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O medo do goleiro diante do pênalti (1971) |
Muitos
anos antes de se tornar o cronista estrangeiro das neuroses internas que
corroem a sociedade norte-americana atual, vitimada pela paranóia do
terrorismo, o alemão Win Wenders concebeu um interessante estudo sobre os
efeitos do medo no ser humano, ao levar para as telas o romance homônimo de
Peter Handke, O medo do goleiro diante do
pênalti, publicado no Brasil pela Brasiliense em edição conjunta com a novela Bem-aventurada infelicidade. Descartando as implicações políticas de suas produções mais
recentes, o diretor conseguiu ser universal sem precisar se afastar de sua
aldeia.
Joseph
Bloch é goleiro de um pequeno time da segunda divisão. Durante uma partida, ele
discute com o árbitro por conta de uma falta mal marcada e é substituído pelo
treinador. Suspenso pela diretoria do clube, resolve passar seus dias
perambulando pela cidade. Vai ao cinema (assistir Faixa vermelha 7000, de Howard Hawks) e acaba se envolvendo com a
bilheteira, Glória. Mesmo não sendo convidado, passa a noite na casa dela. Na
manhã seguinte, sem motivo aparente, ele a estrangula, mas o fato parece não
significar muita coisa para o goleiro, que continua vivendo como se nada
tivesse acontecido. Acompanhando a repercussão do crime pelos jornais, ele se
muda para a pensão de uma amiga e fica apenas à espera de ser encontrado pela
polícia. Cada vez mais consciente de seu destino, deixa aflorar seu sentimento
de culpa por meio de tiques e uma hiperatividade latente que, no entanto, não o
leva a lugar algum. Seu nervosismo é fruto da certeza de que seus dias de
liberdade estão contados: ser descoberto é apenas uma questão de tempo.
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Goleiro pensa que é artilheiro e banca o matador. |
O
filme parece muito simples na forma, mas deve ser visto com atenção pelo
espectador, pois todo o seu sentido está implícito, subliminar. Wenders
constrói quase uma fábula sobre o desconcerto de um homem comum acossado pela
culpa e a certeza de uma falta cometida. A metáfora do goleiro como ser
isolado, solitário, funciona de maneira óbvia. Ele simboliza uma espécie de flaneur fatalista, agindo como um
fantasma urbano, evocando O estrangeiro,
de Albert Camus. O tema da solidão humana já aparecia com força na obra do
diretor, e seria ainda mais intenso em seus trabalhos posteriores, como Paris, Texas (1984), Asas
do desejo (1987) e mesmo o recente Estrela
solitária (2004). Bloch não tenta fugir em momento algum: sabe que não tem
para onde ir, e que todas as fugas possíveis são inúteis. Está inexoravelmente
preso à sua existência medíocre – o filme é todo centrado em cima de
personagens os quais se convencionou chamar de losers (perdedores) do sonho
americano. Este aspecto do filme pode desagradar muitos espectadores, bem como
a lentidão da narrativa, evidenciando a imobilidade da situação e antecipando o
destino do protagonista. Esse clima de desesperança é realçado pela trilha sonora,
uma batida monocórdia, repetitiva, transmitindo a idéia de que nada sai do
lugar.
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O Estádio dos Assassinos. Mas aqui não tem 7x1. |
Outro
aspecto que pode causar estranheza é o nonsense de alguns diálogos, que, mesmo
assim, conseguem ser brilhantes em alguns momentos, especialmente quando
criticam a falta de comunicabilidade entre as pessoas – outro assunto
recorrente na filmografia do diretor. Ninguém está interessado em entender ou
ser entendido: as pessoas apenas vivem, vez por outra esbarrando em problemas
externos, sem que, contudo, se sintam atingidas por eles.
Visto hoje, o filme ganha uma dimensão ainda maior se lembrarmos do caso do goleiro Bruno, ex-Flamengo, que permenece encarcerado em Minas Gerais suspeito do assassinato de sua amante, a modelo Eliza Samúdio, em 2010. Em um rasgo de humor negro e politicamente incorretíssimo, seria de se imaginar que ela tenha assistido a este filme algum tempo antes do crime e, tal qual Bloch, se convencido de que poderia escapar da lei. Talvez não tenha visto até o final.
É
um dos bons trabalhos de Win Wenders que merece ser conhecido. Infelizmente, foi ignorado pela distribuidora Europa, quando do lançamento de vários títulos do diretor em DVD, e permanece só podendo ser visto em VHS ou garimpado na rede.
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