quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Um mundo além de palavras


Assiste-se muita coisa ruim no Festival do Rio, mas é possível também se encantar com pérolas que justificam a cinefilia de qualquer um. Foi assim que descobri esse pequeno drama rodado no Canadá, Tudo que você tem, que não estava na minha programação original e acabou entrando meio de improviso, para encher o tempo entre uma sessão e outra. Ou seja, o tipo de tesouro escondido que nos dá prazer dobrado em descobrir.

Objeto de uma mostra há alguns anos no Festival do Rio, o cinema canadense costuma reservar boas surpresas aos cinéfilos. Poucos são os filmes a chegar até o circuito da cidade, mas, quando isso acontece, vale ficar atento. Ano passado, tivemos o devastador Incêndios, cujas imagens até hoje, muitos meses depois de assisti-lo, ainda ressoam na minha cabeça. Também quem teve a paciência de descobrir um pequeno drama nostálgico de nome gaiato, Mamãe foi ao salão, da diretora Lea Pool (cultuada pelo mundo, mas pouco conhecida aqui), se deparou com uma história forte e sensível ao mesmo tempo. Este aqui é outro filme sem qualquer apelo exibidor, mas até que pode ter chance no circuito alternativo, dada a boa repercussão que gerou no boca-a-boca.

O reservado Pierre é um jovem professor de literatura desencantado com o universo acadêmico. Ele resolve tirar licença por tempo indeterminado e se dedicar a traduzir poemas de um autor polonês pouco conhecido, mas adorado por ele, chamado Edward Stachura. Ao mesmo tempo, passa por um drama pessoal, já que seu pai, com quem nunca manteve boas relações, está moribundo de câncer. Ele recusa o dinheiro da herança que o pai lhe deixa por considerá-lo fruto de negócios escusos, mas é obrigado a aceitar por uma cláusula testamental. Um dia, voltando de um sebo para onde fora vender alguns livros, Pierre reconhece uma mulher em um restaurante. É uma namorada dos tempos da faculdade, a quem abandonou 12 anos atrás, quando ela ficou grávida. Junto a ela, está a menina, sua filha, que ele não conheceu nem sabia de sua existência (havia pedido que a namorada fizesse um aborto). Pierre foge, mas a menina segue seus passos, descobre onde ele mora e tenta se aproximar. Ele reluta, a princípio, mas, quando resolve se abrir para a nova vida que tem diante de si, seus erros do passado vêm à tona. O mundo do professor, que começava a se abrir, volta a encolher.

O temperamento do personagem acaba sendo moldado de certa forma pelos poemas que ele traduz. Fui pesquisar e descobri que o poeta em questão, Edward Stachura, realmente existiu, embora me pareça que seja mais um gosto adquirido por pequeno número de leitores que conhecem seu estilo muito triste, de versos que falam de perdas, renúncias, dores de existir, ou seja, quase uma antipoesia. Todo o filme é pontuado por esses versos, que conferem ainda mais melancolia ao roteiro. O maior acerto é que todos os poemas que aparecem na tela combinam com o estado de espírito do personagem. Criminosamente, não há nada em português de Stachura, que pelo visto continuará desconhecido do público – a menos que o filme entre em cartaz, seja um grande sucesso de público e chame a atenção de alguma editora para sua obra. Um processo muito hipotético e mesmo assim lento. O jeito é se contentar com suas traduções em inglês ou espanhol. Descobri um site no qual é possível conhecer um pouco mais de sua vida e obra, bem como ler alguns de seus poemas: http://duszenko.northern.edu/stachura/. Atenção para o belíssimo "A letter to the remaining", que conclui o filme de forma brilhante.

O filme sequer possui registro no IMDB, embora seja possível localizar seu ator principal, Patrick Drolet (foto à esquerda), e o diretor, Bernard Émond, também autor do roteiro. Ambos têm certa experiência no cinema local, Drolet com mais créditos, inclusive aparece em ponta em uma produção obscura, Resgate de alto risco, lançada em DVD no Brasil (vá entender). Já Émond dispõe de seis trabalhos (com este, sete), basicamente rodados de 2001 para cá, mas nenhum também conhecido do público brasileiro. Então, fica difícil avaliar se seu estilo é assim mesmo ou se é uma obra diferenciada dentro de sua carreira. Centrando-se apenas no drama em questão, é um nome a ser conhecido.

Só resta torcer para que alguma distribuidora se anime e lance o filme por aqui.



2 comentários:

  1. Parece bem bonito. Pena que tão escondidinho, né?

    Aliás, por falar em escondidinho, por que você não comentou dele na Lista???

    Beijão, delicioso fds.

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  2. Oi, Sheila, eu fico meio sem graça de postar comentários dos filmes que vejo na lista, leio tantas análises bacanas que fico inibido. Além de ser também uma forma de "chamar" o povo para ler meu blog (rs).
    Beijão!

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