3.096 dias (2013) |
Na
semana passada, a polícia inglesa libertou três mulheres que viviam em cárcere
privado há 30 anos em uma pequena cidade do interior daquele país. Embora
chocante, o caso, infelizmente, está longe de ser isolado. De vez em quando a
imprensa divulga episódios semelhantes, que apenas se distinguem pelo grau de
perversidade e crueldade aplicado contra as vítimas. Há poucos meses, foi nos
Estados Unidos, onde um lunático matinha também um trio de mulheres confinadas
em um porão. Todos vêm se juntar ao mais comentado, ocorrido na Áustria em
2006, de forte impacto midiático: o de Natascha Kampusch.
Muitos
devem se lembrar desse caso. Natascha foi seqüestrada no dia 2 de março de 98,
a caminho da escola, quando tinha 10 anos. Permaneceu encarcerada por oito anos,
até conseguir fugir, no dia 23 de agosto de 2006. Seu drama chocou e comoveu o
mundo, também pelo fim trágico que teve seu seqüestrador, Wolfgang Priklopil,
que se jogou na frente de um trem após descobrir a fuga da jovem. Parecia
incrível que essa história de grande apelo popular ainda não tivesse sido
contada pelo cinema, especialmente por Hollywood, que adora esse tipo de coisa. Na Áustria, foi feito um documentário para a TV em 2010. Mas somente agora, com
bastante atraso, finalmente chegou às telas a versão ficcional, 3.096 dias, produção alemã dirigida por Sherry Hormann (de Flor do deserto), falada em inglês, certamente para facilitar a
aceitação em solo americano.
Capa do livro, lançado em 2010. |
O
titulo é o mesmo do livro que foi lançado no Brasil em 2010 pela Verus, e que
serviu de base para o roteiro. É narrado pela própria Natascha, que contou sua
história a duas jornalistas, com riqueza de detalhes, alguns bastante
chocantes, como as sessões de espancamento a que era submetida por Priklopil,
às vezes por nada. Houve um primeiro livro lançado na Áustria logo depois de
ela ter escapado, restrito ao mercado local, de tom aproveitador, tentando
capitalizar em cima da "fama repentina" da moça e, segundo seu advogado, escrito com
propósitos francamente comerciais.
Mas
ninguém precisa ter lido o livro para ver o filme, mesmo porque não há que se
preocupar se a adaptação foi "benfeita" ou "incompleta".
Não é uma história de ficção, apesar de que, diante de casos assim, sempre
ficamos pensando que tudo saiu da mente de algum roteirista perverso. Talvez
seja até melhor não ler o relato antes, para que o choque seja maior, e neste
caso, tal elemento é fundamental para a percepção do espectador, para uma
experiência mais profunda. Felizmente o roteiro poupa o público de detalhes
mais escabrosos, estes sim presentes no livro, além de sugerir um assédio
sexual quase explícito entre Priklopil e Natascha. Há menos cenas de violência
do que faz supor o texto escrito e este é um mérito, transmitir toda a
crueldade da situação sem apelar para sensacionalismos baratos ou recursos
fáceis de torturas óbvias, algo que os diretores do gênero horror já perderam a
vergonha de fazer há anos.
Cenas reais do cativeiro de Natascha. |
Como
Natascha, Antonia Campbell-Hugues tem desempenho visceral, também na parte
corporal, com uma decadência física que salta aos olhos. Com quase 30 anos de
idade, teve o desafio de interpretar uma adolescente, e convence plenamente no
papel. Ela estreou fazendo ponta não creditada (!) como zumbi (!!!) em Todo mundo quase morto e a seguir esteve
em Café da manhã em Plutão. Fez
basicamente seriados e curtas, e seu grande papel antes deste fora em Brilho de uma paixão (2009), de Jane
Campion. Também está no ainda inédito por aqui Under the skin, em que Scarlett Johansson interpreta uma
extraterrestre. Já a versão infantil de Natascha aos 10 anos é defendida com assustadora naturalidade pela pequena estreante Amelia Pidgeon.
Já Priklopil ganha contornos bem nítidos na figura de Thure
Lindhart, que esteve em Deixe a luz acesa,
comentado aqui, e comprova ser um dos melhores intérpretes de sua geração,
construindo com veracidade a figura de um homem atormentado que usa a vilania para disfarçar
sua fragilidade - no filme, fica mais clara sua submissão à figura materna, que
ganha uma dimensão maior da que aparenta no relato escrito.
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Nílton Santos foi considerado o maior lateral-esquerdo de todos os tempos no futebol mundial, escolha feita pela própria Fifa em 1998. Mais do que um gênio de sua posição, Nílton foi um dos grandes símbolos de uma era vitoriosa do Botafogo, único clube que defendeu ao longo de sua gloriosa carreira. Todas as homenagens possíveis, todas as palavras de enaltecimento já foram prestadas e proferidas nos momentos seguintes a seu passamento. Aqui, do meu canto, modestamente, me cabe apenas, sem nunca tê-lo visto atuar ao vivo - só pelos relatos dos mais antigos e nas imagens de arquivo das tevês - , agradecer por tudo que fez não só pelo nosso futebol, mas também, especialmente, pelo Botafogo. Que os seus Santos guiem a nossa Estrela Solitária aqui na terra, Nílton - e como estamos precisando!