quinta-feira, 18 de abril de 2013

A maior tragédia é o excesso

Por que tem que ser assim? (1968)

Descrito por alguns como uma obra-prima da sensibilidade, Por que tem que ser assim? derrapa nos excessos. Alimentando a narrativa sobre a incomunicabilidade entre as pessoas está uma sucessão de tragédias como poucas vezes vi no cinema. Robert Ellis Miller dirigiu em 1968 este filme, que foi indicado aos Oscars de Ator (Alan Arkin) e Atriz Coadjuvante (Sondra Locke, em sua estréia no cinema aos 22 anos, na única nomeação de sua carreira). Arkin interpreta com perfeição o surdo-mudo John Singer, vítima não do destino que o privou da voz, mas da indiferença de um microcosmo social que camufla suas tensões locais sob o manto da normalidade.

Arkin já vinha de outros sucessos como Um clarão nas trevas (1967) e Inspetor Clouseau (1968), a gênese da série da Pantera Cor-de-Rosa. Ele detém uma curiosa marca na história do Oscar: é o intérprete que mais tempo levou entre uma indicação e outra, quase 30 anos, até ser afinal agraciado, como coadjuvante por Pequena Miss Sunshine, em 2007. John Singer consegue ler lábios, mas prefere se comunicar por meio de bilhetes. Ao chegar à pequena cidade de Jefferson, bate na porta da casa de uma família que está alugando um quarto por necessidades financeiras. O pai, veterano de guerra, está preso a uma cadeira de rodas, o que faz com que a matriarca pense em conseguir emprego para ajudar nas despesas domésticas; os dois filhos pequenos têm hiperatividade; e a filha adolescente, reprimida, sonha em perder a virgindade. Um dia, andando pela cidade, Singer testemunha uma agressão contra um rapaz e pede ajuda a um médico que, por princípios, não atende pessoas brancas. Eles se tornam próximos e Singer passa a conviver também com a filha do médico, cujo marido não goza da simpatia do pai da moça, ou seja, todos brigam e discutem o tempo todo. Esses dois universos não se cruzam entre si, mas se alternam na vida do rapaz. O filme segue passando de um drama para outro, sem deixar o espectador respirar e sem apresentar um único momento sequer de esperança.

Não sei se a culpa é do romance original que lhe serviu de base, O coração é um caçador solitário, escrito por Carson McCullers (o mesmo de Os pecados de todos nós), que foi lançado no Brasil. O fato é que há um excesso de assuntos explosivos para a época: racismo, interação social de deficientes, emancipação feminina, virgindade, intolerância às diferenças, educação familiar etc. Todos tratados de forma superficial, como se estivessem ali apenas para servir de condução aos rumos da trama, sem aprofundamento nem resoluções convincentes. O que me irritou mesmo foi o exagero. O filme apresenta um pequeno inventário das dores humanas, parece que Jefferson é a cidade que abriga todo o sofrimento do mundo. Um dos personagens, por exemplo, é um homem por volta dos 50 anos, também surdo-mudo e ainda deficiente mental, expulso de casa porque a família não o suporta mais. Outras atrações: um dos personagens descobre que tem câncer terminal, outro tem a perna amputada, outro se suicida, outro morre de infecção, outro descobre sofrer de uma doença incurável que o limita fisicamente... Tudo isso em pouco mais de duas horas de projeção. É de fazer chorar, literalmente, parece uma versão condensada de uma boa e velha novela mexicana, só faltou a mocinha perder a visão!

Alan Arkin e Sondra Locke: indicados ao Oscar.
As duas atrizes centrais também davam seus primeiros passos na carreira. Sondra Locke, que foi casada com Clint Eastwood nos anos 70, faz a adolescente Mick, que luta para ser aceita pelos colegas de escola e nutre uma paixão não assumida por Singer, um assunto mal colocado e ainda pior resolvido. Cicely Tyson já tinha mais créditos, mas nada muito importante até então; ela é Portia, a filha rebelde do médico racista -  aliás, um dos poucos méritos do filme é mostrar o racismo inverso, ou seja, o que negros possam praticar contra brancos, um tema raramente explorado pelo cinema (por que será? Para fazer de conta que o problema só tem um lado?). Ambas estão muito bem e formam, com Arkin, a tríade de boas atuações que salvam o filme de ser verdadeiramente insuportável. O diretor Miller, egresso de séries de TV, incluindo um episódio de O fugitivo, também estava engatinhando na Sétima Arte, tendo estreado em longas dois anos antes, com Somente na quarta-feira. Fez pouca coisa depois, a rigor, só com mais dois destaques, a estranha comédia Falcões (com Timothy Dalton, em 1988) e a aventura descerebrada Brenda Starr (com Brooke Shields, no ano seguinte).

No fundo, a mensagem essencial do roteiro acaba expressa pela fala final do médico: "Ele sempre esteve ao nosso lado nos ajudando... Mas nunca perguntamos quais eram os problemas dele." Ou seja, tanto nos grandes centros quanto nas pequenas cidades, o ser humano é o mesmo animal egoísta e ingrato, sempre olhando só para o próprio umbigo. Por que tem que ser assim?

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