quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Um lobisomem na Amazônia

Finalmente entrou em cartaz na última sexta-feira este que nem pode ser considerado o novo trabalho do cultuado Ivan Cardoso, porque demorou tanto para ser lançado que o diretor já realizou outro filme depois, O sarcófago macabro, concebido como o piloto de uma série de televisão que não vingou, porque nenhuma emissora se interessou pelo projeto (nem o Canal Brasil!). Mas o destino óbvio deste é o DVD. Enquanto isso, os espectadores podem conferir esta desvairada aventura que permanecia inédita nos cinemas até então.

Quem conhece ou já viu qualquer coisa do Ivan Cardoso sabe perfeitamente o que irá encontrar no cinema. O diretor é o único representante do gênero terrir em terras nacionais, e não tem intenção de mudar nada em sua forma de fazer cinema. Suas piadas e seus exageros vêm de longa data, desde O segredo da múmia (1982), passando por As sete vampiras (1986), quase um clássico em sua carreira, até aquela que considero sua obra-prima, O escorpião escarlate (1992), um filme hoje esquecido, mas que marcou época sobretudo pela agressiva campanha de marketing – na ocasião, alguém vestido como o personagem-título aparecia em diversos locais de aglomerações, convidando as pessoas a prestigiarem a história nos cinemas. O que não quer dizer que eu ache este um filme perfeito, longe disso. Na verdade, nem sou especial admirador da obra de Ivan. Acho seus filmes extremamente lentos, prejudicados pela montagem que lhes destrói o ritmo e trava a fluência narrativa. As interpretações são propositadamente caricatas, exageradas, como uma grande brincadeira, todo mundo se divertindo (mas o espectador pode não concordar com isso). Neste sentido, a exceção fica por conta de Herson Capri, o herói Anjo de O escorpião escarlate, onde ele se leva a sério e interpreta de verdade, ou seja, uma aberração para os padrões cardosianos de atuação. Também não me agradam os roteiros dos filmes, geralmente frouxos, com situações que nunca chegam a se completar satisfatoriamente. É o caso de uma idéia ser melhor apresentada do que desenvolvida. Mas assistir a um filme de Ivan Cardoso é, antes de tudo, um grande barato. E foi com este espírito que assisti a este lobisomem quando ele foi exibido pela primeira vez, dentro do Festival do Rio de 2005 – sim, o projeto ficou quatro anos engavetado até que uma distribuidora se dispusesse a lançá-lo em circuito.

Quem me convenceu a ir foi meu saudoso amigo Alan, cinéfilo de carteirinha, que era, ele sim, fã confesso do Ivan. Foi uma animada e histórica sessão à meia-noite no Odeon. O diretor precisou se associar a Diler Trindade, o mais requisitado produtor do cinema brasileiro da atualidade, para finalizar, em oito meses, um projeto iniciado há oito anos. Evidentemente não foi apenas esse o motivo da parceria. Diler produz filmes voltados para o grande público, para o consumo rápido das massas, não importando exatamente a qualidade artística do produto (são de sua cepa os últimos filmes da Xuxa e de Renato Aragão). E esta nova empreitada do mestre do terrir nacional se presta exatamente a isso, conforme ele mesmo resumiu na apresentação: “Cinema é diversão”. O filme segue a mesma linha dos demais produzidos por Diler, voltados ao público jovem, basicamente adolescente, que irá curtir esta fita recheada de nomes famosos, como Evandro Mesquita, Bruno de Lucca, Tony Tornado, não faltando, é claro, as gostosonas da vez, Danielle Winits e Karina Bacchi, que estão ali para gritar, mostrar os corpos (há rápidas e discretas cenas de nudez) e eventualmente demonstrar um certo esforço interpretativo. Outro destaque feminino é a presença de Djin Sganzerla, filha do falecido Rogério Sganzerla, um dos grandes diretores do cinema underground nacional. Ou seja, o elenco feminino, por si só, já justifica o ingresso e vale uma boa olhada. Há até uma aparição surpresa de Sidney Magal, que aparece cantando no papel de um deus inca (!!!), o que comprova que nada é para ser levado a sério. O melhor do filme são as inúmeras referências a diversos clássicos do terror e suspense, como Psicose (uma piada logo no início), O monstro da Lagoa Negra, A bruxa de Blair, A ilha do Dr. Moreau – este, aliás, serve como mote para o filme, imaginando que o enlouquecido doutor fugiu de sua ilha e se exilou na Amazônia brasileira, onde continuou suas experiências científicas – e evidentemente O lobisomem. O papel principal é interpretado pelo veterano roteirista e diretor espanhol Paul Naschy, com um visual parecido com o Dr. Xavier de X-Men (mais uma referência). Ele é o único que parece conferir seriedade ao seu papel, ao passo que Nuno Leal Maia está impagável como um dos investigadores; são dele os melhores diálogos e as cenas mais engraçadas. No entanto, o filme padece dos mesmos defeitos das outras fitas de Ivan Cardoso: o roteiro fragmentado, picotando a ação, muito palavrório explicativo. Estes defeitos são tão exagerados quanto as boas intenções, a ponto de fazer com que a duração do filme pareça maior do que os 75 minutos. De qualquer maneira, é um filme espirituoso, debochado, perfeito para uma sessão pipoca. O público entendeu o espírito e aplaudiu freneticamente ao final.

A sessão foi amplamente divulgada como um evento especial do festival, e houve um momento de interatividade que se tornou clássico, inesquecível para quem testemunhou, entrando para o folclore da mostra. No meio da projeção, a platéia foi surpreendida pela aparição de um lobisomem “de verdade”, que atacou uma espectadora. Outra brincadeira dentro do espírito de gozação e galhofa típicos do cinema de Ivan Cardoso. É claro que essa brincadeira não irá se repetir agora, com o filme em cartaz. Uma pena.

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