Antigamente, a Semana
Santa era uma data que chamava ao recolhimento e à reflexão. Os cristãos
aproveitavam a oportunidade para se encerrarem em retiros espirituais enquanto
se mantinham longe dos diversos prazeres mundanos. É claro que a essência da Semana
Santa se desvirtuou e hoje ela é apenas mais um feriadão que as pessoas
aguardam com ansiedade para poderem desfrutar de quatro dias de sol, mar e chocolate.
Mas há outra tradição relacionada à data que se mantém ao longo dos anos. Nessa
época os canais de TV sempre exibem algum filme sobre a vida de Cristo ou que
tenha alguma relação com as histórias bíblicas. As locadoras estão abarrotadas
de ótimas opções, mas vale destacar algumas, para quem quiser curtir o feriado
prestigiando a Sétima Arte, entre uma oração e um pedaço do ovo da Páscoa.
BEN HUR - Não trata
diretamente da vida de Cristo, mas a Semana Santa é um período perfeito para
conhecer ou rever este que é um dos grandes filmes de todos os tempos, clássico
absoluto, detentor de 11 Oscars. Épico em todos os sentidos da palavra. A
famosa seqüência da corrida de bigas envolveu mais de 8.000 figurantes e levou 94
dias para ser rodada. Hoje seria facilmente refeita em computador, o que torna
o resultado visto aqui ainda mais impressionante.
A ÚLTIMA TENTAÇÃO DE
CRISTO - Uma das obras-primas menos lembradas de Martin Scorsese, este filme
ficou marcado pela polêmica à época de seu lançamento, no final da década de
80. Condenada pela Igreja Católica, que não gostou de ver as dúvidas
existenciais de um Cristo inseguro de sua missão, a fita foi alvo de boicote em
vários países ao redor do mundo, inclusive no Brasil, onde foram registrados
piquetes nas portas dos cinemas que a exibiam. Mas o filme nada tem de blasfemo
nem trata a figura de Cristo com o propalado desrespeito, ao contrário, é
sempre reverente. Mas Scorsese colheu mais louros que espinhos, e por este
trabalho recebeu sua segunda indicação ao Oscar.
A PAIXÃO DE CRISTO -
Nunca se viu uma historia sobre Jesus contada com tanto sangue e violência
quanto nessa igualmente polêmica (mas por outras razões) versão de Mel Gibson. O
diretor se defendeu, alegando que estava sendo o mais fiel possível às
escrituras, segundo as quais Cristo teria sofrido barbaridades de fato. Porem,
o que se vê na tela é um exercício de sadomasoquismo exagerado e apelativo.
Campeão mundial de críticas negativas, mesmo assim bateu recordes de bilheteria
e foi agraciado com três indicações ao Oscar, uma delas inexplicável, para a
maquiagem, que é visivelmente deficiente. Saiu depois em uma caprichada edição dupla em DVD.
JESUS DE MONTREAL - Um
pouco diferente dos demais por não apresentar uma encenação tradicional da
história de Cristo. Neste filme do futuramente premiado canadense Dennis Arcand
(de As invasões bárbaras), uma trupe
teatral encena a vida do Messias e passa a enfrentar sérios problemas quando o diretor
surta. O terço final do filme, em que a trupe encena a vida de Cristo pelas
ruas de Montreal, é um dos pontos altos da narrativa.
A MAIOR HISTÓRIA DE
TODOS OS TEMPOS - Há pelo menos três filmes com o mesmo título ou subtítulo no
mercado nacional. Este aqui é a superprodução dirigida por George Stevens em
1965, quando Hollywood se esmerava em produzir espetáculos visuais sérios,
voltados a uma platéia mais adulta, sem as parafernálias técnicas que hoje
entretém o público mas disfarçam a fragilidade de sua realização. Custou 20
milhões de dólares, uma quantia espantosa na época, e recebeu cinco indicações
ao Oscar (mas perdeu em todas). No numeroso elenco, destaque para Max Von Sydow
e Carroll Baker.
GOSPEL ROAD - A STORY
OF JESUS - É no mínimo uma grande curiosidade ver essa versão da vida de Cristo
narrada pelo cantor Johnny Cash, quando ele estava em sua "fase
negra". Também produtor e roteirista, Cash vai contando passagens bem
conhecidas da história bíblica, como o julgamento da adúltera, a tentação no
deserto, as criancinhas, até chegar logicamente à crucificação. Ele alterna o
texto declamado com algumas canções de inspiração religiosa, muitas de sua
autoria, enquanto atores desconhecidos representam dramaticamente os momentos
em questão. O próprio diretor do projeto, Robert Elfstrom, interpreta Jesus, e
June Cash faz Maria Madalena - é dela, aliás, o melhor momento musical,
entoando "Follow me". Filmado em locações autênticas em Israel, tem
belas imagens, mas um hibridismo de gêneros que gera resultado insatisfatório:
não conta uma história de forma tradicional, não funciona como documentário,
nem é bem um musical. Mas é sempre respeitoso e reverente à figura de Cristo.
Fãs de Cash e católicos fervorosos, porém, vão gostar bastante.
A VIDA DE BRIAN - Um
dos grandes momentos do grupo Monty Python, embora não seja o meu favorito
deles. Os três reis magos erram o caminho para a manjedoura e, sem querer, vão
parar na casa de Brian, que nasce no mesmo dia e na mesma hora que Jesus
Cristo. Ao longo da vida, ele será constantemente confundido com o Criador. Os
cristãos mais radicais não gostam dessa versão bem-humorada e a acusam de ser
blasfema, mas a verdade é que em momento algum a figura de Cristo é
ridicularizada, muito ao contrário. A graça é justamente acompanhar as
peripécias por que passa o pobre do Brian.
MARIA - Delírio de Abel
Ferrara sobre uma atriz de televisão que interpreta o papel da Virgem Maria e
passa a confundir ficção e realidade. Variação de um tema já explorado outras
vezes, com resultado confuso, passou quase em branco nos cinemas e nem chegou a
causar tanta polêmica. Mais uma boa presença de Juliette Binoche, conferindo
dignidade ao papel título.
JE VOUS SALUE, MARIE - Essa
provocação de Jean Luc Godard também foi proibida no Brasil por ordem expressa
do então presidente José Sarney (que depois voltou atrás e retirou o veto).
Como sempre, o diretor francês abusa de metáforas e simbologias para contar a
história, em que Maria e José são trabalhadores comuns (ela jogadora de
basquete, ele taxista) e cujo filho é uma criança comum, sem qualquer dom
espiritual especial. A edição em DVD, curiosamente, não traz o curta-metragem
que acompanhava o filme quando lançado em VHS.
O MANTO SAGRADO - Outra
produção classe A, dos tempos em que Hollywood gastava mais dinheiro com idéias
do que com efeitos especiais e tecnologia 3D. Uma visão diferente da vida de Cristo,
a partir da história do Santo Sudário e sua guarda por um escravo romano até
ser usado para cobrir o corpo do Salvador crucificado. Indicado a cinco Oscars,
incluindo melhor filme, ganhou os de Figurinos e Direção de Arte.