Precipícios d'alma (1952) |
Geralmente
associado ao gênero policial, o film noir
também se prestou a embalar filmes de diversas origens, como este Precipícios d'alma, drama romântico
concebido como um conto de suspense. Também pode ser entendido como uma piada
sarcástica e irônica sobre o ofício de ator. O filme é praticamente
desconhecido no Brasil, já que nunca foi lançado por aqui, nem comercialmente,
nem em DVD – e nessas horas os detratores do compartilhamento de arquivos pela
rede deveriam reconhecer o caráter de difusão cultural que tal atividade tão
condenada adquire.
O
título e o começo fazem supor que se trata de um estudo sobre paixões
destrutivas, o que passa longe de ser. O experiente ator Lester Blaine faz um
teste de elenco para a nova peça de uma famosa escritora, Myra Hudson, mas é
descartado por ela sob a alegação de que não transmite o sentimento necessário,
não passa a veracidade de emoções que a cena exige. Poucos dias depois, eles se
encontram a bordo de um trem e Blaine resolve provar a Myra que pode ser romântico
e que sua rejeição fora injusta. O envolvimento é tão intenso que se casam em
pouco tempo. Mas tudo é parte de um elaborado plano de vingança arquitetado
pelo ator, que tenciona matar a escritora e herdar todo o dinheiro que ela tem
e acumulou ao longo dos anos. Para isso, contará com um pequeno auxílio de sua
esposa verdadeira, que, por sua vez, arrasta a asa para o advogado de Myra,
visando manipulá-lo.
Mais uma prova que o amor pode matar. |
Temo
ter revelado demais na sinopse. Mas, como convém a um bom film noir, a maneira de contar a história é mais importante e
interessante que a história em si. Neste sentido, Precipícios d'alma segue fielmente a cartilha do gênero, abusando
de contrastes fotográficos entre luz e sombra, claro e escuro, compondo o jogo
de personalidades dos seus protagonistas e garantindo o interesse do
espectador. Há pelo menos duas cenas muito interessantes. A primeira quando o
casal está na casa de verão de Myra e desce a escadaria de pedra em direção à
praia: não há corrimão e o próprio Blaine chama a atenção para o "risco de
queda" que há ali, antecipando inconscientemente seu objetivo criminoso, o
que também é valorizado pelo ângulo da câmera, por cima, aproximando o
espectador da descida arriscada. A outra é quando Myra descobre, por meio de
uma gravação, os intentos maléficos de seu marido e, em um delírio perspectivo,
imagina as diversas maneiras com que Blaine pode matá-la. Também a perseguição
final é empolgante, muito bem-filmada e tem um desfecho simbólico.
Ninguém controla a fúria de uma mulher enganada. |
Joan
Crawford já era uma estrela consagrada e imprime riqueza de detalhes à sua Myra
Hudson, mas implico um pouco com a escolha de Jack Palance como contraponto
romântico. Acho-o muito inadequado como galã, ele simplesmente não tem o porte
exigido para o papel, com um rosto quadrado e anguloso. Deve ter sido imposição
do estúdio, RKO, para promover o jovem ascendente – este foi seu terceiro
trabalho no cinema e o primeiro como protagonista. O estúdio acertou em apostar
nele, como comprovou sua longa carreira, marcada por heróis de ação e
faroestes, ou seja, como galã não funcionava mesmo! Também o diretor, David
Miller, acumulou mais de 50 créditos no ofício, mas sem nada muito importante,
e certamente ficou marcado por este trabalho. Além deste, teve outro bom
momento, com A teia de renda negra
(1960).
Um
filme a ser descoberto, com forte potencial cult, e que agrada tanto a
apreciadores de um bom drama romântico quanto aos fãs do film noir. Procure conhecer.
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