, o que faz ali? Estrategicamente programado para o primeiro dia da maratona, mas não me abriu o apetite. * *

TUDO QUE VOCÊ TEM – Professor se desencanta do universo acadêmico e se isola para traduzir um poeta polonês que ninguém conhece. Vive melancólico até descobrir que tem uma filha pré-adolescente, fruto de relacionamento da juventude. Isso abala seu mundo, mas os erros do passado cobrarão seu preço. Belo, triste e dolorido. Adorei, talvez por certa identificação com o protagonista. Voltarei a este aqui mais adiante. * * * *

A VIRGEM, OS COPTAS E EU – O diretor resolve fazer um filme sobre aparições da Virgem Maria em um vilarejo do Irã, das quais sua mãe teria sido testemunha. Exercício de intimismo pessoal, sem interesse para o espectador em geral. O filme é salvo da irrelevância absoluta pelo bom humor que o próprio diretor imprime à narrativa, sobretudo na parte final, a da encenação das aparições da virgem. A mãe do rapaz é uma grande figura e critica o filho o tempo todo por só fazer filmes ruins. * *

SONHOS DE UMA VIDA – A história era intrigante. Uma mulher morre sozinha em casa e só três anos depois descobrem o corpo, sem que ninguém tenha dado pela falta dela. A diretora investiga o que levou a tamanha indiferença. Por que ninguém procurou aquela mulher, nem sentiu sua falta ao longo de três anos? O problema foi a opção de mesclar documentário (entrevistas com pessoas que conheceram e conviveram com ela) e ficção (recriação dramatizada de alguns fatos descritos), que prejudicou o resultado final. Podia ter sido um belo estudo sobre a invisibilidade que a vida urbana confere a todos nós. * *

MONTY PYTON - A AUTOBIOGRAFIA DE UM MENTIROSO – A grande sacada foi contar a biografia de Graham Chapman no estilo das animações que nos acostumamos a ver nos filmes do grupo e em forma de esquetes, ou seja, total identificação com o biografado. O estilo das animações muda de acordo com o momento descrito na tela, indo do mais infantil ao visualmente rebuscado. O melhor momento é a luta de boxe simbólica para representar os problemas de alcoolismo enfrentados pelo comediante. Final emocionante. Inteligente, ousado e criativo, mas não exatamente original. Pena que o excesso de humor, às vezes, prejudique o resultado e comprometa o aspecto documental. * * * *

BAIKONUR – Filme do Cazaquistão. Jovem acolhe em sua casa uma cosmonauta francesa que se acidentou e se esqueceu quem era. Ele então a convence de que são noivos e estão para casar. Comédia simpática, que tem bons momentos na primeira parte, mas descamba para uma fantasia romântica improvável na segunda metade. O roteiro poderia ter explorado mais o choque de culturas entre a jovem francesa e a aldeia cazaque no meio do nada onde ela vai parar. Lembrei de Tulpan, outra comédia singela feita naquele país há alguns anos e que chegou a passar nos cinemas daqui. * *

SALA 514 – Uma jovem oficial do exército israelense interroga um general acusado de cometer abuso contra uma família. Aos poucos, vai percebendo que a verdade pode não ser aquilo em que ela acredita. Praticamente todo rodado em um único ambiente, a tal sala do título, onde acontecem os interrogatórios, sempre carregados de agressividade e sarcasmo. Tenso, seco e claustrofóbico. * * *

SELVAGENS – Podem acusar Oliver Stone de ser exagerado e descontrolado, mas não há como negar sua habilidade na condução de uma história. Bem ao seu estilo, tem muita violência, mas é valorizado pelo ritmo incessante, pela fotografia contrastante em cores quentes e pela excelente direção de arte. Benício Del Toro assustador. Salma Hayek tenta, mas não consegue passar toda a suposta vilania de sua personagem, a madrinha de um império mexicano das drogas. Já o trio central é de uma inexpressividade notável. Em cartaz nesta sexta-feira. * * * *

AS SESSÕES – A primeira obra-prima do festival até aqui. O jornalista Mark O'Brian passou seus 38 anos de vida imobilizado a uma maca, vítima de poliomielite. Sabendo que seu tempo de vida é curto, resolve perder a virgindade. Para isso, contrata os serviços de uma terapeuta sexual para deficientes, a quem aos poucos vai se afeiçoando. Uma história quase inacreditável (baseada em fatos reais) que tinha tudo para afundar na pieguice e na grosseria é contada em ritmo de alto astral, com o bom humor transparecendo em ótimos e inspirados diálogos. John Hawkes esplêndido no papel principal e Helen Hunt em atuação corajosa, aparecendo em várias cenas de nu frontal. Olho neste aqui que pode ser lembrado no Oscar em algumas categorias. Lição de vida e humanidade. Imperdível. * * * * *

MOONRISE KINGDOM – Este é um dos filmes mais elogiados por quase todo mundo que o viu. Permitam-me o direito de discordar. Pra começar, não gosto do diretor Wes Anderson, então, já fica difícil logo de cara apreciar alguma coisa que ele faz (gosto muito de O fantástico Sr. Raposo e só). Não sei dizer exatamente o porquê. Talvez não curta seu humor, que acho meio bobinho, pretensioso, meio triste. O fato é que tenho dificuldade para embarcar nos seus filmes, "comprar" a proposta. Esse Moonrise kingdom não me comoveu nem me tocou em momento algum, bem como a história não me disse nada. OK, para uma trama ambientada nos anos 60, é claro que tinha de haver a idéia de liberdade, de mudanças, no caso representada pelo casal pré-adolescente que tem problemas pessoais parecidos: ele órfão, ela reprimida, se apaixonam (do nada) e resolvem fugir juntos. Acabam capturados e pra mim a história acaba aí. A segunda metade, quando as autoridades constituídas tentam afastar o casalzinho, chegou a ser penosa de assistir, uma enrolação com algumas piadinhas visuais, até bem sacadas. Difícil dar ao menos um sorriso. É uma aventurinha infanto-juvenil que se fosse dirigida por outro diretor, nem passaria por aqui. De que adianta reunir um elenco tão competente? Bruce Willis regular, até contido demais, Edward Norton tentando fazer graça, Bill Murray desperdiçado, Tilda Swinton e FrancesMcDormand sem o que fazer. Os dois protagonistas pioram as coisas. O menino ainda tem certa expressividade, mas a menina passa o filme todo com uma única expressão de tédio, em qualquer situação. Respeito muito a opinião dos colegas que gostaram, mas sinceramente não sei o que viram tanto aqui - e os aplausos muito tímidos no final da sessão podem indicar que a maioria também se decepcionou. Ou vai ver sou eu mesmo que tenho má vontade com Wes Anderson. Mesmo assim, está sendo apontado como possível finalista em várias indicações ao Oscar. * *

A PINTURA DE GEHRARD RICHTER – Eu ia ver outro filme, mas uma falha na produção (foram muitas até agora, chega a irritar) trocou os arquivos de vídeo e acabou exibindo esse documentário sobre um pintor alemão do qual, perdoem-me a ignorância, nunca tinha ouvido falar. Parece que ele é meio recluso e só por isso o filme tem lá seu valor histórico, já que Richter aparece dando entrevistas e comentando seu processo criativo. Para quem conhece o artista, um prato cheio. Para mim, um tapa-buraco com gosto de pepino. * *

DEPOIS DE LÚCIA – Vencedor do Câmera D’Or em Cannes. Pai e filha pré-adolescente se mudam para a Cidade do México e tentam reconstruir suas vidas após a morte da esposa/mãe. Enquanto ele se refugia no trabalho duro, ela sofre bullying na escola. As cenas de bullying são cruéis e difíceis de ver. Nada especial, mas com ótimo final. * * *

9,79 – Documentário convencional que parte da final dos 100m rasos nas Olimpíadas de 1988 para apresentar um panorama sobre a onda de doping que assombrou o atletismo entre as décadas de 70 e 90. Todos os finalistas daquela prova são entrevistados nos dias atuais e dão suas versões para o caso. Curiosidade: dos oito atletas em questão, cinco tiveram problemas com doping e alguns foram banidos para toda a vida, como o vencedor daquele ano, Ben Johnson, num dos maiores escândalos esportivos de todos os tempos. O título é a marca estabelecida por Johnson, que não foi homologada e hoje já foi muito superada por Usain Bolt. Produção da ESPN Filmes, brevemente na sua TV a cabo. * *

PIETÁ – Este era o filme mais aguardado da primeira semana do festival. Todas as sessões lotadas. Mas o vencedor do Festival de Veneza é um pouco frustrante. Um cobrador de dívidas para agiotas que usa métodos violentos para fazer seu trabalho se surpreende com a aparição de uma mulher que diz ser sua mãe. O estilo contemplativo do diretor temperado com pitadas de sangue e violência, mas em proporção bem menor do que fez supor a imprensa. Para mim, pareceu uma mistura entre Mother e Oldboy, com algumas referências de outros filmes recentes, inclusive a Trilogia da Vingança de Park Chan-Wook. Quem conhece o estilo de Kim Ki-Duk vai estranhar o visual do filme, que é sujo, degradado e triste. É bom, mas fica abaixo do que se esperava. * * *

VIOLA – Não adianta o festival fazer estardalhaço de 450 filmes na programação se pega qualquer coisa produzida em audiovisual e joga na tela. Os incautos compram e embarcam na maior canoa furada. Começa com um exaustivo ensaio de peça de Shakesperare, vira uma breve historinha sobre amizade feminina e termina sem conclusão. Um filme absolutamente inútil, que não diz nada e nunca deixa clara sua proposta. Desperdício de tempo. Prova que o Festival do Rio está se afundando num gigantismo desnecessário, graças a exibição de fitas ridículas como esta. Embora muito curto, é cansativo e repetitivo. Sem classificação.

QUARTO 237, TEORIAS LOUCAS SOBRE "O ILUMINADO" – Historiadores, pesquisadores e fãs do clássico de Kubrick expõem suas teorias acerca das mensagens e símbolos ocultos que o diretor espalhou ao longo dos 144 minutos de seu filme. Inteiramente editado com cenas de filmes do diretor; os entrevistados nunca aparecem, só se ouve suas vozes. Algumas teorias são perturbadoras, outras ridículas. Dá vontade de rever O iluminado para conferir - e formular as próprias. Divertido, mas um pouco longo demais. * * *

PLANETA SOLITÁRIO – Jovem casal perto de se casar sai em excursão pelas montanhas da Geórgia tendo a companhia apenas de um guia local. Planos longos, poucos e irrelevantes diálogos, algumas cenas constrangedoras. Gael García Bernal arranha mais uma vez sua condição de estrela e se mete numa produção sem muito sentido. Salvam-se as belas locações, a atriz ruiva (Hani Furstenberg) e a musiquinha vibrante que toca logo no começo. * *

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