Depois de tantos erros na edição do ano passado, parece que a organização caiu em si e resolveu caprichar mais desta vez. A programação foi liberada com uma semana de antecedência, as vendas pela internet funcionaram bem e as sessões vem começando rigorosamente no horário, um detalhe fundamental para manter uma grade sem sobressaltos. Claro que nem tudo é perfeito - uma sessão foi cancelada porque a cópia não tinha legendas - , mas estão se esforçando e no caminho para, um dia, quem sabe, fazer um evento sem problemas.
Este ano meti o pé na porta e comprei o passaporte de 50 filmes. Então, há várias sessões noturnas, o que me impede de atualizar o blog no prazo costumeiro. A lista abaixo relaciona o que vi na primeira semana e compreende os dias 27/9 (sexta-feira) e 3/10 (quinta-feira). A postagem da próxima semana entrará no ar até as 12h da sexta-feira (11/10).
NEBRASKA - Alexander Payne
arrisca um suicídio comercial com este road movie sobre velhice rodado em preto
e branco. A aposta, porém, resulta
no que talvez seja seu melhor trabalho, com belíssima fotografia e vários
diálogos inspirados e bem engraçados. Bruce Dern comovente como o octogenário
que cisma que ganhou um prêmio na loteria, bem coadjuvado por June Squibb, a esposa
desbocada. Ambos podem abocanhar indicações ao Oscar, bem como o filme pode ser
lembrado em outras categorias. * * *
BLACKFISH -
FÚRIA ANIMAL - Depois
de um prólogo algo cansativo, em que são detalhados aspectos da vida das orcas,
o documentário apresenta o caso do SeaWorld de Orlando, acusado de maus-tratos
contra os animais que lá se apresentam. Ex-treinadores do parque e cientistas
marinhos prestam depoimentos em que confirmam as acusações. Várias cenas
chocantes flagram ataques das baleias durante o treinamento. Nada que ninguém
já não saiba que existe, mas a denúncia sempre é válida. * * *
NÓS SOMOS OS
MELHORES! -
Retorno de Lukas Moodyson à narrativa convencional, após um longo período de
experimentalismos visuais. Na Estocolmo de 1982, três garotas socialmente
desajustadas resolvem formar uma banda de punk rock. Olhar carinhoso sobre o
universo adolescente que lhe deu fama com Amigas
de colégio (1999), baseado em livro escrito por sua esposa, Coco,
evidentemente com toques autobiográficos. Tem alguns momentos engraçados, mas o
filme é longo demais e se perde em uma anarquia narrativa ainda prejudicada
pela música, alta e chata. * *
A GAROTA DAS
NOVE PERUCAS - Moça
descobre que tem um raro tipo de câncer e, durante o tratamento, passa a
alternar tipos diferentes de perucas, compondo uma personalidade específica
para cada uma. Os alemães parecem gostar de filmes sobre câncer - ano passado,
foi o ótimo mas pesado Parada em pleno
curso. Este investe em um humor melancólico para suavizar o drama da situação
e até consegue, com uma boa atuação da protagonista. Mas o filme é bem menos do
que sugere a atraente sinopse. * *
EU SOU DIVINE - Demorou até que
alguém fizesse um documentário sobre Divine, a musa trash do diretor John
Waters, que superou todos os preconceitos e se tornou uma estrela do
underground norte-americano. Mostra cenas de suas apresentações em clubes
noturnos e várias passagens de seus filmes, inclusive comprovando que a cena
final de Pink flamingos foi aquilo
mesmo, sem montagens ou efeitos especiais. Informativo e divertido, uma homenagem à altura do biografado. * * *
UM EPISÓDIO NA
VIDA DE UM CATADOR DE FERRO-VELHO - Não entendi a proposta do diretor Danis
Tanovic (do premiado Terra de ninguém,
2001) em recriar o drama de uma pobre família bósnia, cuja mãe precisa de um
tratamento médico, mas não dispõe do dinheiro necessário para o custeio. A
novidade é que ele usa a família verdadeira para interpretar seus próprios
papéis e reviver a experiência, agora em termos ficcionais, o que deve ter sido
bem doloroso. O registro resulta frio e um tanto cansativo, apesar da
curtíssima duração (apenas 75 minutos). Foi surpresa ter ganho prêmio de ator
em Berlim (Nazif Mujic, o pai), já que ele interpreta a si próprio. O caso
mostrado na tela, infelizmente, não é novidade para os brasileiros, que
enfrentam situações muito semelhantes todos os dias. Sem maiores destaques. *
SONAR - Chegou muito
falado, mas é uma decepção. Praticamente não há história, embora sempre seja possível
que alguém veja implicações metafísicas ou psicanalíticas neste estático drama
alemão. Um grupo de jovens se reúne em uma casa de campo para relembrar um
amigo que cometeu suicídio. Durante o processo, verdades são reveladas e
algumas catarses acontecem. O filme é um encadeamento de cenas sem muita
ligação entre si. Em certo momento, uma das personagens diz: "Não faço a
menor idéia do que estamos fazendo aqui." O público deve ter pensado a
mesma coisa.
MAR NEGRO - Chegou a ser um dos títulos mais disputados da primeira semana do evento. A organização, estranhamente, preferiu escondê-lo na sala 2 do CCJF, de apenas 56 lugares. O capixaba Rodrigo Aragão
melhora a cada filme. Desta vez, contou com orçamento superior ao de seus
trabalhos anteriores, Mangue negro e A noite do chupacabras, e o resultado é
visto na tela, explodindo em seqüências de grande impacto visual, com maquiagem
elaborada e um bom design dos monstros. Discípulo de Mojica Marins, Aragão se
assume como trash, mas o faz com bastante carinho pelo cinema e sem se levar
muito a sério. Grande diversão. * * *
NOSSA QUERIDA
FREDA, A SECRETÁRIA DOS BEATLES - Freda Kelly trabalhou como secretária
dos Beatles por 11 anos, entre 1962 e 1973. Se pouco ou nada se falou sobre ela até hoje, foi por
escolha própria. Ela optou por se manter distante da mídia durante todos estes
anos, renegando a fama que poderia ter alcançado, tanto que trabalha até hoje,
ainda como secretária, para pagar as contas. Foi redescoberta agora pelo
diretor Ryan White, para quem aceitou contar sua história. Freda se revela ótimo
personagem para um documentário: é simpática, não posa de estrela e vai
desfiando lembranças e memórias com muito bom humor. Mas não espere revelações
bombásticas nem polêmicas: ela se limita a contar curiosidades dos bastidores e
de seu relacionamento com o quarteto. Na única pergunta mais indiscreta, se ela
chegou a ter um caso com algum dos rapazes de Liverpool, Freda responde, após
um curto silêncio: "Não! Vamos pular essa!". Os fãs dos Beatles vão
gostar. * * *
DETETIVE CEGO - Johnny To é um
dos principais nomes do cinema asiático atualmente. Eu nunca tinha visto nada
dele e não gostei. Achei tudo exagerado, gritado, com personagens caricatos, parecendo
um sub-Jackie Chan com a combinação de ação, violência e humor meio
infantilóide. Não sei se o estilo dele é esse mesmo ou se fui mal apresentado a
ele. Longo demais, mas o roteiro tem algumas reviravoltas interessantes. * *
O UIVO DA GAITA
- Outra
bizarrice experimental de Bruno Safadi, que insiste em fazer um tipo de cinema
que não interessa e ninguém quer ver. Apesar de tecnicamente perfeito -
enquadramentos, movimentos de câmera, fotografia, locações, música - , a
narrativa é muito aborrecida e não consegue dialogar com o espectador. Recebido
com bastante frieza ao final da sessão. *
OS LOBOS MAUS - A mesma dupla de
diretores de Raiva, o primeiro filme
israelense de terror, volta com um roteiro mais enxuto e absorvente. Um
pedófilo está torturando e matando menininhas em uma área rural da capital. Um
suspeito é capturado por um policial e pelo pai de uma das vítimas, que o
obrigarão a confessar usando métodos ainda mais bárbaros que os do assassino. Com
montagem dinâmica e explosões sonoras que acentuam o clima de suspense, o filme
é tenso do início ao fim, com algumas doses de humor negro para aliviar. Uma
ótima surpresa, mas o final aberto e inconcluso pode desagradar alguns
espectadores. * * * *
O TEOREMA ZERO -
É
uma decepção este novo trabalho do diretor Terry Gilliam, que volta a dirigir
um filme de ficção científica após 18 anos (o último havia sido Os 12 macacos, de 1995). Se por um lado
seu visual delirante continua enchendo os olhos da platéia, por outro, ele
repete o erro cometido em O mundo
imaginário do Dr. Parnassus (2009), seu último filme: as qualidades
estéticas garantem o interesse de uma trama confusa e pouco envolvente. A premissa
é um tanto presunçosa. No caso, o tal teorema zero é uma fórmula matemática
que, se decifrada, pode revelar qual é o sentido da vida. Só que ninguém parece
muito interessado em sua resolução, já que isso mal é citado na história, e
nenhuma ação se desenvolve a partir daí. A rigor, apenas o cientista Qohen Leth
(Christopher Waltz) se debruça para resolvê-la, a mando do Gerente, uma figura
misteriosa e que nunca aparece (também mal explicado). Seu trabalho é
constantemente interrompido pelas aparições de uma garota sexy que se diz
interessada nele, um adolescente nerd que se dispõe a ajudá-lo e uma dupla de
gêmeos que lhe faz ameaças gratuitas. Tudo e todos podem ser apenas um delírio
de sua mente conturbada, inclusive o próprio universo futurista em que se
desenrola a narrativa. O roteiro explica mal muita coisa e ainda perde tempo
com algumas bobagens (como a pizza musical). Frustrante, mas o visual sempre
espetacular que é a marca de Gilliam merece ser conferido. * *
O FUTURO - Após a morte dos
pais, casal de irmãos acaba se envolvendo no crime meio sem querer. Rutger
Hauer faz um ex-astro de fitas baratas de aventura dos anos 50 que vive recluso
e vira o alvo da dupla. Rito de passagem filmado com competência, com uma
elipse temporal logo no começo que já antecipa o destino dos personagens.
Alguns espectadores saíram frustrados, mas eu gostei, talvez porque não esperasse mesmo muito mais. * * *
MANUSCRITOS NÃO
QUEIMAM - O
filme que eu ia ver foi cancelado, então atravessei a rua e encaixei este aqui.
Só pelo histórico já merecia ser visto. O diretor Mohammad Rasoulof está
proibido de filmar no país por 20 anos, mas não se rendeu ao regime e, na
clandestinidade, realizou este thriller empolgante que toca em assuntos
delicados e discute a ética em um país onde quase tudo é censurado. Só por isso
já valeria a vista, mas o filme é mais que uma curiosidade. Um exercício de suspense
diferente, sem trilha sonora e com ótima condução de atores. Ainda mais
apavorante por ser baseado em um caso real. Seco e direto. Para garantir a
segurança dos envolvidos, nem há créditos nem do elenco, nem da equipe técnica.
* * * *
COMO NÃO PERDER
ESSA MULHER - Joseph
Gordon-Levitt estréia na direção com essa comédia romântica para homens,
seguindo a linha de Judd Apatow, com sexo e muitos palavrões. Ele mesmo faz o
protagonista, um viciado em se masturbar enquanto assiste a vídeos
pornográficos na internet, que não consegue resolver o problema nem quando
conhece Scarlett Johansson. O roteiro diverte no começo, com algumas sacadas
criativas - a malhação feita no ritmo das orações, uma piada que certamente
ofenderá os católicos - , mas cai bastante na segunda metade, sobretudo após a
entrada em cena de Julianne Moore - não pela atriz, que é ótima, mas por sua
personagem absurda, que leva a uma resolução ainda mais inconvincente. Na
verdade, tanto ela quanto a personagem de Scarlett mais parecem a voz da
consciência do protagonista do que mulheres reais. Dá para rir, mas no todo é
fraco. Curiosidades: Cuba Gooding Jr. e Anne Hathaway fazem pontinhas não
creditadas como o casal apaixonado de uma comédia romântica que Levitt e
Scarlett vão assistir juntos; Itália Ricci, que interpreta a irmã muda do
rapaz, sempre agarrada ao celular, e que tem uma única e decisiva fala no filme
todo, apesar do sobrenome, não tem parentesco com Christina Ricci. * *
HALLEY - Não se trata do
cometa. A história é sobre Beto, um zumbi que trabalha como recepcionista de
uma academia. Cansado da "vida", resolve se matar de vez, mas para
isso terá de esquecer o amor que sente por Sílvia, a dona do lugar. Parece
engraçado, mas é apenas aborrecido. Filme lento, quase sem diálogos e a proposta do diretor
nunca fica muito clara. Não se sabe se é comédia de horror, drama metafísico ou
simplesmente um filme de terror metido a novidade. O clima de fantasia sugerido
pelo roteiro não encontra apoio na realização excessivamente realista. Uma boa idéia mal desenvolvida. *
JOVEM E BELA - O tema da
prostituição juvenil já foi explorado até o osso no cinema. Aqui, Ozon nada
acrescenta de novo. Ele parece ter se inspirado em outro filme francês, Meus caros estudos, para contar a
história de uma estudante (jovem e bela, como diz o título, mas magra demais) de
família rica e que, mesmo assim, resolve fazer programas. Um dos filmes menos
inspirados de um diretor sempre interessante. * *
BLUE JASMINE - O novo de Woody
Allen acabou sendo a grande atração dessa primeira semana do festival, com
todas as sessões lotadas. Cate Blanchett arrasa como uma socialite falida que
se muda para São Francisco e precisa reencontrar seu lugar no mundo. Como
sempre, há ótimos diálogos, uma narrativa ousada, com idas e vindas no tempo, e
mais um excelente personagem feminino criado pelo diretor, que pode render a Cate
seu primeiro Oscar na categoria principal (ela já tem um como coadjuvante). Parece até que o filme foi escrito para ela, em sua primeira parceria com o diretor, e a atriz corresponde com sobras, compondo uma ex-nova-rica que perdeu o glamour e agora tem de se virar para sobreviver e vai morar com a irmã, remediada (a inglesa Sally Hawkins), que chegou a ter muito dinheiro também, mas foi enganada pelo ex-marido da irmã. É
melhor que Para Roma, com amor, mas
inferior a Meia-noite em Paris. De
todo o modo, um filme de Woody Allen é sempre superior a qualquer coisa lançada
nos cinemas. * * *
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