quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

A bruxinha que era boa

Uma garota na vassoura (1972)
A antiga Tchecoslováquia sempre teve forte tradição em cinema fantástico e surrealista, sobretudo nos anos 60, quando filmes com essa temática eram realizados em profusão. Sou fã do estilo e, por isso, gostei muito de descobrir essa pequena jóia da produção local, praticamente desconhecida no Brasil – adianto em explicar que o título nacional é uma livre-adaptação particular da tradução para o inglês, The girl on the broomstick (no original tcheco, Dívka na kostéti).

Saxana é uma bruxinha adolescente que cursa a Escola de Magia no país em que vive. Tem dificuldades para conjurar os feitiços determinados pela professora: em vez de se transformar em um corvo, por exemplo, só consegue assumir a forma de uma vaca. Um dia, ouve falar de criaturas estranhas, que habitam uma terra muito distante: os humanos (e, afinal, somos estranhos mesmo!). Curiosa, resolve conhecer nossos hábitos e costumes; transmudada em uma coruja, acaba indo parar na casa de um estudante, que a leva para a escola. É quando as trapalhadas começam.

O filme é narrado como se fosse um conto de fadas, desses tradicionais que as crianças antigamente liam nos livros de história, e os quais, presumo, caíram no esquecimento, tragados pelas contemporaneidades que roubam a inocência. A mesma inocência que surge em cada fotograma deste filme extremamente simples em sua forma, na produção, nos figurinos modestos, mas que é capaz de encantar, tanto à primeira vista quanto aos que já são admiradores desse tipo de cinema. Claro que é preciso relaxar e assisti-lo exatamente com os olhos de uma criança, para que seja possível uma melhor e mais completa fruição da narrativa.

Saxana descobre as maravilhas do mundo humano.
Saxana fica tão encantada com tudo o que encontra e descobre – um rádio, a música – que decide ficar por aqui, entre nós. Para isso, porém, precisa ingerir uma poção mágica, que lhe concederá a condição humana, cortando os laços que a unem a seu universo maravilhoso. É óbvio que o roteiro desenha uma metáfora para o crescimento e o amadurecimento individual, especialmente o feminino, já que a bruxinha também deseja conhecer o amor. Um romance entre ela e seu anfitrião, porém, nem sequer é esboçado, até a cena final.

Além de ser um conto de fadas encenado com atores reais, o filme também se aproxima bastante da estética dos quadrinhos em diversos momentos. O mais famoso é aquele em que Saxana estica o braço por baixo da carteira escolar e rouba um livro da mesa da professora. Há outro nesse mesmo sentido, quando o rapaz que a ajuda no "mundo humano" literalmente perde a cabeça e ela vai parar em cima de um criado-mudo! Tudo feito com recursos visuais simples, mas altamente eficientes. 

A amável bruxinha marca a estréia da ruiva Petra Cernocká no cinema, que teve carreira irregular, só voltando às telas em 1982, e sempre trabalhando em Praga, inclusive estrelando uma espécie de continuação/refilmagem em 2011, repetindo a personagem, agora idosa, contando suas memórias. O diretor Vaclav Vorlicek, que assinou também essa nova versão, continua na ativa e realizou, entre outros, uma pérola do humor surreal, Quem quer matar Jessie? (1966). Mas sua carreira se restringiu ao mercado local, privando o mundo de conhecer e admirar mais o seu estilo. Dívka na kostéti é um delicioso exemplar do mágico cinema tcheco feito nos anos 60. Quem quiser conhecer o gênero de forma mais acessível, pode procurar, em alguma boa locadora, Um dia, um gato (1963), de Vojtech Jasny, um dos títulos mais festejados daquela safra.

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