A edição de abril da revista Monet traz uma curiosa e inusitada lista dos 50 melhores filmes do século XXI. Não, você não leu errado, já há uma lista dos melhores filmes produzidos nesse começo de século. Segundo os editores, o júri foi composto por 250 pessoas, entre artistas, diretores e vultos ligados ao universo do audiovisual, incluindo nomes como Fernando Meirelles, Hector Babenco, Danny Glover e Cecília Roth, entre muitos outros. O resultado é uma relação bastante eclética, como se observa a seguir:
1. "Cidade de Deus" (Brasil, 2002), de Fernando Meirelles.
2. "Brilho eterno de uma mente sem lembranças" (EUA, 2004), de Michel Gondry.
3. "A vida dos outros" (Alemanha, 2006), de Florian Henckel Von Donnersmarck.
4. "Dogville" (Dinamarca, 2003), de Lars Von Trier.
5. "Fale com ela" (Espanha, 2002), de Pedro Almodóvar.
6. "Ponto final" (EUA, 2005), de Woody Allen.
7. "Cidade dos sonhos" (EUA, 2001), de David Lynch.
8. Trilogia O senhor dos anéis (EUA, 2002/03/04), de Peter Jackson.
9. "Elefante" (EUA, 2003), de Gus Van Sant.
10. "O pianista" (França, 2003), de Roman Polanski.
11. "Onde os fracos não têm vez" (EUA, 2007), dos Irmãos Coen.
12. "As invasões bárbaras" (Canadá, 2003), de Dennis Arcand.
13. "O segredo de Brokeback Mountain" (EUA, 2005), de Ang Lee.
14. "Pequena Miss Sunshine" (EUA, 2006), de Jonathan Dayton e Valerie Farris.
15. "Crash - no limite" (EUA, 2005), de Paul Haggis.
16. "Menina de ouro" (EUA, 2004), de Clint Eastwood.
17. "O fabuloso destino de Amélie Poulain" (França, 2001), de Jean Pierre Jeunet.
18. "Os infiltrados" (EUA, 2006), de Martin Scorsese.
19. "Quem quer ser um milionário?" (Inglaterra, 2008), de Danny Boyle.
20. "Em busca da vida" (China, 2006), de Jia Zhang-Ke.
21. "Kill Bill" (EUA, 2003), de Quentin Tarantino.
22. "O escafandro e a borboleta" (França, 2006), de Julian Schnabel.
23. "21 gramas" (EUA, 2003), de Alejandro González-Iñarritu.
24. "Closer - perto demais" (EUA, 2002), de Mike Nichols.
25. "Encontros e desencontros" (EUA, 2002), de Sofia Coppola.
26. "Império dos sonhos" (EUA, 2006), de David Lynch.
27. "O curioso caso de Benjamin Button" (EUA, 2008), de David Fincher.
28. "O labirinto do fauno" (México, 2006), de Guillermo Del Toro.
29. "O pântano" (Argentina, 2001), de Lucrecia Martell.
30. "Sangue negro" (EUA, 2007), de Paul Thomas Anderson.
31. "Serras da desordem" (Brasil, 2006), de Andréa Tonacci.
32. "A queda - as últimas horas de Hitler" (Alemanha, 2004), de Oliver Hirschbiegel.
33. "Adaptação" (EUA, 2002), de Spike Jonze.
34. "Arca russa" (Rússia, 2002), de Aleksandr Sokurov.
35. "Batman - o cavaleiro das trevas" (EUA, 2008), de Christopher Nolan.
36. "Moulin Rouge - amor em vermelho" (EUA, 2001), de Baz Luhrman.
37. "Os Incríveis" (EUA, 2004), de Brad Bird.
38. "Piaf - um hino ao amor" (França, 2007), de Olivier Dahan.
39. "Procurando Nemo" (EUA, 2003), de Andrew Stanton e Lee Unkrich.
40. "Santiago" (Brasil, 2007), de Walter Salles.
41. "Shrek" (EUA, 2001), de Andrew Adamson e Vicky Jenson.
42. "Sobre meninos e lobos" (EUA, 2003), de Clint Eastwood.
43. "Volver" (Espanha, 2006), de Pedro Almodóvar.
44. "Adeus, Lênin!"(Alemanha, 2003), de Wolfgang Becker.
45. "Uma mente brilhante" (EUA, 2001), de Ron Howard.
46. "A viagem de Chihiro" (Japão, 2002), de Hayao Miyazaki.
47. "Miami Vice" (EUA, 2006), de Michael Mann.
48. "Babel" (EUA, 2006), de Alejandro González-Iñarritu.
49. "4 meses, 3 semanas e 2 dias" (Romênia, 2007), de Cristian Mungiu.
50. "Sonata de Tóquio" (Japão, 2008), de Kiyoshi Kurosawa.
O grande barato de uma lista como esta é o debate que naturalmente provoca entre os interessados e aficionados pelo assunto. A julgar pela quantidade de comentários feitos nos grupos do Yahoo de que participo (só como voyeur, porque minha excessiva timidez me impede de tomar parte mais ativa), o intento foi alcançado. É claro que sempre se poderá protestar uma ausência sentida ou uma inclusão descabida, ainda mais que desconhecemos os critérios que margearam a eleição. Particularmente, porém, discordo de alguns dos títulos enunciados e, ainda mais, tento entender como tais puderam ser citados em uma eleição que se pretende apresentar os melhores.
Por exemplo, considero inexplicável a presença de “Miami Vice”, um filme absolutamente descartável em qualquer lista de melhores de alguma coisa em sentido amplo. Se fosse uma escolha individual de preferências pessoais, seria compreensível; sendo a lista fruto de uma eleição promovida entre um grupo de pessoas diretamente ligadas ao mundo do cinema, porém, faz-me questionar a razão de sua citação. Talvez a necessidade de se incluir um autêntico blockbuster hollywoodiano a que se assiste sem maiores expectativas, típico instrumento de fruição cinematográfica? Mas então porque não “Homem aranha” ou “Homem de ferro”? Será que a adaptação para as telas desses dois super-heróis alcançou um status tão grande de arte que os inviabilizaram na hora de serem lembrados? Ou talvez a cota de filme de super-herói já estivesse (bem) preenchida com o cavaleiro das trevas? Perguntas, questionamentos... E está aí o primeiro efeito prático suscitado pela lista: a discordância que alimenta o debate.
Absurda também, para mim, é a inclusão de “O pântano”, uma das piores coisas que já vi, mas aqui admito minha antipatia pela senhora Lucrecia Martell, para mim uma enganadora que caiu nas graças da crítica especializada. Fui ver este seu primeiro trabalho cheio de curiosidade e até hoje não entendo o motivo de tanta celebração em torno de seu nome. Vá lá que ela mostre habilidade na exploração dos planos fechados, aprisionando seus intérpretes em closes dreyerianos, o que é sempre um desafio de composição fisionômica e busca pelo naturalismo interpretativo; mas daí a considerá-la o grande nome do cinema argentino atual vai uma enorme distância (talvez a mesma que ela evite com o uso recorrente desse recurso). Dispensável.
Chama a atenção também a pouca representatividade do cinema brasileiro. Onde está “Tropa de elite“, que ganhou prêmio em Berlim e colecionou elogios por onde foi exibido? Nem falo de outros títulos menos comerciais, mas de grande qualidade técnica, como “Cinema, aspirinas e urubus”, “O céu de Suely”, “Linha de passe” ou mesmo o recente “Estômago”, alimentado, como os outros, por diversos prêmios internacionais. Ao que parece, ainda vai se levar muitos anos até que tenhamos de fato uma indústria audiovisual forte, que nos ofereça maior visibilidade em terras estrangeiras. Mas vejo com bons olhos a inclusão de “Serras da desordem”, outro filme pouco visto e conhecido, e que também não se enquadra como filão comercial.
Enfim, haveria muito a se comentar sobre a lista, mas a discussão já não cabe mais aqui, neste espaço limitado. Que os cinéfilos levemos adiante a validade das citadas escolhas e as guardemos até, quem sabe, 2015. Quantos filmes eleitos hoje irão resistir à implacável passagem do tempo? É esperar para ver.