Muitos anos antes de se tornar o cronista estrangeiro das neuroses internas que corroem a sociedade norte-americana atual, vitimada pela paranóia do terrorismo, o alemão Win Wenders concebeu um interessante estudo sobre os efeitos do medo no ser humano, ao levar para as telas o romance homônimo de Peter Handke, O medo do goleiro diante do pênalti. Descartando as implicações políticas de suas produções mais recentes, o diretor conseguiu ser universal sem precisar se afastar de sua aldeia.
Joseph Bloch é goleiro de um pequeno time da segunda divisão. Durante uma partida, ele discute com o árbitro por conta de uma falta mal marcada e é substituído pelo treinador. Suspenso pela diretoria do clube, resolve passar seus dias perambulando pela cidade. Vai ao cinema (assistir Faixa vermelha 7000, de Howard Hawks) e acaba se envolvendo com a bilheteira, Glória. Mesmo não sendo convidado, passa a noite na casa dela. Na manhã seguinte, sem motivo aparente, ele a estrangula, mas o fato parece não significar muita coisa para o goleiro, que continua vivendo como se nada tivesse acontecido. Acompanhando a repercussão do crime pelos jornais, ele se muda para a pensão de uma amiga e fica apenas à espera de ser encontrado pela polícia. Cada vez mais consciente de seu destino, deixa aflorar seu sentimento de culpa por meio de tiques e uma hiperatividade latente que, no entanto, não o leva a lugar algum. Seu nervosismo é fruto da certeza de que seus dias de liberdade estão contados: ser descoberto é apenas uma questão de tempo.
O filme parece muito simples na forma, mas deve ser visto com atenção pelo espectador, pois todo o seu sentido está implícito, subliminar. Wenders constrói quase uma fábula sobre o desconcerto de um homem comum acossado pela culpa e a certeza de uma falta cometida. A metáfora do goleiro como ser isolado, solitário, funciona de maneira óbvia. Ele simboliza uma espécie de flaneur fatalista, agindo como um fantasma urbano, evocando O estrangeiro, de Albert Camus. O tema da solidão humana já aparecia com força na obra do diretor, e seria ainda mais intenso em seus trabalhos posteriores, como Paris, Texas (1984), Asas do desejo (1987) e mesmo o recente Estrela solitária (2004). Bloch não tenta fugir em momento algum: sabe que não tem para onde ir, e que todas as fugas possíveis são inúteis. Está inexoravelmente preso à sua existência medíocre – o filme é todo centrado em cima de personagens os quais se convencionou chamar de losers (perdedores) do sonho americano. Este aspecto do filme pode desagradar muitos espectadores, bem como a lentidão da narrativa, evidenciando a imobilidade da situação e antecipando o destino do protagonista. Esse clima de desesperança é realçado pela trilha sonora, uma batida monocórdia, repetitiva, transmitindo a idéia de que nada sai do lugar.
Outro aspecto que pode causar estranheza é o nonsense de alguns diálogos, que, mesmo assim, conseguem ser brilhantes em alguns momentos, especialmente quando criticam a falta de comunicabilidade entre as pessoas – outro assunto recorrente na filmografia do diretor. Ninguém está interessado em entender ou ser entendido: as pessoas apenas vivem, vez por outra esbarrando em problemas externos, sem que, contudo, se sintam atingidas por eles.
É um dos bons trabalhos de Win Wenders que merece ser conhecido. Infelizmente, foi esquecido pela coleção dedicada ao diretor, lançada pela Europa, e, portanto, somente pode ser visto em VHS.
Joseph Bloch é goleiro de um pequeno time da segunda divisão. Durante uma partida, ele discute com o árbitro por conta de uma falta mal marcada e é substituído pelo treinador. Suspenso pela diretoria do clube, resolve passar seus dias perambulando pela cidade. Vai ao cinema (assistir Faixa vermelha 7000, de Howard Hawks) e acaba se envolvendo com a bilheteira, Glória. Mesmo não sendo convidado, passa a noite na casa dela. Na manhã seguinte, sem motivo aparente, ele a estrangula, mas o fato parece não significar muita coisa para o goleiro, que continua vivendo como se nada tivesse acontecido. Acompanhando a repercussão do crime pelos jornais, ele se muda para a pensão de uma amiga e fica apenas à espera de ser encontrado pela polícia. Cada vez mais consciente de seu destino, deixa aflorar seu sentimento de culpa por meio de tiques e uma hiperatividade latente que, no entanto, não o leva a lugar algum. Seu nervosismo é fruto da certeza de que seus dias de liberdade estão contados: ser descoberto é apenas uma questão de tempo.
O filme parece muito simples na forma, mas deve ser visto com atenção pelo espectador, pois todo o seu sentido está implícito, subliminar. Wenders constrói quase uma fábula sobre o desconcerto de um homem comum acossado pela culpa e a certeza de uma falta cometida. A metáfora do goleiro como ser isolado, solitário, funciona de maneira óbvia. Ele simboliza uma espécie de flaneur fatalista, agindo como um fantasma urbano, evocando O estrangeiro, de Albert Camus. O tema da solidão humana já aparecia com força na obra do diretor, e seria ainda mais intenso em seus trabalhos posteriores, como Paris, Texas (1984), Asas do desejo (1987) e mesmo o recente Estrela solitária (2004). Bloch não tenta fugir em momento algum: sabe que não tem para onde ir, e que todas as fugas possíveis são inúteis. Está inexoravelmente preso à sua existência medíocre – o filme é todo centrado em cima de personagens os quais se convencionou chamar de losers (perdedores) do sonho americano. Este aspecto do filme pode desagradar muitos espectadores, bem como a lentidão da narrativa, evidenciando a imobilidade da situação e antecipando o destino do protagonista. Esse clima de desesperança é realçado pela trilha sonora, uma batida monocórdia, repetitiva, transmitindo a idéia de que nada sai do lugar.
Outro aspecto que pode causar estranheza é o nonsense de alguns diálogos, que, mesmo assim, conseguem ser brilhantes em alguns momentos, especialmente quando criticam a falta de comunicabilidade entre as pessoas – outro assunto recorrente na filmografia do diretor. Ninguém está interessado em entender ou ser entendido: as pessoas apenas vivem, vez por outra esbarrando em problemas externos, sem que, contudo, se sintam atingidas por eles.
É um dos bons trabalhos de Win Wenders que merece ser conhecido. Infelizmente, foi esquecido pela coleção dedicada ao diretor, lançada pela Europa, e, portanto, somente pode ser visto em VHS.
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