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O mordomo da Casa Branca (2012) |
Dentro
de mais alguns dias conheceremos os indicados ao Globo de Ouro, premiação que
antecede e antecipa os finalistas do Oscar de 2014. Pelo burburinho e pelos
boatos que chegam de fora, imagina-se a presença de alguns títulos muito
comentados, alguns ainda inéditos por aqui (A
vida secreta de Walter Mitty, Balada
de um homem comum, Álbum de família,
12 anos de escravidão), outros que já estão em cartaz (Capitão Phillips, Blue Jasmine). Dentre estes já lançados, O mordomo da Casa Branca é praticamente
garantido na lista final de indicados, que ainda não se sabe quantos serão, já
que a Academia mudou as regras e agora permite um número variável de
finalistas, entre 5 e 10, um absurdo sem tamanho, que vai acabar refletindo a
qualidade das produções realizadas naquele ano (quanto menos concorrentes, mais
fraca terá sido a safra). Será que não percebem isso?
Lee
Daniels assumiu para si a voz da causa negra norte-americana desde que Preciosa (2009) comoveu platéias do
mundo inteiro. Embora menos combativo que Spike Lee, que foi, durante os anos
90, o arauto da luta pela igualdade civil entre negros e brancos. Não centra
suas narrativas na questão, embora sempre a discuta de forma sutil,
introduzindo elementos que a coloquem em discussão. Curiosamente, seus dois
trabalhos mais recentes entraram em cartaz ao mesmo tempo na cidade: o ousado
mas exagerado Obsessão e este O mordomo da Casa Branca. Em todos, de
uma forma ou outra, há a preocupação de discutir aspectos relacionados à causa
civil norte-americana. Ao passo que o outro Lee, Spike, era mais agressivo, sobretudo
pela trinca de filmes que o tornou mais conhecido, Faça a coisa certa (89, pelo qual foi indicado ao Oscar), Mais e melhores blues (90, o menos
conhecido) e Febre da selva (91), que
traçavam um interessante painel sobre a
questão dos negros na América de então, cada um ressaltando um aspecto dessa
luta.
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O diretor Lee Daniels no Festival do Rio. |
No
presente caso, o diretor partiu do artigo "A butler well served by this
election", assinado por Will Haygood e publicado no Washington
Post em 2008 (disponível na internet) para
criar o personagem de Cecil Gaines, inspirado em uma figura real, Eugene Allen,
que trabalhou na Casa Branca por 34 anos e serviu a oito presidentes, de
Eisenhower a Reagan. No filme, que troca algumas referências pessoais para
melhor desenvolvimento dramático, Gaines nasceu em uma fazenda de algodão no
sul do país, viu o pai ser morto pelo patrão branco e, adolescente, saiu em
busca de emprego. Consegue ser admitido na residência oficial sem muito esforço
e passa as quase quatro décadas seguintes participando, mesmo que indiretamente, da vida e dos bastidores
do governo norte-americano. Paralelamente, acompanhamos as várias lutas
travadas pelos negros ianques pelo reconhecimento de seus direitos e de sua
cidadania, com diversos momentos emblemáticos, como o movimento Black Power e
os Panteras Negras, culminando com a eleição de Barack Obama em 2008.
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Oprah e Whitaker estão cotados para o Oscar. |
Forest
Whitaker concede dignidade a seu personagem, e está bem como sempre, mas pouco
pode fazer diante de um roteiro engessado (de Danny Strong, premiado pela série
Mad men), que transforma Gaines em
mero espectador passivo das transformações sociopolíticas vivenciadas pelos
americanos em mais de 30 anos de luta pelos direitos civis. Mesmo tão perto do
poder, ele não se engaja, não toma partido, não opina - simplesmente assiste a
tudo, como se não pertencesse àquele universo, e somente vem a tomar alguma
consciência já quase no fim, depois que um de seus filhos ingressa nos Panteras
Negras. Oprah Winfrey faz a companheira de Gaines, em atuação sem destaque, mas
que chama a atenção simplesmente por ser quem é. Porém, é dela a cena mais
forte do filme, durante um jantar de família, em que esbofeteia o filho
rebelde. Ao menos mostra um mínimo de posição, toma partido, mostra o que
pensa, ao contrário de Gaines, quase um boneco a interligar
fatos e circunstâncias históricas.
O
elenco tem outros nomes interessantes e curiosos pulverizados em pequenos
papéis, como Robin Williams, John Cusack, James Mardsen, dando vida respectivamente
a Eisenhower, Lyndon Johnson e JFK; Mariah Carey, em ponta muda (é a mãe de
Gaines, que tem duas cenas e morre louca), Lenny Kravitz, Terrence Howard, Cuba
Gooding Jr. recuperando a dignidade da carreira. Mas a ponta mais comentada é a
de Jane Fonda como Nancy Reagan, praticamente um clone da ex-primeira dama. É
uma aparição de apenas cinco minutos, mas todos se impressionam com a
semelhança entre ambas.
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O verdadeiro Cecil Gaines, ou melhor, Eugene Allen. |
O
filme vai muito bem de bilheteria lá fora e, mesmo tratando de um assunto
essencialmente norte-americano, vem fazendo bonito também nas bilheterias
daqui. Na sessão a que estive presente, o público aplaudiu no final da
projeção, mostrando que o povo brasileiro se identifica com a causa e apóia os
movimentos de igualdade racial. Ou seja, se emociona com a essência da
história, mesmo que a frieza da narrativa seja um obstáculo a uma melhor
fruição. Agora, é aguardar para ver se o sucesso irá se confirmar no Oscar.
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