quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Murilo Salles e os filmes esquecidos

Murilo Salles é um dos principais diretores brasileiros. Seus filmes foram premiados em festivais nacionais e internacionais. Seu último trabalho foi efusivamente saudado pela crítica e apontado como o melhor lançamento do ano passado. Nada disso, porém, sensibilizou qualquer distribuidora na hora de lançar sua obra em DVD. Inconformado com o pouco caso, resolveu bancar do próprio bolso a digitalização de alguns de seus filmes, contando apenas com o apoio da Riofilme para posterior distribuição. O resultado é a Coleção Cineastas Riofilme, que chega às prateleiras e lojas reunindo quatro títulos de Salles: Nunca fomos tão felizes (1984), Faca de dois gumes (1989), Como nascem os anjos (1996) e Nome próprio (2008), o único do lote a receber extras, com meia hora de cenas excluídas da montagem final – porque faltou grana para enriquecer de bônus os outros volumes da série, conforme explicou o diretor em entrevistas.

O ostracismo a que as distribuidoras condenaram Murilo Salles é um exemplo emblemático da tradicional falta de memória da sociedade brasileira em diversos campos. Na cultura, o problema é ainda maior. Pergunte às novas gerações se elas sabem quem foi Grande Otelo, Oscarito, Mazzaropi, Eliana – não a dos dedinhos da TV, mas a atriz da Atlântida, responsável por grandes bilheterias do cinema nacional. E estou me referindo apenas aos nomes mais conhecidos de uma época de ouro do cinema brasileiro. O que parece não ser suficiente para conferir-lhes a dimensão merecida. Procure nos sites de comércio eletrônico: você vai encontrar coleções de DVDs dedicadas a Sean Connery, Denzel Washington, Bruce Willis, Mickey Rourke – mas nenhuma coletânea de Grande Otelo, por exemplo. Sem desmerecer o trabalho e a importância desses atores no panorama do cinema norte-americano, claro, mas por que supervalorizar tanto artistas estrangeiros em detrimento de nossos próprios astros? Claro, há exceções. Existem disponíveis caixas com obras de Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade, José Mojica Marins, sendo esta última considerada a melhor coletânea de um diretor nacional já lançada até hoje, graças ao primoroso trabalho de pesquisa e restauração dos filmes selecionados. Mesmo assim, é pouco perto do que deveria haver.

Chega a ser absurdo que um diretor como Humberto Mauro não tenha quase nada em DVD! Um dos pioneiros da aventura cinematográfica no Brasil permanece quase inédito no formato. As exceções ficam por conta de O descobrimento do Brasil, primeiro grande épico do cinema nacional, e uma coletânea de 11 curtas-metragens, reunidos em um único disco, ambos lançados pela Funarte em 2001, e que inclui o clássico A velha a fiar, também disponível no Youtube. Os dois títulos, porém, estão esgotados há anos e só podem ser encontrados para locação. De todo o modo, é pouco. Que tal restaurarem Ganga bruta, um dos maiores filmes brasileiros de todos os tempos? Existe uma cópia em VHS (da Sagres), bem como alguns outros filmes do diretor (Lábios sem beijos, Brasa dormida). Por que não se realiza um trabalho de remasterização para o formato de DVD?

Este esquecimento a que as distribuidoras relegam alguns diretores não atinge apenas os profissionais brasileiros. Em nível internacional, o país também anda mal servido nas locadoras. Somente agora, por exemplo, a obra de John Cassavetes está sendo lançada em DVD, pela Cinemax. É uma iniciativa muito bem-vinda, que permitirá ao cinéfilo brasileiro a oportunidade de conhecer o estilo daquele que é considerado o pai do cinema independente norte-americano. Mas ainda há um longo caminho a percorrer no trabalho de resgate de filmes e cineastas. (Continua na próxima postagem)

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