quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

América, o sonho de chegar

Os emigrantes (1971)

Em 2012, O artista se tornou o primeiro filme de outro país a ganhar o Oscar (digam o que quiserem, mas trata-se de uma produção francesa, ainda que tenha sido rodada nos Estados Unidos, com elenco secundário e membros da ficha técnica ianques). Antes dele, apenas outros três filmes ao longo da história haviam tentado a proeza, sem sucesso. A primeira vez foi com o clássico A grande ilusão, de Jean Renoir (1940). Trinta e quatro anos depois, Ingmar Bergman emplacou Gritos e sussurros entre os cinco finalistas. E poucos anos antes, em 1972, outro filme sueco conseguiu angariar a simpatia de Hollywood e disputou o Oscar em pé de igualdade com as produções locais: Os emigrantes, dirigido por Jan Troell, acabou esquecido pelo tempo, mas é um belo retrato de época. E mostra como o sonho americano da terra prometida pode ser mesmo uma maldição para alguns aventureiros.

Em 1844, o casal Karl-Oskar e Kristina vive em Ljuder, um pequeno povoado rural no interior da Suécia. Eles dispõem de um pedaço de terra no qual plantam e colhem o sustento, mas o solo é praticamente infértil e rende poucos produtos. Quando dois dos filhos quase morrem de fome, eles passam a considerar a possibilidade de se mudarem para viver nos Estados Unidos, o Novo Mundo que representa possibilidades e esperança. Uma das moradoras do vilarejo reforça a idéia, já que tem um filho que reside na América e encontrou a bem-aventurança, de acordo com as cartas que recebe do rapaz. O casal se junta a outros agricultores na mesma situação e empreende uma jornada de fé durante dias a bordo de um navio. Mas ainda há muitas dificuldades no trajeto do grupo. Afinal, todos são chamados, mas poucos serão os escolhidos, máxima religiosa que se materializará ao longo da viagem.

Liv Ullmann: primeira indicação ao Oscar.
Assistir a Os emigrantes é se transportar a um mundo que não existe mais, em todos os sentidos, sobretudo nos aspectos ligados ao cinema como um todo. É um tipo de produção que não se faz mais, embora ainda tivesse campo naquela época. As platéias de hoje, formadas em sua maioria por espectadores jovens, pedem um estilo mais dinâmico de narrativa, e produções desse formato, se ainda não desapareceram completamente, estão próximas da extinção. A narrativa lenta reforça o caráter épico conferido ao filme, que, ao longo de seus 184 minutos de duração, é grandemente sustentado por cenas contemplativas, realçando o aspecto psicológico dos personagens. É interessante observar como o discurso religioso trespassa todo o filme, desde as raízes locais dos moradores, que pautam seu estilo de vida pelo viés eclesiástico, seguindo o que determina a Igreja, de forte presença na comunidade, até a simbologia da dispersão de um povo sofrido em busca da terra prometida. Como os judeus que encontraram privações em sua diáspora, o grupo de viajantes suecos precisa superar as adversidades de uma odisséia sem garantias de final feliz, mas tendo a esperança como norte de sua empreitada.

Max Von Sydow é um dos emigrantes.
A viagem é pontuada por cenas tensas, como a discussão entre Kristina e uma das viajantes, em que a primeira acusa a outra de estar com piolhos e, portanto, seria uma ameaça aos demais viajantes, com uma ou outra tirada cômica para aliviar, o que é bem representado na parte em que o casal jovem tenta aprender inglês. No todo, porém, prevalece a austeridade narrativa, sustentada pela bela fotografia que realça o aspecto da epopéia empreendida pelo grupo. O final é simbólico e emocionante.

O filme concorreu a quatro Oscars: além da categoria principal, foi indicado ainda para diretor, atriz (Liv Ullmann, na primeira das duas nomeações que recebeu; a segunda foi por Face a face de Bergman, em 1977) e roteiro adaptado. Mas não ganhou em nenhuma. Mesmo assim, fez sucesso suficiente para justificar uma continuação - naquele tempo, as continuações ainda eram feitas com propósito artístico e não por influência financeira mercadológica - que o próprio Troell dirigiu no ano seguinte, O preço do triunfo. Tanto um quanto outro foram esquecidos pelas distribuidoras e jamais lançados em formato caseiro no Brasil. Uma pena.

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