quinta-feira, 4 de abril de 2013

Uma vida em segredo


Em segredo (2005)
Embora seja um episódio recente, a guerra da Bósnia já forneceu farto material para diversas produções. No ano passado, Angelina Jolie estreou na direção centrando-se na crueldade dos estupros cometidos durante o conflito no bom Na terra do amor e ódio. Hollywood também contribuiu com algumas histórias (Bem-vindo a Sarajevo, Savior – a última guerra), mas é o cinema europeu quem melhor se ocupa do assunto. Algumas dessas produções foram sucesso de público, como Terra de ninguém, que ganhou o Oscar de Filme Estrangeiro em 2003. Outras sequer foram lançadas no Brasil (Nema problema, só exibida no Festival do Rio de 2005). Nem sempre, porém, os filmes que tratam do conflito o colocam como foco central da narrativa. Os dramas humanos gerados como conseqüências da situação também merecem destaque, e é neste cenário que se desenrola Em segredo. Premiado com o Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2006, o filme teve rápida passagem pelos cinemas brasileiros e merece ser descoberto em DVD.

A história se passa em Sarajevo, cerca de 12 anos após a guerra. No bairro popular de Grbavica, título original do longa, vive Esma, uma mulher por volta dos 40 anos, que freqüenta um grupo de apoio a mulheres que sofreram alguma perda com o conflito (viúvas, mutiladas, violentadas). O cenário é de reconstrução e as dificuldades enfrentadas pela população ainda são grandes. A muito custo, Esma consegue um emprego de garçonete no turno da noite em um bar de strip-tease. Com o que recebe, sustenta a si e a filha adolescente, Sara. A garota tem um temperamento difícil, explosivo, o que lhe rende advertências escolares por causa de brigas com os colegas. Ela desconhece exatamente sua origem. Sabe apenas que seu pai foi um herói de guerra, morto em combate, versão que é contada e sustentada por Esma. Um dia, surge a oportunidade de uma viagem cultural organizada pela escola. Sara goza da gratuidade concedida aos órfãos dos soldados mortos, mas, para obtê-la, precisa entregar um atestado militar comprovando sua filiação. É quando alguns segredos começam a ser revelados e ela descobre que as coisas não são como pensava ser.

Sara representa o futuro da Bósnia.
Na maior parte do tempo, acompanhamos as dificuldades enfrentadas por mãe e filha para, cada um a seu modo, sobreviverem em tempos difíceis, de pós-guerra, lutando para superar as limitações impostas pela situação. Se por um lado Esma se desdobra em subempregos para garantir sua subsistência e, ao mesmo tempo, evitar que a verdadeira origem de Sara venha à tona, por outro, a rebeldia da garota só aumenta, no que é um erro de construção do personagem, já que nunca se apresenta uma razão concreta para sua crescente revolta contra tudo e todos. Se o roteiro falha nesse aspecto, contudo, compensa pintando um forte retrato da corrosão familiar que as atinge, em cenas que, por vezes, beiram o completo desespero. O relacionamento entre mãe e filha é dos mais tensos e agressivos que se possa imaginar. Sara não economiza na crueldade, tratando a mãe por “piranha velha” e “vaca estúpida”. Já Esma, no limite de sua humanidade, apenas suporta a presença da filha, usando o instinto maternal comum a todas as mulheres. Essa tensão, que perpassa toda a narrativa, só desacelera após a revelação do segredo que garante a ligação entre as duas. A reação de Sara ao descobrir a verdade simboliza uma nova etapa em sua vida, uma limpeza de espírito, uma purgação dos pecados cometidos.


Se a solução do conflito não oferece uma conclusão pacificadora (fica a cargo do espectador inferir como será o futuro relacionamento entre mãe e filha), a cena final transmite toda a paz e a esperança desejadas pelo povo bósnio, simbolicamente representadas pelo sorriso de Sara, que se abre gradualmente, e reforçadas pela belíssima canção “Sarajevo ljubavi moja”, de Kemal Monteno, um hino de amor à terra natal devastada pela guerra. Um grande momento que coroa um belo filme.

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