O exorcista (1973) |
Eu
ia usar outro título, "O capeta que nós amamos", mas temi ferir
sensibilidades religiosas dos eventuais leitores ou ser acusado de não
respeitar as crenças alheias. Apesar de provocativo, seria mais adequado, já
que é raro um fã de filme de horror não gostar de O exorcista. Muitos o consideram o melhor filme do gênero, embora
caiba discussão nesse particular. Há quem prefira O iluminado (1981), de Kubrick, outros defendem que O bebê de Rosemary (1968), de Polanski,
é a obra-prima do gênero, e há ainda aqueles que citam Monstros (1932), de Tod Browning. Independente da escolha, fato é
que O exorcista, de todo o modo,
figura em qualquer lista de melhores filmes de horror de todos os tempos. Em
2013, ele completa 40 anos de seu lançamento e a data é festejada por cinéfilos
e admiradores.
Meu
primeiro contato com a história se deu no começo da década de 90, período em
que eu começava a formar minha cinefilia, ia conhecendo os grandes filmes da
história do cinema - primeiro de ler sobre eles em guias de vídeo, depois, aos
poucos, alugando-os e assistindo-os em casa; era a época em que eu
"assaltava" a locadora todo final de semana - e, como faço até hoje
na maior parte das vezes, parti do material impresso, no caso, o romance
homônimo escrito por William Peter Blatty, que descobri em um sebo, já que o
título estava esgotado nas livrarias, e assim permanece até hoje. Li o livro em
três dias, literalmente: após passar incólume pela chatíssima primeira parte,
mergulhei na história e devorei as duas partes seguintes, sempre durante o dia,
já que a narrativa era por demais assustadora para que eu a lesse à noite.
Fiquei arrepiado e muito curioso em conferir a adaptação. Aqui, minha memória
me trai e não lembro se vi o filme dublado em alguma exibição na TV ou se aluguei
a fita - na época era VHS mesmo. Fato é que não me decepcionei, muito pelo
contrário. O filme era realmente apavorante, e diferente de outras coisas que
eu já tinha visto no gênero porque tratava de uma premissa plausível, o fato de
alguém ser possuído por uma força maligna.
Em 2003, O exorcista foi relançado mundialmente nos
cinemas, para festejar os 30 anos de sua estréia, na
chamada "versão do
diretor", ou seja, com cenas adicionais, que aumentavam a sua metragem de
122 para 135 minutos, incluindo a hoje famosa "cena da aranha", e
tornavam mais assustadores alguns detalhes de composição climática, como vultos
demoníacos escondidos nas partes escuras de algumas cenas. Talvez por se tratar
de um filme antigo, conhecido por muita gente e sem maior apelo comercial, ficou
pouquíssimo tempo em cartaz. Fui conferi-lo (em uma sessão praticamente
deserta, o que tornou a experiência de vê-lo na tela grande mais aterradora) e
o filme não havia perdido nada de seu impacto, a remontagem o tornou ainda
melhor, e mais assustador. Essa versão acabou se tornando a oficial que saiu
depois em DVD. A Warner já havia distribuído o filme pouco tempo antes em uma
edição especial, repleta de extras, infelizmente não legendados em português,
com destaque para o excelente documentário O medo de Deus,
produzido pela BBC, em que são exibidas as cenas deletadas que depois foram
incorporadas à narrativa. Por via das dúvidas, tenho ambas as versões na minha
coleção. Lá fora, a Warner já prepara uma edição comemorativa em Blu-Ray (tudo
agora é nesse formato, a indústria quer impô-lo de qualquer jeito, obrigando os
colecionadores a trocarem seus equipamentos) repleta de extras inéditos (outra
coisa que me surpreende, a cada edição especial lançam mais material inédito,
será um poço sem fundo? Ou as distribuidoras o negligenciam deliberadamente,
sempre de olho no que podem faturar em casos assim?). No Brasil, ainda não se
fala nela.
Capa das primeiras edições (1972) |
Quem nunca sentiu medo vendo essa cena? Sai, capeta! |
Em
1974, O exorcista se tornou o
primeiro (e, a rigor, até hoje único) filme de horror a ser indicado ao Oscar.
Além da categoria principal, concorreu em outras nove, ganhando como Roteiro
Adaptado (escrito pelo próprio Blatty, que também assinou e dirigiu a terceira
parte, além de roteirizar a preqüência de 2004, O exorcista - O início) e Som. Mas ficou famoso também pela série
de coincidências envolvendo sua produção e os artistas e técnicos que
participaram de sua realização. Todos, de uma forma ou de outra, foram vítimas
do que posteriormente ficou conhecido como "Maldição do Exorcista".
As mais famosas e comentadas citam a morte do ator Jack MacGowran, que faz
Burke Dennings, uma semana após a estréia do filme, e acidentes e mortes
misteriosas envolvendo a equipe técnica. Há outros fatos conexos. Linda Blair,
então uma promissora estrelinha de 14 anos, em seu primeiro papel de destaque,
foi indicada ao Oscar de Coadjuvante, mas nunca decolou na carreira, que acabou
restrita a produções B e obscuras. O diretor William Friedkin, que vinha de
outro sucesso, Operação França, caiu
em desgraça e passou mais de três décadas no semi-ostracismo, somente se
recuperando perante a crítica no ano passado, quando rodou Killer Joe - Matador de aluguel. A "maldição" alcançou
até o Cine Copacabana, que abrigou o relançamento em 2003: no final daquele
ano, ele foi desativado, e hoje no lugar funciona uma academia de ginástica,
das mais caras, aliás. Ou seja, não se crê em bruxas, mas...
Diante
do desanimador cenário em que se encenam atualmente as produções de horror, a
maioria nem merecendo ser chamada assim, O
exorcista ganha ainda mais em importância. Firmou-se como um clássico
inquestionável do gênero, que manteve a força mesmo com a diluição de sua fórmula nas continuações. Também rendeu inúmeras imitações e uma paródia, A repossuída (1990), com Leslie Nielsen e a própria Linda Blair, já decadente, defendendo uns trocados se expondo ao ridículo e fazendo piada com o papel que a consagrou. Ainda que tenha envelhecido em alguns aspectos, continua
a causar calafrios. Experimente assisti-lo à noite, sozinho em casa.