quarta-feira, 3 de junho de 2009

XXY

Rivalidades à parte, não há como negar que o cinema argentino, há muito tempo, vem produzindo filmes de alta qualidade, pelo menos em relação aos títulos que são lançados por aqui. E não são apenas nomes como Daniel Burmán ou Adolfo Aristarain que fazem o sucesso das películas portenhas mundo afora. A diretora Lucia Puenzo nos mostra, com este XXY, que é possível contar uma história difícil sem resvalar na grosseria.

Alex tem 15 anos e a cabeça cheia de todos os problemas e questionamentos típicos de sua idade. A eles, acresça-se outro ainda mais complicado: por ter nascido com características sexuais masculinas e femininas, não sabe em qual gênero se encaixa. Em uma tentativa de proteger a filha dos comentários maldosos e da curiosidade alheia, seus pais, Kraken e Suli, se mudam para uma região isolada na fronteira uruguaia. A situação começa a se complicar com a chegada de um casal amigo da família. O pai visitante, um médico especialista em cirurgia estética, se interessa pelo caso e se oferece para realizar a operação. Mas Kraken e Suli, movidos por uma crença religiosa, estão decididos: acreditam que aquela é a vontade de Deus e, portanto, qualquer intervenção no corpo de Alex será uma violência contra os desígnios divinos. Enquanto sua vida não se define, Alex começa a experimentar outra sensação conflituosa: um misto de afeição e rejeição pelo filho do médico, um rapaz de 16 anos. O menino desconhece toda a situação, e a cena em que Alex revela a ele sua condição é das mais tocantes do cinema recente. Logo terá lugar um profundo jogo de descobertas e identidades.

Toda a realização é admirável. Um tema polêmico como o hermafroditismo, que poderia terminar em um dramalhão insuportável e melodramático, é tratado com seriedade. O roteiro, delicado e preciso, evita o sensacionalismo e mostra todos os personagens com respeito e humanidade. A fotografia em tons frios faz paralelo ao ambiente gélido em que se desenvolve a história e realça a melancolia da narrativa. A força do filme é também garantida pela segurança do elenco. Ricardo Darín, contido e eficiente como o pai de Alex, mostra por que é um dos melhores intérpretes da atualidade (se trabalhasse em Hollywood, já teria recebido várias indicações ao Oscar). Ele é bem coadjuvado por Valéria Bertucelli (outra atriz que vem fazendo um filme após o outro e dificilmente erra a medida) como a mãe. Mas a alma de XXY é Inés Efrom, que conduz com perfeição o complicado papel central. Um desafio duplo, já que a atriz, de 23 anos, interpreta uma jovem adolescente e consegue passar toda a gama de sentimentos e incertezas de sua personagem. Ela já é apontada como a nova estrela do cinema argentino e vem aparecendo com freqüência em outros projetos.

O filme ganhou o Grande Prêmio da Semana da Crítica no Festival de Cannes em 2007, Goya de Filme Estrangeiro em Língua Hispânica, foi muito bem recebido no Festival do Rio do mesmo ano (onde foi exibido, equivocadamente, na Mostra Gay!) e teve uma boa passagem pelo circuito alternativo da cidade. Vale uma conferida atenta. Infelizmente, sai em DVD por uma distribuidora que, embora ofereça títulos bem atraentes, peca pelas edições modestas, trazendo apenas trailer como extra.

XXY (idem)
Drama
Argentina, 2007, 86 minutos.
Direção: Lucia Puenzo
Elenco: Inés Efrom, Ricardo Darín, Valéria Bertucelli, Germán Palácios, Martín Piroyanski, Carolina Pelleritti, Guillermo Angelelli.

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