quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Meios condenáveis e fim discutível

A hora mais escura (2012)

Não dá para entender como ou por que a Academia cisma com certos filmes, exaltando-os à categoria de sensacionais quando, no fundo, são iguais a tantos outros que já foram feitos, sem nada de especial. Aconteceu em anos anteriores entre os indicados a Melhor Filme (Entre quatro paredes, 2002, Encontros e desencontros, 2004, Juno, 2008, só para ficarmos com alguns mais recentes), até que conseguiram premiar a irrelevância de Guerra ao terror em 2010. Voltam à carga este ano com a nova produção de Kathryn Bigelow, A hora mais escura, indicado em 5 categorias, incluindo a principal, mas desprezaram a diretora, outrora queridinha dos votantes, o que é mau sinal.

Do que trata, todo mundo já sabe: é a recriação dos últimos momentos da caçada a Osama Bin Laden em 2011, quando ele foi afinal abatido, ao que tudo indica, sem muita chance de defesa e sem direito a um julgamento decente por crimes contra a humanidade, em um tribunal, como se espera que ocorra nas nações democráticas. Como toda a ação foi coordenada pela CIA, e como os membros da agência não podem divulgar detalhes de suas atividades, não houve, portanto, fontes que tenham servido de base para um roteiro mais verossímil. Assim, todo o filme é um livre exercício de recriação dramática, ou seja, todo imaginado, sempre se baseando no que teria acontecido segundo relatos da imprensa, abordando os supostos movimentos efetuados na tentativa de capturar o líder afegão. Novamente Bigelow se uniu ao seu namorado Mark Boal, premiado pelo roteiro de Guerra ao terror, que começou a escrever uma coisa, mas no meio do processo, foi surpreendido pela notícia do assassinato de Osama e teve de recomeçar tudo do zero, criando outra história. Isso talvez explique o ritmo irregular do filme, que até começa bem, com uma longa seqüência de tortura, meio difícil de assistir, para depois cair num palavrório interminável, em que os agentes da CIA debatem táticas de perseguição, analisam hipóteses sobre o paradeiro de Osama, enquanto caçam terroristas para temperar a passagem do tempo. Há outras duas cenas interessantes, o atentado a um restaurante e a explosão do homem-bomba na base militar norte-americana. No todo, contudo, a história se arrasta por quase três horas até a seqüência final, que mostra a efetiva invasão à fortaleza onde Osama estaria escondido. Na maior parte do tempo, porém, parece mais um episódio bem esticado da série Homeland.

Jessica Chastain: ela quer a cabeça de Osama.
Tudo é muito escuro, a ponto de quase não ser possível identificar o que se passa na tela, fica difícil acompanhar as ações, sobretudo na parte final, que, embora tenha certo grau de tensão, termina na sombra, com fachos de luz esverdeada para iluminar um pouco o breu em que a missão é realizada. Fora isso, há outro problema, mais perceptível: o filme faz apologia da tortura como forma aceitável de conseguir informações, ou seja, ela é aceita desde que haja uma "causa nobre" por trás. Desse jeito, fica difícil já simpatizar com qualquer aspecto da produção. O numeroso elenco praticamente não tem chances de desenvolver nada de especial. Indicada pela segunda vez em dois anos (a primeira na categoria principal), Jessica Chastain não faz nada de notável. Passa a maior parte do tempo nos gabinetes e salas de tortura, até vai a campo, mas sua personagem, que deveria ser obcecada pela busca da verdade, pela resolução do caso, é só apática, nunca levanta a voz para se revoltar com o que vê. O roteiro perde a chance de humanizá-la no início, quando ela testemunha as torturas a que o preso é submetido, e no máximo vira o rosto em alguns momentos, mas sem se impor, sem dar ordens em contrário, o que poderia fazer (ela é chefe da Inteligência). A mim, lembrou mais aquela militar norte-americana que apareceu em fotos com presos torturados em Guantánamo, arrastando um deles pelo pescoço com uma coleira. Eu fiquei esperando o momento em que ela ia se levantar e esbofetear qualquer árabe que aparecesse na sua frente!  

O filme sofreu ameaças de boicote nos Estados Unidos e foi muito criticado por causa justamente de suas cenas de tortura e por expor para o mundo uma realidade que os americanos fingem que não existe. Com isso, acabou perdendo força e não deve fazer mais do que figuração na noite de 24 de fevereiro. Não merece mesmo melhor sorte. E Jessica pode e deve fazer papéis mais fortes e interessantes. Ainda não será dessa vez que levará a estatueta para casa.

2 comentários:

  1. Não vi e não gostei! Acho toda a história da "caça" horrenda e não dou meu dinheirinho pra ver versão da Bigelow sobre os fatos e muito menos perderei meu tempo baixando.

    Aliás, antes de matarem o Bin Laden, diz a lenda que ela estava querendo filmar por aqui, na região da Tríplice Fronteira, área com uma gigantesca - e influente - comunidade árabe.

    P.S. Eu adoro "Encontros e desencontros" ;)

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  2. Não é lenda, Sheila, ela realmente tem esse projeto de fazer um filme sobre os elos terroristas na nossa área. Vamos ter de aturar!
    Beijos - bom Carnaval.

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