quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Salvem o cinema brasileiro!

Agora não tem mais jeito: Salve geral, de Sérgio Rezende, é o representante brasileiro na disputa por uma das cinco vagas finalistas ao Oscar de Filme Estrangeiro em 2010. Os indicados serão conhecidos em janeiro, um mês antes da premiação. Pelo terceiro ano consecutivo, a Ancine optou por uma produção que aborda o tema da violência urbana para representar o país no Oscar. Em 2007, o selecionado foi Tropa de elite, que ao menos carregava a láurea do Urso de Ouro do Festival de Berlim, mas isso de nada adiantou para a Academia no momento das nomeações, que não contemplaram a história do Capitão Nascimento. Ano passado, foi a vez de Última parada 174, de Bruno Barreto, que foi igualmente desprezado. Pelo visto, nossa Ancine não aprendeu nada com os erros anteriores. Será que o único modo de tentarmos abiscoitar aquele que é tido como o prêmio máximo do cinema é por meio de um filme que explore a violência urbana? Não é uma visão reducionista do cinema brasileiro?

É verdade que o ano não foi especialmente pródigo com o cinema nacional. Dos outros nove selecionados para disputar uma vaga, não havia nenhum que pudesse ser considerado efetivamente um grande filme. Feliz Natal, que marcou a estréia de Selton Mello na direção, talvez fosse a melhor escolha, por se tratar de um drama familiar humanista, gênero que sempre goza de muita simpatia entre os votantes. Além de conter qualidades estéticas que o credenciariam com autoridade para o prêmio. Saudado como uma obra-prima por um círculo restrito de críticos, o filme acabou se tornando mais conhecido por causa de uma cena de nudez da atriz Graziela Moretto, que teria desencadeado um amplo debate sobre a pertinência da nudez nos filmes brasileiros, proposto pelo namorado da atriz, Pedro Cardoso, que, bastante irritado, leu um manifesto a favor da moralidade e dos bons costumes na sétima arte. Mas, ao que parece, temas que abordem o universo familiar não são mesmo os preferidos da Ancine, que em anos anteriores já havia descartado O ano em que meus pais saíram de férias. Se nada mais der certo, de José Eduardo Belmonte, foi efusivamente saudado pela crítica, chegou amparado pela consagração do Troféu Redentor do Festival do Rio, mas não sensibilizou os diretores da agência. Besouro, de João Daniel Tikhomiroff, ainda em cartaz, poderia angariar um certo interesse da Academia pelo exotismo de seu tema – um capoeirista que se insurge contra as ordens tirânicas de um poderoso latifundiário, com elementos mágicos que o aproximam de O tigre e o dragão, outro filme estrangeiro que encantou a Academia – , mas não teve força necessária para conseguir ser indicado. O que leva a outra conclusão: para um filme ser indicado, não basta ser bom, é preciso que tenha um forte apelo popular e uma agressiva campanha de divulgação. O que a modéstia da produção de Besouro não cumpriu.

A festa de menina morta, mais uma estréia de ator na direção (aqui, Matheus Nachtergaele), pode ser visto como experimental demais para agradar ao gosto conservador dos velhinhos votantes. Além de possuir uma narrativa complexa, hermética (mas que diabos, não se pode ousar nada? Temos sempre de fazer o mesmo tipo de filme quadrado?). Jean Charles é um drama pontual sobre o brasileiro assassinado no metrô de Londres, e só mesmo nos sonhos mais ingênuos para acreditar que a história possa sensibilizar alguém no exterior – e daí que mataram um brasileiro, "cidadão de segunda classe, terceiro-mundista"? Só tem apelo para nós; o resto do mundo quer mais que nos danemos. Talvez fosse o título menos recomendado para disputar algum prêmio que não o de direitos humanos. O contador de histórias teria boas chances, trata de uma história real de superação. Budapeste foi mal de público, mas não vejo por que tenha sido preterido: é uma competente adaptação de um livro difícil. Também não vejo grandes qualidades em O menino da porteira, certamente só incluído na relação por absoluta falta de opções. O último dos dez pré-selecionados foi Síndrome Pinocchio – refluxo, um desconhecido filme de Brasília, sem maiores referências.

Parece que a herança deixada por Cidade de Deus ainda vai levar muitos anos até ser totalmente dilapidada. A fórmula de sucesso do cinema brasileiro é seguir a tendência. Enquanto histórias sobre a violência urbana estiverem no centro da questão, acho difícil que a maré mude. Uma pena, porque há muitos bons títulos nacionais que fogem a esse assunto e que poderiam perfeitamente representar o nosso cinema lá fora. Não é à toa que, em festivais paralelos realizados em vários cantos do mundo, a platéia se surpreende com a diversidade do cinema brasileiro. Provavelmente ela também já aprendeu a interligar que o cinema brasileiro caminha a passos estreitos com os temas de violência. Está na hora de repensarmos esse quadro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário