terça-feira, 28 de abril de 2009

Meu encontro com Drew Barrymore

Os tempos atuais assistem a uma desenfreada busca pela fama, muitas vezes a qualquer custo. Alguns, macacos de um zoológico audiovisual, preferem se exibir em horário nobre naquele reality show que, infelizmente, virou meio de vida para um certo tipo de indivíduo. Outros aproveitam as facilidades que o digital permite e fazem filmes. Não importa se serão lembrados ou comentados daqui a dez, vinte ou mesmo cinco anos. O jovem Brian Herzlinger se enquadra no segundo tipo. Movido por um desejo adolescente – conhecer a atriz Drew Barrymore, a eterna garotinha de E.T. – o extraterrestre –, ele uniu o útil ao agradável e rodou um documentário.

Apaixonado pela atriz desde que tinha 10 anos de idade e foi vê-la na fantasia de Spielberg, Herzlinger devotou os dezessete seguintes a buscar uma forma de encontrá-la. Sua saga tem início quando ele ganha 1.100 dólares em um programa de perguntas e respostas na televisão (ironicamente, a resposta premiada envolve justamente o nome da atriz). Com o dinheiro, compra uma câmera digital na loja Circuit City, chama alguns amigos e resolve ir à luta. Ele não tem a menor idéia de como começar ou chegar até Drew. O filme é, assim, uma espécie de making-of da realização de um sonho, mostrando todas as etapas desse projeto. Recorrendo freqüentemente à teoria dos seis graus de separação – segundo a qual todas as pessoas, em todo o mundo, estão de certa forma interligadas por meio de uma rede de apenas outras seis pessoas que se conhecem – , Herzlinger vai estabelecendo contatos os mais variados: desde “a amiga da amiga de um amigo” que pode fornecer informações preciosas até a secretária da atriz, passando pela esteticista de Drew (que lhe providencia um tratamento de limpeza de pele) e contando com um auxílio providencial até de alguns atores, como o sumido Corey Feldman (que foi namorado da atriz na adolescência) e Eric Roberts. Também consegue um encontro com John August, roteirista de As Panteras. Todos simpatizam com a causa do rapaz, que, assim, vai dando corpo à sua idéia.

A chance para encontrar a atriz surge quando há a pré-estréia de As Panteras detonando. Por meio de uma ação fraudulenta (mas bem brasileira!), ele consegue ter acesso à área VIP e quase concretiza seu sonho: fica a pouco mais de um metro de Drew. Mas a emoção é mais forte, as palavras faltam e o sonho é adiado. Com o orçamento quase estourado, e sem maiores expectativas, quase noventa dias depois de iniciado o projeto, uma surpresa do destino vem em forma de um telefonema.

Há duas maneiras de se entender o filme. A primeira é como uma baita promoção (involuntária) da atriz Drew Barrymore, que é tida como extremamente simpática, gentil, acessível, qualidades que são exaltadas por todos que a conhecem. Enfim, gente como a gente, o que, sem dúvida, deve ser bastante raro em Hollywood. Ou seja, o fã que apenas queria documentar um momento de sonho acabou por prestar uma singela homenagem à atriz, que, no final, confirma tudo o que se falou dela anteriormente. A segunda é como um exercício de egocentrismo praticado por Brian Herzlinger. Que interesse alguém pode ter em querer saber como o diretor penou para conhecer sua musa? Qual é a grande questão de que trata o filme? Alguns podem dizer: nunca desista de seus sonhos (o que o próprio diz na cena final). Tudo bem, mas não haveria causa mais nobre em que se nos espelhar? Embora haja momentos engraçados, como a aula de etiqueta, o projeto, no todo, acaba sendo de interesse restrito e que, graças aos tempos atuais, em que todos buscam um lugar ao sol, acabou se tornando público – foi primeiro exibido no Festival do Rio e depois entrou em cartaz, em circuito alternativo.
Além disso, o filme ainda pode servir como incentivo para que outros fãs, bem mais malucos que Herzlinger, saiam por aí perturbando seus ídolos, igualmente na ânsia de, a um só tempo, realizar um sonho e tornar-se famoso, mesmo que por pouco tempo. Ou seja, o exemplo é perigoso.

Herzlinger teve mais que seus quinze minutos de fama. Mas não precisava ter dividido sua aventura com mais ninguém. Era só documentar e mostrar para os netos. Fossem outros tempos...


MEU ENCONTRO COM DREW BARRYMORE (My date with Drew)
Documentário
EUA, 2004, 90 minutos.
Direção: Brian Herzlinger.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Rise - a ressurreição

Li uma crítica bem elogiosa a este filme, escrita pelo Rubens Ewald Filho (a quem chamo, carinhosamente, de REF), e me interessei em assisti-lo, não só pela sinopse sugestiva, mas também porque ele raramente fala bem de alguma produção recente de terror, talvez porque, afinal de contas, não haja mesmo nada a elogiar no gênero hoje em dia. Mas fui em frente. E não me arrependi.

O filme começa em um bar, quando uma garota de programa é abordada por uma mulher misteriosa que a convence a segui-la para um encontro com um cliente. Ao chegar ao local definido, é aprisionada e pendurada de cabeça para baixo por um velho em cadeira de rodas. Perversão? Não. Há um sentido para aquele ato. Trata-se de uma forma encontrada pela mulher misteriosa para conseguir uma informação. Ela, então, mata o velho e liberta a garota, mandando que ela não conte a ninguém o que se passou ali. Logo a seguir, a história recua para seis meses antes. Ficamos sabendo que a mulher é Sadie Blake, uma jornalista que está trabalhando em uma reportagem investigativa sobre o desaparecimento de uma adolescente, seduzida por uma estranha seita, da qual pouco ou quase nada se sabe. Com a ajuda de um amigo hacker, Blake consegue ter acesso ao site visitado pela jovem e descobre os meios para se chegar aos responsáveis pelo desaparecimento. A medida que vai se embrenhando na investigação, a jornalista descobre fatos escabrosos sobre os integrantes da seita, que se alimentam de sangue, mas não chegam a ser exatamente vampiros. Atacada e morta pela gangue, Blake ressuscita com a ajuda de um alquimista (daí o título), que a arma com setas de prata, e sai em busca de vingança.

O clima do filme é sombrio, aspecto realçado pela fotografia de tons escuros, do premiado John Toll (que tem dois Oscars no currículo, por Lendas da paixão e Coração valente), e pela montagem rápida, conferindo maior dinamismo à narrativa. O roteiro não fornece muitas explicações, terminamos sem saber ao certo que seita é aquela, quais as suas origens. O fato de a personagem principal ser jornalista só funciona como mote da história, porque isso não é explorado nem retomado. Aliás, ela parece não ter vida própria porque ninguém sente sua falta! Quem faz o papel é Lucy Liu, confirmando sua condição de heroína de filmes de ação, coadjuvada por Michael Chiklis, cuja carreira, por mais personagens que interprete, já ficou marcada pelo Coisa de Quarteto Fantástico e pelo Vic Mackey da série The Shield. Há outros nomes interessantes no elenco, como a sumida Carla Gugino (A criatura da destruição), uma ponta do redivivo Robert Forster logo na primeira cena e a presença de Samantha Shelton, irmã da lourinha Marley Shelton. Foi também o último filme de Mako, veterano ator japonês, astro de, entre outros, O canhoneiro do Yang-Tsé e O Besouro Verde.

Quem detestou Na companhia do medo vai se surpreender ao saber que o roteirista é o mesmo deste aqui, o venezuelano Sebastián Gutiérrez, que também é o diretor, mostrando que parece ter acertado a mão desta vez.

A versão lançada em DVD contém cerca de meia hora a mais do que a apresentada na televisão, mas, infelizmente, não traz qualquer extra.

RISE – A RESSURREIÇÃO (Rise)
Terror
EUA, 2007, 122 minutos.
Direção: Sebastián Gutiérrez.
Elenco: Lucy Liu, Michael Chiklis, James D’Arcy, Robert Forster, Carla Gugino, Samantha Shelton, Mako, Allan Rich.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Curva do destino

O film noir teve sua época áurea em Hollywood entre as décadas de 30 e 50. Nesse período, algumas produções entraram para a história não apenas como clássicos do gênero, mas do próprio cinema: O falcão maltês (John Huston, 1941), Gilda (Charles Vidor, 1946) e A dama de Shanghai (Orson Welles, 1948). No entanto, estes três exemplares constituem exceções em um universo no qual predominavam as produções B, rodadas com baixo orçamento, elenco secundário e geralmente em curtíssimo espaço de tempo. Neste sentido, uma das obras-primas do gênero e da época é um filme pouco conhecido, mas que conquistou, ao longo dos anos, a condição de cult movie: Curva do destino.

“Detour” (“desvio”, no título original) é um dos mais interessantes filmes do gênero noir feitos em Hollywood e o tempo não apagou sua força nem fez diminuir seu impacto a quem o assiste pela primeira vez – e mesmo para quem o revê. Todos os elementos típicos do film noir estão lá: a narrativa em off e em flashback, contada pelo personagem principal; o pobre-diabo sem perspectivas que será vítima do destino dentro do tempo devido; o crime acontecido num lance de fatalidade; a mulher fatal; os ambientes opressivos realçados pela fotografia expressionista (não esquecendo que o termo “film noir” surgiu na França e se referia basicamente ao jogo de luzes claro-escuro). Todos habilmente trabalhados e bastante eficientes dentro de suas propostas dramáticas.

A história começa quando Al Roberts (Tom Neal) chega a uma lanchonete de beira de estrada e, a partir de uma canção que escuta vinda da music-box, relembra como foi parar até ali. Ficamos sabendo então que ele viajava de Los Angeles, para onde havia se mudado visando fazer carreira como pianista, a Nova Iorque, a fim de encontrar a namorada, Sue (Claudia Drake), cantora no mesmo clube em que ele se apresentava, e que permanece à sua espera. Seguindo de carona, conhece um homem que se apresenta como Charlie Haskell Jr. (Edmund McDonald), que lhe conta de uma briga que tivera na noite anterior com uma mulher a quem também recolhera na estrada. Alternando-se na direção, Al dirige numa noite chuvosa enquanto Haskell dorme a seu lado. Parando num desvio da estrada, Al abre a porta, Haskell, adormecido, cai e bate com a cabeça numa pedra. Apavorado, Al esconde o corpo e assume a identidade de Haskell, levando seu carro, os documentos e o dinheiro que ele carregava. Mais tarde, parando em um posto de gasolina, dá carona a uma mulher, Vera (Ann Savage), que logo descobre tratar-se da mesma a quem Haskell conduzira na noite passada. A partir daí, a trama se desenvolve dentro dos parâmetros do gênero, com velada tensão sexual, reviravoltas e alguma violência.

O filme tem ritmo ágil e narrativa imaginativa, apesar da má atuação do elenco, em especial de Ann Savage, uma das piores antagonistas femininas surgidas em uma produção do gênero. Torna-se ainda mais impactante se constatarmos que Tom Neal teve uma vida quase tão trágica quanto à do personagem que interpreta, chegando a ser preso, em 1965, acusado de matar a esposa, crime pelo qual escapou de pegar pena de morte, sendo condenado a seis anos de prisão. Saiu para morrer em 1972 e este é o grande momento de sua carreira, que sempre foi medíocre e sem maiores destaques.

A direção é de Edgar G. Ulmer, austríaco de nascimento, que começou sua carreira como assistente de F.W. Murnau em Nosferatu e Tabu, entre outros. Chegando pouco tempo depois nos EUA, foi logo apelidado de “Murnau das Américas”, epíteto que não só sustentava como do qual se orgulhava, pois não negava suas origens com aquele a quem considerava seu mestre.

Curva do destino é efusivamente saudado pela comunidade cinéfila estrangeira e, estranhamente, permanecia inédito no Brasil, até ser lançado pela Aurora (viva ela!, que vem promovendo o resgate de várias obras esquecidas do cinema mundial). Merece ser visto e conhecido. Sobretudo admirado e ganhar lugar de destaque na videoteca de qualquer cinéfilo.

CURVA DO DESTINO (Detour)
Drama / policial
EUA, 1945, 67 minutos.
Direção: Edgar G. Ulmer.
Elenco: Tom Neal, Ann Savage, Claudia Drake, Edmund McDonald, Tim Ryan, Esther Howard.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Os melhores do século...XXI

A edição de abril da revista Monet traz uma curiosa e inusitada lista dos 50 melhores filmes do século XXI. Não, você não leu errado, já há uma lista dos melhores filmes produzidos nesse começo de século. Segundo os editores, o júri foi composto por 250 pessoas, entre artistas, diretores e vultos ligados ao universo do audiovisual, incluindo nomes como Fernando Meirelles, Hector Babenco, Danny Glover e Cecília Roth, entre muitos outros. O resultado é uma relação bastante eclética, como se observa a seguir:


1. "Cidade de Deus" (Brasil, 2002), de Fernando Meirelles.
2. "Brilho eterno de uma mente sem lembranças" (EUA, 2004), de Michel Gondry.
3. "A vida dos outros" (Alemanha, 2006), de Florian Henckel Von Donnersmarck.
4. "Dogville" (Dinamarca, 2003), de Lars Von Trier.
5. "Fale com ela" (Espanha, 2002), de Pedro Almodóvar.
6. "Ponto final" (EUA, 2005), de Woody Allen.
7. "Cidade dos sonhos" (EUA, 2001), de David Lynch.
8. Trilogia O senhor dos anéis (EUA, 2002/03/04), de Peter Jackson.
9. "Elefante" (EUA, 2003), de Gus Van Sant.
10. "O pianista" (França, 2003), de Roman Polanski.
11. "Onde os fracos não têm vez" (EUA, 2007), dos Irmãos Coen.
12. "As invasões bárbaras" (Canadá, 2003), de Dennis Arcand.
13. "O segredo de Brokeback Mountain" (EUA, 2005), de Ang Lee.
14. "Pequena Miss Sunshine" (EUA, 2006), de Jonathan Dayton e Valerie Farris.
15. "Crash - no limite" (EUA, 2005), de Paul Haggis.
16. "Menina de ouro" (EUA, 2004), de Clint Eastwood.
17. "O fabuloso destino de Amélie Poulain" (França, 2001), de Jean Pierre Jeunet.
18. "Os infiltrados" (EUA, 2006), de Martin Scorsese.
19. "Quem quer ser um milionário?" (Inglaterra, 2008), de Danny Boyle.
20. "Em busca da vida" (China, 2006), de Jia Zhang-Ke.
21. "Kill Bill" (EUA, 2003), de Quentin Tarantino.
22. "O escafandro e a borboleta" (França, 2006), de Julian Schnabel.
23. "21 gramas" (EUA, 2003), de Alejandro González-Iñarritu.
24. "Closer - perto demais" (EUA, 2002), de Mike Nichols.
25. "Encontros e desencontros" (EUA, 2002), de Sofia Coppola.
26. "Império dos sonhos" (EUA, 2006), de David Lynch.
27. "O curioso caso de Benjamin Button" (EUA, 2008), de David Fincher.
28. "O labirinto do fauno" (México, 2006), de Guillermo Del Toro.
29. "O pântano" (Argentina, 2001), de Lucrecia Martell.
30. "Sangue negro" (EUA, 2007), de Paul Thomas Anderson.
31. "Serras da desordem" (Brasil, 2006), de Andréa Tonacci.
32. "A queda - as últimas horas de Hitler" (Alemanha, 2004), de Oliver Hirschbiegel.
33. "Adaptação" (EUA, 2002), de Spike Jonze.
34. "Arca russa" (Rússia, 2002), de Aleksandr Sokurov.
35. "Batman - o cavaleiro das trevas" (EUA, 2008), de Christopher Nolan.
36. "Moulin Rouge - amor em vermelho" (EUA, 2001), de Baz Luhrman.
37. "Os Incríveis" (EUA, 2004), de Brad Bird.
38. "Piaf - um hino ao amor" (França, 2007), de Olivier Dahan.
39. "Procurando Nemo" (EUA, 2003), de Andrew Stanton e Lee Unkrich.
40. "Santiago" (Brasil, 2007), de Walter Salles.
41. "Shrek" (EUA, 2001), de Andrew Adamson e Vicky Jenson.
42. "Sobre meninos e lobos" (EUA, 2003), de Clint Eastwood.
43. "Volver" (Espanha, 2006), de Pedro Almodóvar.
44. "Adeus, Lênin!"(Alemanha, 2003), de Wolfgang Becker.
45. "Uma mente brilhante" (EUA, 2001), de Ron Howard.
46. "A viagem de Chihiro" (Japão, 2002), de Hayao Miyazaki.
47. "Miami Vice" (EUA, 2006), de Michael Mann.
48. "Babel" (EUA, 2006), de Alejandro González-Iñarritu.
49. "4 meses, 3 semanas e 2 dias" (Romênia, 2007), de Cristian Mungiu.
50. "Sonata de Tóquio" (Japão, 2008), de Kiyoshi Kurosawa.

O grande barato de uma lista como esta é o debate que naturalmente provoca entre os interessados e aficionados pelo assunto. A julgar pela quantidade de comentários feitos nos grupos do Yahoo de que participo (só como voyeur, porque minha excessiva timidez me impede de tomar parte mais ativa), o intento foi alcançado. É claro que sempre se poderá protestar uma ausência sentida ou uma inclusão descabida, ainda mais que desconhecemos os critérios que margearam a eleição. Particularmente, porém, discordo de alguns dos títulos enunciados e, ainda mais, tento entender como tais puderam ser citados em uma eleição que se pretende apresentar os melhores.

Por exemplo, considero inexplicável a presença de “Miami Vice”, um filme absolutamente descartável em qualquer lista de melhores de alguma coisa em sentido amplo. Se fosse uma escolha individual de preferências pessoais, seria compreensível; sendo a lista fruto de uma eleição promovida entre um grupo de pessoas diretamente ligadas ao mundo do cinema, porém, faz-me questionar a razão de sua citação. Talvez a necessidade de se incluir um autêntico blockbuster hollywoodiano a que se assiste sem maiores expectativas, típico instrumento de fruição cinematográfica? Mas então porque não “Homem aranha” ou “Homem de ferro”? Será que a adaptação para as telas desses dois super-heróis alcançou um status tão grande de arte que os inviabilizaram na hora de serem lembrados? Ou talvez a cota de filme de super-herói já estivesse (bem) preenchida com o cavaleiro das trevas? Perguntas, questionamentos... E está aí o primeiro efeito prático suscitado pela lista: a discordância que alimenta o debate.

Absurda também, para mim, é a inclusão de “O pântano”, uma das piores coisas que já vi, mas aqui admito minha antipatia pela senhora Lucrecia Martell, para mim uma enganadora que caiu nas graças da crítica especializada. Fui ver este seu primeiro trabalho cheio de curiosidade e até hoje não entendo o motivo de tanta celebração em torno de seu nome. Vá lá que ela mostre habilidade na exploração dos planos fechados, aprisionando seus intérpretes em closes dreyerianos, o que é sempre um desafio de composição fisionômica e busca pelo naturalismo interpretativo; mas daí a considerá-la o grande nome do cinema argentino atual vai uma enorme distância (talvez a mesma que ela evite com o uso recorrente desse recurso). Dispensável.

Chama a atenção também a pouca representatividade do cinema brasileiro. Onde está “Tropa de elite“, que ganhou prêmio em Berlim e colecionou elogios por onde foi exibido? Nem falo de outros títulos menos comerciais, mas de grande qualidade técnica, como “Cinema, aspirinas e urubus”, “O céu de Suely”, “Linha de passe” ou mesmo o recente “Estômago”, alimentado, como os outros, por diversos prêmios internacionais. Ao que parece, ainda vai se levar muitos anos até que tenhamos de fato uma indústria audiovisual forte, que nos ofereça maior visibilidade em terras estrangeiras. Mas vejo com bons olhos a inclusão de “Serras da desordem”, outro filme pouco visto e conhecido, e que também não se enquadra como filão comercial.

Enfim, haveria muito a se comentar sobre a lista, mas a discussão já não cabe mais aqui, neste espaço limitado. Que os cinéfilos levemos adiante a validade das citadas escolhas e as guardemos até, quem sabe, 2015. Quantos filmes eleitos hoje irão resistir à implacável passagem do tempo? É esperar para ver.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Do jeito que ela é

Um dos bons filmes independentes que vivem dando sopa nas locadoras é esta simpática comédia estrelada por Katie Holmes, em momento intermediário entre o sucesso na série "The O.C". e o romance e posterior casamento com Tom Cruise. April (Katie) resolve oferecer um jantar de Dia de Ação de Graças e reunir sua família – com quem nunca manteve bom relacionamento e de quem se afastou há alguns anos para morar no Brooklyn com o namorado negro. A trama começa quando ela descobre que seu fogão está quebrado e precisa sair em romaria pelo edifício com um peru assado numa bandeja, em busca de alguém disposto a emprestar um forno. Paralelamente, a família da garota se prepara para o encontro, temendo a possível reação agressiva da mãe, Joy (Patrícia Clarkson, de “Dogville”, em atuação indicada ao Oscar), que mantém pensamentos hostis em relação à filha, com quem nunca se entendeu. Para April, é a chance de fazer as pazes; para o restante da família, sobretudo para Joy, é a oportunidade de guardar um único bom momento ao lado da filha, e pode ser sua última chance, pois sofre de câncer nos seios.

É um filme de bons sentimentos e boas intenções. Tem momentos engraçados (April subindo e descendo escadas com o peru na bandeja; suas tentativas de cozinhar - sua inabilidade na cozinha é enfatizada pelo roteiro; os diálogos de amarga ironia trocados entre a mãe, o pai – Oliver Platt – e os irmãos). Mas é um filme melancólico, apoiado em uma situação pouco agradável – uma reunião de família motivada por uma doença irreversível e fatal. Este aspecto do roteiro compromete o que poderia ser uma comédia mais leve, sem, no entanto, empanar totalmente o brilho do filme. Sabendo, porém, da realidade trágica que cerca os personagens, o final, que poderia ser redentor e otimista, deixa um gosto amargo e desolador. Quem se envolver na situação e compreender a poesia fatalista da história pode chegar às lágrimas na seqüência final. A produção é regular, na média de um filme independente sem maiores pretensões. Katie Holmes compõe bem sua personagem, uma menina adorável que todos gostaríamos de ter como vizinha, e Patrícia Clarkson dá outro show de interpretação, combinando de forma contida o humor e a mágoa de sua personagem em tiradas curtas e certeiras. É um filme que tem boa comunicação com o público, tanto que foi dos mais assistidos e comentados quando exibido no Festival do Rio em 2002. Garantia de boa sessão em família.

DO JEITO QUE ELA É (Pieces of April)
Comédia dramática
EUA, 2002, 81 minutos.
Direção: Peter Hedge
Elenco: Katie Holmes, Patrícia Clarkson, Oliver Platt, Alice Drummond.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

True blood

Muita coisa mudou no universo vampírico desde que Bram Stoker assombrou e seduziu o mundo com Drácula (1897), origem de toda a mitologia. Se por um lado alguns elementos permanecem intocados – os seres das sombras continuam se alimentando de sangue e temendo a luz do sol, perenizando-se ao longo dos tempos – , por outro, novas diretrizes foram incorporadas ao reino dos vampiros. Absorvidos pelos meios culturais diversos e presentes na cultura popular, os vampiros também podem ser reinventados, como na recém-terminada primeira temporada da série “True blood”, exibida pela HBO e que brevemente desembarca em DVD.

Em uma prova de que os efeitos da globalização, hoje, são maiores do que se imagina, os vampiros foram parar na minúscula cidade de Bon Temps, nos arredores pantanosos de Nova Orleans, em Louisiana. Eles convivem numa boa com os seres humanos, inclusive freqüentando os mesmos locais, como o Merlotte’s, um bar que serve como epicentro das ações da trama. É lá que encontramos a garçonete Sookie Stackhouse, interpretada por Anna Paquin (ela mesma, a mais jovem ganhadora do Oscar, como Atriz Coadjuvante em 1994 pelo filme “O piano”), que tem o dom de poder ler a mente das pessoas (menos, muito apropriadamente, a dos vampiros, o que a impede de saber quem é humano ou não). Ela mora com a avó e o irmão problemático, Jason (Ryan Kwanten), que posteriormente irá se envolver com uma mulher misteriosa e cometerá um assassinato (não estou estragando nada revelando isso porque o foco da série é outro), e desperta o interesse de seu patrão, Sam Merlotte (Sam Trammell), que também guarda um segredo (este sim que não dá para contar, mas que, a alguns, pode parecer risível). Rejeitado, Sam busca conforto nos braços de outra funcionária, a exótica Tara (Rutina Wesley), de temperamento e sensualidade explosivos. Há ainda o andrógino Lafayette (Nelsan Ellis), que, além de ser o cozinheiro do bar, também trafica V., uma espécie de Viagra de vampiro, com efeitos bastante intensos no organismo humano comum. A chegada de Bill Compton (Stephen Moyer), um vampiro de ascendência nobre – seus antepassados foram heróis da Guerra de Secessão (sic) –, contudo, promove uma reviravolta no local. Mas ele é do bem: no primeiro episódio da série, ele salva Sookie de ser estuprada por dois arruaceiros, que acabam mortos. Por conta disso, passa a ser o principal suspeito de uma série de crimes que vem sendo cometidos contra algumas mulheres da cidade. Bill passa a ser visto com desconfiança e perseguido pelo xerife Bud Dearborne (William Sanderson).

Com uma galeria tão animada de personagens interessantes, e com tantas histórias para se desenvolver e se entrecruzar, era de se esperar que “True blood” tivesse uma carga de tensão e suspense acima da média. Infelizmente, porém, não é o que acontece. Talvez, em parte, justamente por tantas tramas que não são desenvolvidas de maneira satisfatória – mas, com apenas 12 episódios, a primeira temporada acaba se revelando curta demais, o que pressupõe que tudo será melhor desenvolvido na segunda temporada. Há boas histórias paralelas, que reforçam alguns estereótipos da cultura local: a mãe de Tara, por exemplo, é alcoólatra e resolve curar o vício em um ritual vudu. Outro ponto é o forte sentido de religiosidade da comunidade local, que rejeita os vampiros por considerá-los enviados do mal, mas fecha os olhos para crimes reais acontecidos por ali. Também há situações que acabam esquecidas ao longo da temporada – o fato de que os vampiros, agora, não mordem mais pescoços humanos, preferindo beber Tru Blood (assim mesmo, sem o “e” final), uma espécie de sangue artificial criado em laboratório – e a primeira cena da série mostra, pela televisão, uma reportagem onde uma carga de Tru Blood foi roubada e os supostos assaltantes estariam se refugiando no mercado em que se assiste ao noticiário.

O nome por trás da série atesta a qualidade do projeto. Alan Ball, o premiado roteirista de “Beleza americana” e que já deu mostras de que conhece o universo das séries televisivas: é ele também o autor de outra produção incomum, “A sete palmos”, que marcou época no começo dos anos 2000 ao mostrar, com humor e poesia, o cotidiano de uma família que administrava uma agência funerária. Ainda hoje exibida pelo SBT, a série teve cinco temporadas e, mesmo sem nunca ter alcançado sucesso estrondoso de público, cativou uma assistência fiel e hoje é cultuada por milhares de fãs (entre os quais me incluo). Talvez este acabe sendo também o destino de “True blood”. Você provavelmente não vai ouvir as pessoas comentando os episódios nem debatendo sobre os enigmas da trama. Não é como “Lost”, “Arquivo X” ou “Friends”. Seu potencial é mais para cult que para grande público.

Além dos personagens bem delineados e dos roteiros que evitam a repetição de temas, um problema que costuma atingir as séries de TV de forma geral, “True blood” ainda conta com uma abertura espetacular, vibrante e esquizofrênica, que traduz em imagens a loucura e a sensualidade características da região. Tudo embalado ao som da contagiante “Bad things”, entoada por Jace Everett (veja aqui a abertura: http://www.youtube.com/watch?v=7-UORRmi1ZI).

A segunda temporada já está em exibição nos Estados Unidos. Por aqui, resta aguardar até o ano que vem.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Frost / Nixon

Dos cinco finalistas ao Oscar de 2009, este “Frost / Nixon” foi o menos visto e comentado. Talvez por haver uma natural rejeição a filmes com temas políticos, ou, mais provavelmente, por ter sido lançado em circuito reduzido, mais alternativo que comercial. Ou ainda porque o povo brasileiro já não agüenta mais ver histórias sobre políticos que roubam e saem impunes.

A ação se passa em 1977. David Frost era um popular apresentador de programas de televisão nos Estados Unidos, até perder suas atrações por conta da baixa audiência e exilar-se na Austrália. Assistindo às imagens da renúncia do presidente norte-americano Richard Nixon por conta dos sucessivos escândalos de seu governo, ocorrida três anos antes, vem-lhe à mente a idéia de fazer uma entrevista com ele. A idéia, a princípio, parece absurda e tão arriscada que esbarra em vários empecilhos – falta de credibilidade do público, desinteresse dos anunciantes, que renegam o patrocínio por não acreditarem no sucesso da empreitada. Mesmo assim, Frost não desiste e, ao lado de sua pequena mas fiel equipe, consegue agendar quatro sessões com o ex-presidente. Nessas sessões, o que começa como um simples compromisso jornalístico vai aos poucos se transformando em um combate feroz entre as duas personalidades. Paralelamente, algumas verdades podres são reveladas.

A estrutura narrativa e a proposta sugerida pelo filme o aproximam do recente e igualmente indicado ao Oscar “Boa noite e boa sorte”, cujo tema era semelhante, mas referindo-se ao senador Joseph McCarthy. Mas não pretende discutir os bastidores da televisão nem as implicações políticas que um evento dessa magnitude traria. O foco é a relação que se estabelece entre os membros da equipe de gravação, liderados por Frost, e a defensiva meticulosamente orquestrada pelo staff de Nixon. À parte a aridez do tema e seu grau de interesse, essencialmente norte-americano, “Frost / Nixon” consegue manter o ritmo durante toda sua duração graças a um roteiro eficiente escrito por Peter Morgan, também autor da peça teatral que lhe serviu de origem. A montagem também ajuda, construindo um clima de tensão que vai se instalando aos poucos e só é aliviada nas cenas finais, que mostra o reencontro entre o jornalista e o presidente algum tempo depois do embate televisivo.

No papel que lhe valeu sua primeira nomeação ao prêmio da Academia, Frank Langella não interpreta Richard Nixon: praticamente encarna o ex-presidente, tamanha sua semelhança física e gestual. Ele é um ator já veterano, com quase 80 realizações no currículo, além de várias presenças em montagens teatrais, incluindo a original, que serviu de base para o roteiro e pela qual ganhou um Tony. Michael Sheen não lhe fica atrás, compondo um jornalista obstinado, que, inicialmente dominado nas primeiras sessões de entrevistas, consegue virar o jogo e se impor na última conversa. Bem poderia ter sido indicado também como coadjuvante (embora exagere nos olhos arregalados, o que lhe confere por vezes um ar caricato). Certamente você já o conhece de outros trabalhos, como em “A rainha”, em que personificou Tony Blair; ele nada tem a ver com Martin e Charlie Sheen, é um ator inglês de carreira ascendente. Há outros nomes interessantes, como Kevin Bacon (envelhecido como o assessor de Nixon), Oliver Platt, Sam Rockwell e Rebecca Hall (vista recentemente em “Vicky Cristina Barcelona”, de Woody Allen) que faz o contraponto romântico da história, sem maiores conseqüências.

Indicado a cinco Oscars, “Frost / Nixon” saiu sem nenhum. Mas deixa uma bela impressão no espectador. Vale uma conferida.


FROST / NIXON (idem)
Drama
EUA, 2008, 122 minutos.
Direção: Ron Howard.
Elenco: Frank Langella, Michael Sheen, Kevin Bacon, Oliver Platt, Rebecca Hall, Sam Rockwell, Matthew Macfadyen, Toby Jones.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Como e porque sou cinéfilo

Há pelo menos três anos tenho a idéia de abrir e manter um blog sobre cinema. Sempre adiei a decisão de criar minha página de opiniões cinéfilas na net por diversos motivos, um dos quais, a certeza de que serei apenas mais um dentre uma infinidade de blogs que versam sobre o mesmo assunto. Qual a vantagem de escrever sobre um tema do qual tantos já se ocupam - e, muitas vezes, com opiniões bem mais fundamentadas, textos mais bem escritos etc? Então, percebi que o grande lance seria exatamente este: ser apenas mais um. Se é verdade que o sol nasce para todos, que seja assim também para mim (a rima é intencional).

Mas, na verdade, meu maior temor sempre foi o de não conseguir me comprometer como gostaria. Minha idéia é atualizar este blog pelo menos duas vezes por semana, ou quando der na telha - e aí está o perigo! - , o que pode significar textos diários ou mensais, ou ainda a qualquer hora, dependendo do meu estado de espírito. Por enquanto, vou abastecendo o blog com críticas antigas, já publicadas em outro site para o qual contribuía regularmente, mas cuja política de funcionamento passou a me desagradar. Mas, como este blog é novo, ficam valendo como sendo críticas novas, portanto. Afinal, talvez você não as tenha lido antes... Considere ser esta a definição do cinéfilo: alguém que vê filmes que ainda não conhece, e não o que vê muitos filmes, embora eu aceite me enquadrar em ambas as definições.

Como é de bom tom que se faça um agrado aos visitantes, deixo aqui o link para o curta-metragem "Echek", dirigido por Adam Jodorowsky, filho de Alejandro Jodorowsky, do qual me ocuparei mais detidamente em breve: http://www.youtube.com/watch?v=zZLDhrklibc

Bem-vindos ao Cine Com Fritas.