Por que tem que ser assim? (1968) |
Descrito
por alguns como uma obra-prima da sensibilidade, Por que tem que ser assim? derrapa nos excessos. Alimentando a
narrativa sobre a incomunicabilidade entre as pessoas está uma sucessão de
tragédias como poucas vezes vi no cinema. Robert Ellis Miller dirigiu em 1968
este filme, que foi indicado aos Oscars de Ator (Alan Arkin) e Atriz
Coadjuvante (Sondra Locke, em sua estréia no cinema aos 22 anos, na única
nomeação de sua carreira). Arkin interpreta com perfeição o surdo-mudo John
Singer, vítima não do destino que o privou da voz, mas da indiferença de um
microcosmo social que camufla suas tensões locais sob o manto da normalidade.
Arkin
já vinha de outros sucessos como Um
clarão nas trevas (1967) e Inspetor
Clouseau (1968), a gênese da série da Pantera Cor-de-Rosa. Ele detém uma
curiosa marca na história do Oscar: é o intérprete que mais tempo levou entre
uma indicação e outra, quase 30 anos, até ser afinal agraciado, como
coadjuvante por Pequena Miss Sunshine, em 2007. John Singer consegue ler
lábios, mas prefere se comunicar por meio de bilhetes. Ao chegar à pequena cidade
de Jefferson, bate na porta da casa de uma família que está alugando um quarto
por necessidades financeiras. O pai, veterano de guerra, está preso a uma
cadeira de rodas, o que faz com que a matriarca pense em conseguir emprego para
ajudar nas despesas domésticas; os dois filhos pequenos têm hiperatividade; e a
filha adolescente, reprimida, sonha em perder a virgindade. Um dia, andando
pela cidade, Singer testemunha uma agressão contra um rapaz e pede ajuda a um
médico que, por princípios, não atende pessoas brancas. Eles se tornam próximos
e Singer passa a conviver também com a filha do médico, cujo marido não goza da
simpatia do pai da moça, ou seja, todos brigam e discutem o tempo todo. Esses
dois universos não se cruzam entre si, mas se alternam na vida do rapaz. O
filme segue passando de um drama para outro, sem deixar o espectador respirar e
sem apresentar um único momento sequer de esperança.
Não
sei se a culpa é do romance original que lhe serviu de base, O coração é um caçador solitário, escrito
por Carson McCullers (o mesmo de Os
pecados de todos nós), que foi lançado no Brasil. O fato é que há um
excesso de assuntos explosivos para a época: racismo, interação social de
deficientes, emancipação feminina, virgindade, intolerância às diferenças,
educação familiar etc. Todos tratados de forma superficial, como se estivessem
ali apenas para servir de condução aos rumos da trama, sem aprofundamento nem
resoluções convincentes. O que me irritou mesmo foi o exagero. O filme
apresenta um pequeno inventário das dores humanas, parece que Jefferson é a
cidade que abriga todo o sofrimento do mundo. Um dos personagens, por exemplo,
é um homem por volta dos 50 anos, também surdo-mudo e ainda deficiente mental,
expulso de casa porque a família não o suporta mais. Outras atrações: um dos
personagens descobre que tem câncer terminal, outro tem a perna amputada, outro
se suicida, outro morre de infecção, outro descobre sofrer de uma doença
incurável que o limita fisicamente... Tudo isso em pouco mais de duas horas de
projeção. É de fazer chorar, literalmente, parece uma versão condensada de uma
boa e velha novela mexicana, só faltou a mocinha perder a visão!
Alan Arkin e Sondra Locke: indicados ao Oscar. |
As
duas atrizes centrais também davam seus primeiros passos na carreira. Sondra
Locke, que foi casada com Clint Eastwood nos anos 70, faz a adolescente Mick, que
luta para ser aceita pelos colegas de escola e nutre uma paixão não assumida
por Singer, um assunto mal colocado e ainda pior resolvido. Cicely Tyson já
tinha mais créditos, mas nada muito importante até então; ela é Portia, a filha
rebelde do médico racista - aliás, um
dos poucos méritos do filme é mostrar o racismo inverso, ou seja, o que negros
possam praticar contra brancos, um tema raramente explorado pelo cinema (por
que será? Para fazer de conta que o problema só tem um lado?). Ambas estão
muito bem e formam, com Arkin, a tríade de boas atuações que salvam o filme de
ser verdadeiramente insuportável. O diretor Miller, egresso de séries de TV,
incluindo um episódio de O fugitivo,
também estava engatinhando na Sétima Arte, tendo estreado em longas dois anos
antes, com Somente na quarta-feira.
Fez pouca coisa depois, a rigor, só com mais dois destaques, a estranha comédia
Falcões (com Timothy Dalton, em 1988)
e a aventura descerebrada Brenda Starr (com
Brooke Shields, no ano seguinte).
No
fundo, a mensagem essencial do roteiro acaba expressa pela fala final do
médico: "Ele sempre esteve ao nosso lado nos ajudando... Mas nunca
perguntamos quais eram os problemas dele." Ou seja, tanto nos grandes
centros quanto nas pequenas cidades, o ser humano é o mesmo animal egoísta e
ingrato, sempre olhando só para o próprio umbigo. Por que tem que ser assim?
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