quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Toma que o filho é teu!

Nunca antes nesse país houve um rebuliço tão grande envolvendo uma obra de ficção. A polêmica era inevitável, mas veio muito antes do esperado. Lula, o filho do Brasil só entra em cartaz em janeiro (ou mais brevemente, em uma barraquinha de camelô perto de você), mas já é alvo de críticas que extrapolam o aspecto meramente artístico da obra. Desde sua primeira exibição pública, na abertura do Festival de Brasília, na semana passada, em uma sessão superlotada e concorridíssima, o filme produzido por Luiz Carlos Barreto suscitou uma avalanche de comentários de quem o viu. E nem todos ligados diretamente às suas qualidades.

Envolto em polêmicas, o filme dirigido por Fábio Barreto (o mesmo de O quatrilho) chega sob a égide da suspeição. Seu lançamento em ano eleitoral é visto como uma disfarçada manobra para favorecer a possível candidata do partido de Lula à sua sucessão na presidência, a exma.Dilma Rousseff. Mesmo considerando o intervalo de mais de nove meses entre um evento e outro (as eleições ocorrem apenas em outubro do ano que vem), a força de um produto que narra a trajetória de vida de uma personalidade política já sedimentada por entre grande parte da população (aquela que recebe as bolsas-qualquer-coisa do governo federal?) não deixa de se constituir em uma formidável propaganda disfarçada. Essa constatação é tão mais conflitante se levarmos em conta o grande apelo popular do filme, moldado na mesma fôrma de outro sucesso de público, este mais recente, 2 filhos de Francisco. Pode-se argumentar que aquele filme não levou a um aumento da venda de CDs da dupla, não os tornou especialmente simpáticos a quem já não fosse fã antes e nem mesmo arregimentou novos admiradores depois que o filme ficou pronto. Mas não havia qualquer injunção política naquela produção. A grande questão que se ergue neste momento é: por que lançar em ano eleitoral um filme sobre a vida de um cidadão que ocupa a presidência da República, mesmo com todos os riscos implicados? Por que não segurar o produto por mais algum tempo, quando Lula já tiver deixado o cargo, conferindo-lhe – aí sim! – uma aura de tributo e homenagem não ao político que Lula ainda seria, mas ao cidadão brasileiro, cuja história de vida, por si só, já é forrada de um tom naturalmente épico?

Os jornalistas e críticos que assistiram ao filme também são unânimes em afirmar que, como cinema, Lula, o filho do Brasil perde muitos votos por sua opção narrativa. O que se vê na tela é mais uma tentativa de construção de um mito moderno do que uma biografia que abarca toda a trajetória política de Lula. Não existe um elemento que alinhave a história. As cenas parecem isoladas dentro de um conjunto, funcionando como breves esquetes episódicos da vida de Lula. Diretor e produtores confirmaram que a intenção era construir uma imagem mítica do homem, portanto, eliminaram várias passagens da vida do biografado. Evidentemente, aquelas menos edificantes e que certamente seriam mal vistas pela platéia que irá assistir ao filme. Qualquer fato desabonador da personalidade do personagem foi abolido ou cortado na versão oficial. Lula é apresentado como um herói, um homem de múltiplas qualidades, que nunca reclama, e, embora também nunca esmoreça diante dos percalços que a vida lhe impõe, consegue superar tudo com extrema facilidade. Quando sabemos que a coisa não é assim. A jornalista Isabela Boscov, da revista Veja, escreveu a melhor definição para a "saga" lulista: "A narração de Lula, o filho do Brasil é encadeada como a vida de Cristo, do nascimento na manjedoura à ressurreição gloriosa". O professor de Ética da Unicamp, Roberto Romano, declarou: "É uma imensa obra de bajulação ou de propaganda. Acho que as duas coisas".

Será que se Lula não fosse quem é, mas, ainda assim, tivesse certa relevância no panorama político nacional, haveria interesse em se fazer um filme sobre sua vida? Não vale dizer que sua história ganha relevo pela forma como ele conduziu sua vida, porque brasileiros que nascem pobres e alcançam postos de destaque na vida nacional existem aos montes. Eu poderia citar cinco ou seis de uma estirada, e isso não seria nem o começo. O que ocorre é que Lula saiu de uma quase indigência para o mais alto cargo de um país. Sua vida merecia um filme? Certamente. Há muitas lições a serem tiradas de sua luta? Obviamente que sim. Mas por que agora? Cheira a oportunismo, puro e simples, a mais espetacular jogada de marketing político já registrada nos anais da vida nacional. Filmes de propaganda de um governo são comuns em regimes totalitários, como a Rússia de Stalin, a Itália de Mussolini ou a Alemanha de Hitler. Como o Brasil não se enquadra nessa categoria, resta imaginar que Lula, o filho do Brasil ou é uma homenagem desenxabida ou uma estratégia eleitoral.

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