quarta-feira, 10 de junho de 2009

Serpico

Um jovem ingressa na academia de polícia e logo se depara com a corrupção existente no meio. Idealista, tenta combatê-la, mas passa a sofrer pressões de vários lados, até sofrer uma tentativa de assassinato. Não se trata da continuação de Tropa de elite nem é a sinopse de qualquer filme recente, mas de uma produção de 1973, Serpico, dirigida por Sidney Lumet e estrelada por Al Pacino. Mais de trinta anos depois, vemos que a situação descrita não só permanece nos dias de hoje, mas também ganhou contornos irrefreáveis.
O tema, claro, nada tem de novo nem de inventivo. Orson Welles já tratava do assunto nos anos 50, quando realizou o excepcional A marca da maldade. E o cinema sempre se ocupou dele ao longo dos anos. Então, este seria apenas mais um filme a abordar o assunto, não fosse o vigor de Lumet na condução da história e a entrega de Al Pacino no papel do incorruptível Frankie Serpico, um descendente de italianos que acredita na justiça e na função social da corporação que passa a integrar. Só que em pouco tempo ele descobre que as coisas não funcionam como se vislumbra. O meio policial é sujo, com dinheiro podre correndo nas delegacias, ligações escusas envolvendo delegados e traficantes, segredos que não devem ser revelados. A justiça plena é um objetivo impossível de alcançar.
Serpico é uma exceção entre seus colegas de farda, até pelo fato de agir à paisana quase na maior parte da história. É culto, estuda espanhol e gosta de literatura. Em momento algum abandona suas convicções, mesmo cercado de indiferença por todos os lados. Mantém-se firme aos seus princípios, ainda que sua dedicação ao trabalho honesto o conduza a um labirinto de armadilhas, gerando a antipatia dos colegas que, teoricamente, deveriam apoiá-lo em sua empreitada no combate ao crime. É o único que consegue ser autêntico em um universo onde todos fingem ser uma coisa, mas são outra. Em parte, por conveniência, como nos distritos policiais, em que é convencido por outros policiais a renunciar às apreensões efetuadas para creditar-lhes o sucesso na operação. Em parte, por incapacidade. Na engraçada seqüência da festa onde acompanha a namorada e conhece os amigos dela, todos se apresentam como representantes de uma elite intelectual – poetas, cineastas, artistas de modo geral – embora se virem profissionalmente em atividades modestas e longe da sugestão do sucesso pretendido. O contraste entre Serpico e o mundo que o cerca fica evidente. Ele é uma excrescência, um raio de solidez em um universo corrompido de ilusões e frustrações. Jamais se deixará abater.
A fotografia em tons sujos ajuda a realçar o clima sombrio e violento, contrastado e amenizado pela bela música de Mikis Theodorakis. O roteiro, de Waldo Salt e Norman Wexler, adapta com competência o romance homônimo escrito por Peter Maas, por sua vez inspirado em personagem real.
O filme rendeu a Al Pacino sua primeira indicação ao Oscar de melhor ator (recebera uma no ano anterior, como coadjuvante, por O poderoso chefão, mas perdeu em ambas as ocasiões). Merecia maior reconhecimento da Academia. E também das distribuidoras nacionais: com tanto lixo sendo lançado regularmente nas locadoras, este clássico permanece inédito em DVD por aqui, embora já exista na região 1. O jeito é se contentar com a versão em VHS ou torcer por uma reprise na TV a cabo.

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