quinta-feira, 9 de abril de 2015

Pela pátria

Segurança nacional (2010)
Em uma das entrevistas apresentadas nos extras do DVD, o protagonista Thiago Lacerda assim define o filme: "Segurança nacional é um filme de ação feito de brasileiros para brasileiros". Mesmo verdadeira e autêntica, a frase acaba funcionando como uma piada pronta, porque algum gaiato pode dizer: "É por isso que não presta!". Mas a verdade é que essa produção precisa ser vista com certo afastamento crítico para ser melhor aproveitada.

Quando foi lançado nos cinemas, em 2010, Segurança nacional foi inapelavelmente demolido pela crítica especializada, que lhe apontou os mais variados defeitos, desde o roteiro absurdo e inverossímil até as cenas de ação fracas e constrangedoras. Deixei para ver o filme agora, e se não estamos diante de uma obra-prima do cinema nacional, tampouco ele pode ser classificado como um desastre completo. Há coisas muito mais canhestras no cinema tupiniquim do que essa tentativa de se fazer uma fita de gênero no país, algo raro, complicado (até pela dificuldade de distribuição e aceitação junto ao público) e, por outro lado, de uma iniciativa extremamente bem-vinda para renovação e oxigenação do nosso cinema.

Hoje é praticamente impossível competir com as comédias em termos de popularidade e possibilidade de renda, o que gera quase um abismo que só vem aumentando nos últimos anos, tanto que raramente um filme de outro gênero (geralmente um drama ou uma biografia musical) consegue furar o bloqueio e entrar no seletíssimo grupo dos campeões de bilheteria, e nem estou falando da casa dos milhões, porque isso restringiria ainda mais o panorama. Tão popular quanto as comédias na preferência cinéfila dos brasileiros, contudo, o cinema de aventura, ou de ação, como preferem alguns, já teve por aqui um porto seguro, rendendo oceanos de dinheiro com produções estreladas por astros que se tornaram quase íntimos do espectador médio. Falo de Bruce Willis, Stallone, Van Damme, Arnoldão antes da política etc. Ou seja, um cenário que se anunciava bastante promissor para quem quisesse se arriscar a pensar fora da moviola e fazer algo diferente. Afinal, com poucas variações culturais ou cenográficas, filmes de ação costumam ser iguais em qualquer lugar do mundo, desde que, é claro, não se exija a excelência técnica à qual Hollywood nos acostumou e que não tem como ser reproduzida em outas paragens. Pensamento análogo: os fãs desse tipo de filme não se importam com sua origem, então, por que não fazermos aqui também? A bilheteria é garantida!

Tenente Marcos Rocha: um herói de seu povo.
Foi talvez seguindo esse raciocínio que o jovem diretor Roberto Carminati, então apenas um estudante de cinema, fã confesso desse tipo de filme, resolveu se arriscar em sua segunda experiência na Sétima Arte – estreou com o desconhecido A fronteira (2003), rodado nos Estados Unidos. Ele mesmo escreveu o roteiro, garimpou o elenco e ousou imaginar uma trama por vezes rocambolesca. Após a aprovação da Lei do Abate, em 2004, que permite ao governo brasileiro derrubar aeronaves estrangeiras que invadam o espaço aéreo nacional sem autorização, Hector Gasca, o mais temido narcotraficante colombiano, irritado por não conseguir mais lucrar com o movimento de suas atividades por aqui, resolve se vingar promovendo atos terroristas em diversas capitais. Para combatê-lo, é convocado o agente Marcos Rocha, treinado por um órgão federal que quase ninguém sabe que existe, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que presta apoio a operações militares.

Sem referências anteriores em que se apoiar, Carminati bebe na fonte dos similares norte-americanos, tanto na ambientação das cenas de luta e perseguição, quanto na construção do universo habitado pelo herói. É como se estivéssemos assistindo a uma produção B rodada em Hollywood, só que falada na nossa língua e estrelada por gente nossa. Claro que há clichês, alguns inevitáveis, como o namoro do agente com a filha de sua supervisora (Ângela Leal), praticamente mantido em sigilo das duas e que só vem à tona muito tempo depois. A garota é interpretada por Viviane Victorette, em sua estréia no cinema, mais como elemento romântico, com pouco a fazer e com direito a uma rápida ceninha de bondage (mas, curiosamente, ela tem bastante espaço nos extras, com a segunda entrevista mais longa). Milton Gonçalves é o presidente negro prenunciado por Monteiro Lobato e Gracindo Júnior, como um deputado corrupto, vive um momento que, hoje, causaria urros da platéia nas salas, quando seu personagem é seqüestrado e ameaçado de morte pelo traficante!

A má recepção do filme por público em geral e crítica em particular deve ter abortado os projetos seguintes de Carminati, que se mostra entusiasmado nos extras, mas sem dúvida esbarrou na dificuldade de se fazer cinema por aqui, adiando ou enterrando os sonhos de uma juventude universitária idealista. Mas, visto hoje e com um olhar mais compreensivo, Segurança nacional nada fica a dever a outras bobagens acéfalas produzidas pelos ianques. Desligue o senso crítico e divirta-se.

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